Neste último número do ano 2023, despeço-me dos Prezados Leitores e
Amigos, recordando dois consagrados autores portugueses, prometendo voltar no
novo ano, se Deus o permitir.
CAMILO CASTELO BRANCO (1825 –
1890)
Infância triste e
adolescência leviana. Vida turbulenta no Porto. Os últimos anos em S. Miguel de
Ceide.
Mulher, Joaquina
Pereira. Uma transmontana se cruzou com ele, Maria do Adro.
Ao morrer a mulher, Joaquina Pereira, os seus olhos lúbricos
foram cair numa rapariga órfã, Patrícia Emília. Raptou-a e foi
preso. Prende-se de amores vários mas efémeros. Encontra num baile a que viria
a ser a sua mulher, Ana Plácido, mas, entretanto, esposa do
conselheiro Pinheiro Alves. Este instaurou um processo aos adúlteros. Os dois
amantes andaram foragidos e vão para a cadeia. Aqui esteve Camilo um ano a
escrever o “Amor de Perdição”.
A loucura do filho, a notícia
da morte de pessoas íntimas, a velhice e a cegueira incurável leva-o a pôr
termo à vida em 01-06-1890.
A obra literária de Camilo
chegou até nós em centenas de volumes. Cultivou os mais diversos géneros: poesia,
teatro, romance, o conto, crítica literária, investigação
histórico-genealógica, polémica, jornalismo. Foi no romance, género que
deveras se notabilizou.
Camilo Castelo Branco imaginou
muito e observou pouco. Se Camilo tivesse sido um bom observador, talvez
tivesse evitado o principal senão dos seus romances: a monotonia. Mas
tal não acontece porque se limitou a imaginar.
Daí a deceção que sofremos aos vermos repetir-se, de novela em novela,
quase sempre o mesmo esquema romanesco.
Nestes romances, há
personagens que, à semelhança dos de Herculano, encarnam ao vivo o ódio ou o
amor – o remorso ou a vingança.
Camilo despreza o ambiente
geográfico, e põe em relevo apenas o elemento humano, ao contrário de outros. O
que queria era fazer rir ou chorar e pouco se importava com a pintura da
paisagem. Com as coisas que fazem chorar vai construir o romance passional; com as
coisas que fazem rir, o romance
satírico.
Camilo
era plebeu. Por isso, jamais pôde encarar com simpatia a conceção de vida de
certos tipos sociais cuja imensa vaidade, ânsia de gozo e colossal fortuna
estavam na razão direta da estupidez e da falta de senso.
No
romance camiliano, a posse da mulher anda geralmente ligada à ideia de crime, à
ideia de pecado. Um enredo amoroso entre solteiros, a terminar na igreja
como o trata Júlio Dinis, não interessa muito a Camilo. Aí não vislumbra dramatismo.
Ele prefere homens sedutores e mulheres vítimas. Tem fatalmente de misturar o
amor com a ilegalidade. Por isso, o que é a mulher no romance passional de
Camilo?
Quando
em 1875 Camilo começou a redigir as Novelas do Minho, já a escola realista se vinha impondo, há anos, ao público português.
Nesse ano saiu O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, escrito, no entanto, em 1871. E eram bastante lidas as obras de
Flaubert, Balzac e Zola.
Camilo lera os romances de Júlio Dinis. Não se pode dizer
que não tenha gostado. Mas aquela quase inocência edénica dos lavradores e
aquela felicidade áurea da vida do campo, não, isso não o convencia. Ele
conhecia demais o viver da aldeia e as manhas dos seus habitantes. Não era a
brincar que dizia que a única coisa aproveitável nos lavradores minhotos era,
aqui ou ali, A Grinalda, um naco de bom presunto; o resto, só estupidez e
maldade.
A ação de grande parte dos
romances de Camilo Castelo Branco não se passa no seu tempo. Ele mesmo tem o
cuidado de o confessar em mais de uma obra. Quase todas as intrigas têm lugar
nos anos que decorreram entre as invasões francesas e a promulgação das leis de
Mouzinho da Silveira.
O dinheiro é em Camilo a mola
que impulsiona a marcha da ação de muitos romances. Mas é interessante
constatar que, raras vezes, ele é fruto de trabalho dignificante, como o de Tomé
da Póvoa d’Os Fidalgos da Casa Mourisca de Júlio Dinis. Em geral, ou provém de heranças
e de tesouros escondidos casualmente descobertos, ou da árvore das patacas do
Brasil, ou da roubalheira (quase sempre no Ultramar).
Não se insurge contra os princípios basilares da
sociedade, isso, não. Até os defende. Só ataca os homens, em cujas
virtualidades nunca acreditou.
Camilo aprendeu a língua portuguesa ouvindo o povo e
lendo os clássicos.
Camilo mostra-se parco
nas descrições, sumário nas narrações e procura tirar o máximo efeito do dramatismo dialogal. Era
avesso a descrições, como confessa em Vingança. A paisagem mal existe na
sua novelística.
(In Jornal “O Olhanense”, de 15-12-2023)
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