17 de abril de 2024

O jornalismo em Portugal até ao 25 de Abril de 1974

 


Desde a fundação da nacionalidade que houve dispositivos pré-jornalísticos em Portugal, como as crónicas e as cartas. Na segunda metade do século XVI começaram a ser editadas folhas noticiosas ocasionais de temas variados. O século XVII trouxe a Portugal a novidade do jornalismo periódico. Em 1641, graças à necessidade de propagandear a Restauração da Independência, começou a circular no país o primeiro jornal periódico português: a Gazeta.

Entre 1760 e 1762, a Gazeta de Lisboa passou a seguir uma orientação ainda mais administrativa, fornecendo a primeira matriz em que se viria a fundar, futuramente, o diário oficial português, atualmente designado Diário da República.

O início do século XIX foi também o período em que a Europa mergulhou na aventura napoleónica. O Rio de Janeiro tornou-se a capital do Reino de Portugal, do Brasil e dos Algarves.  

A maioria dos periódicos que apareceu em Portugal durante as invasões francesas era de natureza estritamente noticiosa, publicando notícias sobre a guerra peninsular traduzidas de periódicos espanhóis e ingleses.

Durante o período de instabilidade política e de rebeliões que agitou Portugal após 1822, tornou-se inconstante a velocidade a que apareciam, anualmente, novos periódicos.

As eleições de 1848 reconduziram Costa Cabral ao poder. O governo cabralista apresentou, logo nesse ano, um projeto de lei que restringiu a liberdade de imprensa. Embora duramente criticada por cidadãos-jornalistas como Alexandre Herculano e Almeida Garrett, a nova legislação foi promulgada a 3 de agosto de 1850, tendo ficado popular e simbolicamente reconhecida por Lei das Rolha.

Começaram, então, a reaparecer em Portugal jornais populares noticiosos, direcionados para toda a sociedade, com meios técnicos e financeiros que propiciavam grandes tiragens. Inaugura-se, em Portugal, a fase de jornalismo industrial que dará a matriz para os tempos vindouros.

O primeiro número do Diário de Notícias surgiu a 29 de dezembro de 1864.

O sucesso dos jornais noticiosos generalistas “industriais” obrigou alguma imprensa a adaptar-se à nova situação reorientando a sua linha editorial.

No final do século XIX (e até final da Monarquia), a liberdade de imprensa foi, novamente, cerceada em Portugal, passo a passo, pelos últimos governos monárquicos. O humilhante Ultimato inglês de 1890 contra as pretensões portuguesas de unir os territórios coloniais de Angola e Moçambique contribuiu para acirrar os ânimos contra a Monarquia.

A legislação da imprensa aprovada na fase final do período monárquico instituiu, de facto, um regime severamente repressivo da liberdade de imprensa.

Em junho de 1926 a Ditadura Militar entregou a pasta das Finanças a um jovem professor de economia política na Universidade de Coimbra, António de Oliveira Salazar. Este conseguiu equilibrar as contas públicas, em 1929, e acabou por tomar totalmente as rédeas do poder. Para assegurar definitivamente o novo regime, Salazar procurou dar-lhe uma base constitucional. Assim, em 1933, fez plesbicitar uma nova Constituição que pôs fim à Ditadura Militar e deu início ao Estado Novo.

A Constituição de 1933 dotou, assim, o Estado Novo de um instrumento jurídico que lhe permitiu a institucionalização da censura prévia.

 A censura à imprensa (que nunca tinha deixado de existir) continuou desta vez alicerçada na Lei Fundamental.

Os jornais enviavam três provas à Comissão de Censura da sua área, que devolvia uma delas com os carimbos “visado”, “autorizado”, “autorizado com cortes” (assinalados a lápis azul, competindo ao jornal decidir sobre a publicação das notícias parcialmente cortadas), “suspenso” (conteúdos a aguardar decisão superior), “retirado” ou “cortado” (proibição absoluta de referência ao assunto em causa). Os jornais, porém, não podiam deixar espaços em branco ou outros indícios de censura, embora pudessem colocar o aviso “visado pela Comissão de Censura”, na primeira página. Em algumas ocasiões, os Serviços de Censura davam instruções informais aos jornais. Na Guerra Colonial, as vítimas dos combates eram frequentemente referidas como tendo sido vítimas de acidentes de viação. As tentativas de insurreição também eram ou silenciadas ou enquadradas noticiosamente de maneira a favorecer o regime.

Com a morte de Salazar e a sua substituição por Marcelo Caetano, a censura amenizou-se. Porém, a intensificação da Guerra Colonial e dos protestos estudantis levaram o regime a suspender a política de abertura, o que conduziu ao endurecimento da censura.

As dificuldades para o jornalismo durante o Estado Novo não se limitavam à censura e a medidas repressivas como a suspensão da publicação por um determinado período, apreensão de exemplares, multas e mesmo a prisão para jornalistas, editores e vendedores.

Nos anos Sessenta alguma coisa mudou no panorama jornalístico português. Num mundo em mudança, O Primeiro de Janeiro, jornal de referência do Porto, bem como o Diário de Lisboa, o República e o Diário Popular, jornais da capital, conseguiram ser, de algum modo, vozes da oposição democrática ao regime, apesar de serem ultrapassados, em tiragens e circulação, pelo Século e pelo Diário de Notícias, formalmente independentes mas situacionistas,

O lançamento do semanário Expresso, em 1973, por setores da Ala Liberal (que mais tarde, após a Revolução de 1974, se aglutinaram no Partido Social Democrata), encabeçados por Francisco Pinto Balsemão, deu mais uma machadada no autoritarismo do regime sobre a imprensa, já minado por várias publicações clandestinas, como o jornal Avante, do Partido Comunista Português. O jornal oficioso do regime, subvencionado pelo Ministério do Interior, o Diário da Manhã, não tinha circulação significativa.

O triunfo da Revolução desencadeada pelo Movimento das Forças Armadas, no dia 25 de Abril de 1974, permitiu o restabelecimento da liberdade de imprensa em Portugal. Nesse mesmo dia, vários jornais já não foram à censura. Porém, a instabilidade política e o anarquismo social que se viveram no período pós-revolucionário não só colocaram o país perante o cenário catastrófico de uma guerra civil como também contribuíram para o desaparecimento de jornais históricos como o República e para a quase falência de outros, como O Primeiro de Janeiro.

A reconquista da liberdade, em abril de 1974, permitiu também que o telejornalismo se libertasse da censura institucionalizada e se aproximasse da realidade quotidiana das populações.

Até quase aos finais do século XIX, os jornalistas em Portugal, eram, essencialmente, cidadãos que escreviam para os jornais.

 Porém, no século XIX, em especial a partir de 1834, a situação modifica-se, passando os jornais a integrar mais colaboradores, surgindo as funções de editor e de chefe de redação. Para além disso, a qualidade do jornalismo nacional elevou-se devido à colaboração com a imprensa de intelectuais e escritores como Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Aquilino Ribeiro e Ferreira de Castro. No entanto, foi lenta e gradual a transformação profissionalizante dos “cidadãos jornalistas” e “escritores de jornal” em jornalistas profissionais.

Em 1974, a Revolução de Abril trouxe com ela a liberdade de expressão e de imprensa e colocou Portugal na lista dos Estados de Direito que têm uma conceção liberal do jornalismo.

Fonte: “Uma história do jornalismo em Portugal até ao 25 de Abril de 1974”, Jorge Pedro Sousa (Universidade Fernando Pessoa e Centro de Investigação Media & Jornalismo).

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-04-2024)

 


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