12 de julho de 2023

A GERUNDIAL FORMA DE NOS CONTACTARMOS




 

Somos um povo de gerúndios. Esta palavra é um tempo verbal que indica uma ação em andamento, um processo verbal não finalizado.

- “Então como é que vai?” – É uma pergunta usual nos cumprimentos de quase todos nós.

- “Vou andando” – Lá está a grande probabilidade de resposta, no gerúndio. Poderia ter sido dito tão só: “bem” ou “mal”.

Pois é, neste contexto de gerundismo, vamos tendo em conta que os problemas que estamos “vivendo”, são para se ir “resolvendo”; as coisas para se ir “fazendo”, e as dívidas para se ir “pagando”. E enquanto isto, quem tem crianças, elas vão “crescendo”, e, pela lógica, também vão “estudando”. Será que, com esta excitação dos professores, elas verdadeiramente se vão “apercebendo” neste ensino, do que vão “aprendendo?”.

Nas comemorações do 10 de junho, no Peso da Régua, o procedimento de um grupo de professores foi “envergonhando” a sua classe e o país, com as suas condutas muito injuriosas e humilhantes, com aquela ideia saloia de retratarem nos seus cartazes o primeiro-ministro com nariz de porco e lápis espetados nos olhos, na visão de António Costa como “racismo”, “foi um tiro no pé da parte dos professores, que se pensam que ganham alguma coisa com isto, não, só perdem”, na opinião de Marques Mendes. Já antes, noutro cartaz, empunhado por uma professora, bem visível, apregoando RESPEITO. Esses professores que se afastaram de condignamente representarem a classe e a professora que empunhava o outro cartaz, como é que vai explicar aos infelizes dos seus alunos o conceito de “RESPEITO?”, lia-se nas redes sociais. O enfado das suas greves, com os sindicatos na teimosia da imediata recuperação do tempo de serviço de 6 anos, 4 meses e 2 dias, congelados no período da crise económica e financeira, levam-nos a perder a razão, pois quantos cidadãos ficaram também com as suas carreiras congeladas? Parece que só existe uma vítima – os professores. Este congelamento do tempo de serviço afeta outros trabalhadores da Função Pública e o ministro da Educação não aceita negociar, pelos reflexos que teria nas contas públicas.

Bom, mas não vou falar mais nos professores, ainda que lhes “reconhecendo” justiça no que vão “reivindicando”, porque para isso teria de ir “mencionando” muitas outras injustiças noutras classes trabalhadoras.

O gerúndio traduz bem a nossa forma de sentir e de agir. Parece que vamos “gostando” desta   fórmula gramatical que nos permite ir “arrastando” as situações e os estados de alma no tempo. Vamos “tendo” dificuldade em ser diretos, assertivos, “de pegar o touro pelos cornos”. Vamos “tentando” contemporizar, “evitando” comprometer-nos, “querendo” sempre um meio-termo, “procurando” as zonas cinzentas em vez de optarmos pelas pretas ou brancas. Somos assim.  Desta feita, o gerúndio está-nos tão entranhado nos genes que nem nos ocorre ser/dizer de outra maneira. Mas há alturas em que temos mesmo de conjugar os verbos nos seus modos mais perfeitos, conforme refere Sofia Barrocas na extinta revista Notícias Magazine. Como o presente e o futuro do indicativo. Não há espaço para condicionais ou conjuntivos sob pena de ficarmos presos aos pretéritos (passados). O país que queremos ser não pode ser conjugado no gerúndio.

No tempo em que ainda fomos “louvando” ações governamentais, passámos depois “diabolizando” tudo, num país “parecendo” ter perdido o norte.

Vai-se “brincando” com os portugueses, sem sentido, numa de finca-pé, e com um governo de maioria absoluta entre sorrisos e beijoqueiras dum presidente da República que quer agradar a Deus e ao Diabo. Que quer ficar bem na foto da futurologia.

Portugal necessita de gentes, com líderes nas vertentes da verdade, em que a palavra confiança deve ser levada muito a sério. E só porque este (des)governo optou por ocupar o tempo numa de brincar às casinhas, queria dizer aos casos e casinhos, não se riam os antecessores, das várias cores políticas, e os que se pretendem perfilar à substituição, porque todos tiveram mais culpa, ou menos culpa, no cartório.

Todos reivindicam, e ninguém exige rigor nas atuações, “ponderando” para que se façam leis para cumprir e não para “faz de conta”. É que passamos o tempo a enervar-nos, “galambando” (permitam-me a acepção desta palavra num neologismo caseiro), em vez do ponto final em João Galamba.

E mais não vou “dizendo”, para não enfadar de tanto gerúndio.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 12-07-2023)

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