19 de dezembro de 2023

LEMBRAR CAMILO E EÇA DE QUEIRÓS - I

 




Neste último número do ano 2023, despeço-me dos Prezados Leitores e Amigos, recordando dois consagrados autores portugueses, prometendo voltar no novo ano, se Deus o permitir.

CAMILO CASTELO BRANCO (1825 – 1890)

Infância triste e adolescência leviana. Vida turbulenta no Porto. Os últimos anos em S. Miguel de Ceide.

Mulher, Joaquina Pereira. Uma transmontana se cruzou com ele, Maria do Adro. Ao morrer a mulher, Joaquina Pereira, os seus olhos lúbricos foram cair numa rapariga órfã, Patrícia Emília. Raptou-a e foi preso. Prende-se de amores vários mas efémeros. Encontra num baile a que viria a ser a sua mulher, Ana Plácido, mas, entretanto, esposa do conselheiro Pinheiro Alves. Este instaurou um processo aos adúlteros. Os dois amantes andaram foragidos e vão para a cadeia. Aqui esteve Camilo um ano a escrever o “Amor de Perdição”.

A loucura do filho, a notícia da morte de pessoas íntimas, a velhice e a cegueira incurável leva-o a pôr termo à vida em 01-06-1890.

A obra literária de Camilo chegou até nós em centenas de volumes. Cultivou os mais diversos géneros: poesia, teatro, romance, o conto, crítica literária, investigação histórico-genealógica, polémica, jornalismo. Foi no romance, género que deveras se notabilizou.

Camilo Castelo Branco imaginou muito e observou pouco. Se Camilo tivesse sido um bom observador, talvez tivesse evitado o principal senão dos seus romances: a monotonia. Mas tal não acontece porque se limitou a imaginar.  Daí a deceção que sofremos aos vermos repetir-se, de novela em novela, quase sempre o mesmo esquema romanesco.

Nestes romances, há personagens que, à semelhança dos de Herculano, encarnam ao vivo o ódio ou o amor – o remorso ou a vingança.

Camilo despreza o ambiente geográfico, e põe em relevo apenas o elemento humano, ao contrário de outros. O que queria era fazer rir ou chorar e pouco se importava com a pintura da paisagem. Com as coisas que fazem chorar vai construir o romance passional; com as coisas que fazem rir, o romance satírico.

Camilo era plebeu. Por isso, jamais pôde encarar com simpatia a conceção de vida de certos tipos sociais cuja imensa vaidade, ânsia de gozo e colossal fortuna estavam na razão direta da estupidez e da falta de senso.

No romance camiliano, a posse da mulher anda geralmente ligada à ideia de crime, à ideia de pecado. Um enredo amoroso entre solteiros, a terminar na igreja como o trata Júlio Dinis, não interessa muito a Camilo. Aí não vislumbra dramatismo. Ele prefere homens sedutores e mulheres vítimas. Tem fatalmente de misturar o amor com a ilegalidade. Por isso, o que é a mulher no romance passional de Camilo?

Quando em 1875 Camilo começou a redigir as Novelas do Minho, já a escola realista se vinha impondo, há anos, ao público português. Nesse ano saiu O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, escrito, no entanto, em 1871. E eram bastante lidas as obras de Flaubert, Balzac e Zola.

Camilo lera os romances de Júlio Dinis. Não se pode dizer que não tenha gostado. Mas aquela quase inocência edénica dos lavradores e aquela felicidade áurea da vida do campo, não, isso não o convencia. Ele conhecia demais o viver da aldeia e as manhas dos seus habitantes. Não era a brincar que dizia que a única coisa aproveitável nos lavradores minhotos era, aqui ou ali, A Grinalda, um naco de bom presunto; o resto, só estupidez e maldade.

A ação de grande parte dos romances de Camilo Castelo Branco não se passa no seu tempo. Ele mesmo tem o cuidado de o confessar em mais de uma obra. Quase todas as intrigas têm lugar nos anos que decorreram entre as invasões francesas e a promulgação das leis de Mouzinho da Silveira.

O dinheiro é em Camilo a mola que impulsiona a marcha da ação de muitos romances. Mas é interessante constatar que, raras vezes, ele é fruto de trabalho dignificante, como o de Tomé da Póvoa d’Os Fidalgos da Casa Mourisca de Júlio Dinis. Em geral, ou provém de heranças e de tesouros escondidos casualmente descobertos, ou da árvore das patacas do Brasil, ou da roubalheira (quase sempre no Ultramar).

Não se insurge contra os princípios basilares da sociedade, isso, não. Até os defende. Só ataca os homens, em cujas virtualidades nunca acreditou.

Camilo aprendeu a língua portuguesa ouvindo o povo e lendo os clássicos.

Camilo mostra-se parco nas descrições, sumário nas narrações e procura tirar o máximo efeito do dramatismo dialogal. Era avesso a descrições, como confessa em Vingança. A paisagem mal existe na sua novelística.

(In Jornal “O Olhanense”, de 15-12-2023)

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