Somos um povo de gerúndios. Esta
palavra é um tempo verbal que indica uma ação em andamento, um processo verbal
não finalizado.
- “Então como é que vai?” – É uma
pergunta usual nos cumprimentos de quase todos nós.
- “Vou andando” – Lá está a
grande probabilidade de resposta, no gerúndio. Poderia ter sido dito tão só:
“bem” ou “mal”.
Pois é, neste contexto de gerundismo,
vamos tendo em conta que os problemas que estamos “vivendo”, são para se ir
“resolvendo”; as coisas para se ir “fazendo”, e as dívidas para se ir
“pagando”. E enquanto isto, quem tem crianças, elas vão “crescendo”, e, pela
lógica, também vão “estudando”. Será que, com esta excitação dos professores,
elas verdadeiramente se vão “apercebendo” neste ensino, do que vão
“aprendendo?”.
Nas comemorações do 10 de junho,
no Peso da Régua, o procedimento de um grupo de professores foi “envergonhando”
a sua classe e o país, com as suas condutas muito injuriosas e humilhantes, com
aquela ideia saloia de retratarem nos seus cartazes o primeiro-ministro com
nariz de porco e lápis espetados nos olhos, na visão de António Costa como
“racismo”, “foi um tiro no pé da parte dos professores, que se pensam que
ganham alguma coisa com isto, não, só perdem”, na opinião de Marques Mendes. Já
antes, noutro cartaz, empunhado por uma professora, bem visível, apregoando
RESPEITO. Esses professores que se afastaram de condignamente representarem a
classe e a professora que empunhava o outro cartaz, como é que vai explicar aos
infelizes dos seus alunos o conceito de “RESPEITO?”, lia-se nas redes sociais. O
enfado das suas greves, com os sindicatos na teimosia da imediata recuperação
do tempo de serviço de 6 anos, 4 meses e 2 dias, congelados no período da crise
económica e financeira, levam-nos a perder a razão, pois quantos cidadãos
ficaram também com as suas carreiras congeladas? Parece que só existe uma
vítima – os professores. Este congelamento do tempo de serviço afeta outros
trabalhadores da Função Pública e o ministro da Educação não aceita negociar,
pelos reflexos que teria nas contas públicas.
Bom, mas não vou falar mais nos
professores, ainda que lhes “reconhecendo” justiça no que vão “reivindicando”,
porque para isso teria de ir “mencionando” muitas outras injustiças noutras classes
trabalhadoras.
O gerúndio traduz bem a nossa
forma de sentir e de agir. Parece que vamos “gostando” desta fórmula
gramatical que nos permite ir “arrastando” as situações e os estados de alma no
tempo. Vamos “tendo” dificuldade em ser diretos, assertivos, “de pegar o touro
pelos cornos”. Vamos “tentando” contemporizar, “evitando” comprometer-nos,
“querendo” sempre um meio-termo, “procurando” as zonas cinzentas em vez de
optarmos pelas pretas ou brancas. Somos assim. Desta feita, o gerúndio está-nos tão
entranhado nos genes que nem nos ocorre ser/dizer de outra maneira. Mas há
alturas em que temos mesmo de conjugar os verbos nos seus modos mais perfeitos,
conforme refere Sofia Barrocas na extinta revista Notícias Magazine. Como o
presente e o futuro do indicativo. Não há espaço para condicionais ou
conjuntivos sob pena de ficarmos presos aos pretéritos (passados). O país que
queremos ser não pode ser conjugado no gerúndio.
No tempo em que ainda fomos
“louvando” ações governamentais, passámos depois “diabolizando” tudo, num país
“parecendo” ter perdido o norte.
Vai-se “brincando” com os
portugueses, sem sentido, numa de finca-pé, e com um governo de maioria
absoluta entre sorrisos e beijoqueiras dum presidente da República que quer
agradar a Deus e ao Diabo. Que quer ficar bem na foto da futurologia.
Portugal necessita de gentes, com
líderes nas vertentes da verdade, em que a palavra confiança deve ser levada
muito a sério. E só porque este (des)governo optou por ocupar o tempo numa de
brincar às casinhas, queria dizer aos casos e casinhos, não se riam os
antecessores, das várias cores políticas, e os que se pretendem perfilar à
substituição, porque todos tiveram mais culpa, ou menos culpa, no cartório.
Todos reivindicam, e ninguém
exige rigor nas atuações, “ponderando” para que se façam leis para cumprir e
não para “faz de conta”. É que passamos o tempo a enervar-nos, “galambando”
(permitam-me a acepção desta palavra num neologismo caseiro), em vez do ponto
final em João Galamba.
E mais não vou “dizendo”, para
não enfadar de tanto gerúndio.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de
12-07-2023)
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