Depois da ditadura mais longa na Europa, os portugueses irão comemorar no
dia 25 de abril meio século de democracia.
Após a implantação da República em 5 de outubro de 1910, o povo português
passou por três Repúblicas.
A primeira, de 1910 até 1926, que derrubou a monarquia constitucional,
foi um período de grande instabilidade política, com vários governos e
presidentes da República.
A segunda, que se designou de Estado Novo, de 1926 a 1974, foi o regime
autoritário que se instalou após o golpe militar de 28 de maio de 1926,
liderado por António de Oliveira Salazar, que governou o país durante 41 anos.
A terceira, implantada após a Revolução do 25 de Abril de 1974, que pôs
fim ao Estado Novo. É o regime democrático atual com um sistema de governo
semipresidencialista.
A Ditadura Nacional (1926-1933) e o Estado Novo de Salazar e Marcelo
Caetano (1933-1974) foram, conjuntamente, o mais longo regime autoritário da
Europa Ocidental durante o século XX, estendendo-se por um período de 48 anos.
Se excluirmos a República de San Marino, um microestado europeu, fundado
em 3 de setembro de 301, de apenas 61 Km2 e com uma população estimada em 30 000
habitantes, Portugal foi o terceiro país europeu a ter um governo republicano,
depois da Suíça que se tornou uma república independente a 24 de outubro de
1648 e da França que implementou a sua III República no dia 4 de setembro de 1870.
É já neste regime republicano, logo na I República, que irá surgir um dos
grandes flagelos mundiais – a I Grande Guerra (1914 – 1918), onde sucumbiram milhares
de portugueses que foram integrados nas fileiras do Exército, combatendo nas
trincheiras. Entre eles, muitos covilhanenses.
Na segunda república assistimos ao dramático envolvimento nas guerras com
os movimentos de libertação das nossas Colónias, então designadas Províncias
Ultramarinas e, daí, a chamada Guerra do Ultramar.
O início da guerra em Angola em 15 de março de 1961, pela União dos Povos
de Angola (UPA) deixou profundas marcas nos envolvidos nestes bárbaros
acontecimentos, onde jorrou muito sangue e lágrimas. Calcula-se que foram
barbaramente assassinados 1 200 brancos e 6 000 negros que
trabalhavam nas fazendas de algodão. Ainda hoje, esses tempos tumultuosos e
algo inesperados são objeto de estudo e controvérsia, tal a sua complexidade. Mas
já antes, havia sido a primeira revolta sangrenta nas fazendas no norte de
Angola, em 04-01-1961; e em fevereiro, o ataque à prisão em Luanda e a uma
esquadra da polícia, pelo Movimento de Libertação de Angola (MPLA). Tenha-se em
conta que o Congo ex-Belga que faz fronteira com Angola tinha obtido
recentemente a sua independência em junho de 1960. Partilhando dos mesmos
ideais, abriu as suas portas aos guerrilheiros angolanos. Durante os oito meses
seguintes, os militares portugueses enviados da metrópole (só havia 1.500 soldados,
antes da guerra em Angola), combateram a UPA que se destinava sobretudo a fazer
guerrilha rural.
Entretanto, entre 18 e 20 de abril de 1961, realizou-se em Marrocos, a
Conferência das Organizações Nacionalistas, onde participaram os movimentos de
libertação das colónias de Angola (MPLA), da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e a
Liga de Goa, Damão e Diu da Índia. O objetivo desta iniciativa era coordenar os
esforços da luta contra o colonialismo português, fechado ao diálogo com os Movimentos
de Libertação.
Mas na Metrópole dava-se também um golpe militar – “Abrilada” – em abril
de 1961, liderado pelo ministro da Defesa Botelho Moniz, contra Salazar e a sua
política colonial, que não teve êxito e enervou Salazar que se nomeou a si
próprio ministro da Defesa em 13 de abril de 1961 e chamou a si a liderança da guerra
do Ultramar.
Em junho do mesmo ano deu-se a fuga de estudantes das colónias que viviam
em Lisboa, na “Casa dos Estudantes do Império”, dispersando-se por Espanha,
França e Alemanha, a fim de militarem nas fileiras dos movimentos de libertação
dos seus territórios. Muitos deles acabaram, mais tarde, por ser líderes e
governantes dos seus países após a independência, a partir de 1975. Entre estes
estudantes encontrava-se Agostinho Neto que estudava medicina em Coimbra, e
também Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade e Marcelino dos Santos,
fundadores de movimentos anticoloniais da Guiné e Cabo Verde, Angola e
Moçambique, respetivamente.
Os 13 anos que durou esta guerra levou ao sofrimento, na generalidade, não
só dos milhares de militares que participaram nesta guerra subversiva, com consequências
trágicas para muitos que não conseguiram voltar, e muitos mais que ainda hoje
sofrem de stresse pós-traumático, também as suas famílias, e ao descontentamento
dos oficiais do quadro permanente, uma das razões que despoletou o Movimento
dos Capitães que deu lugar ao raiar da luz para o 25 de Abril, derrubando a
ditadura.
Quem, como nós, passou pelos longos tempos da ditadura de Salazar e
Marcelo Caetano, na inexistência de liberdade incluindo a de expressão, e
depois sentiu o grande alívio da libertação, não pode deixar de comemorar este
meio século de democracia, independentemente dos defeitos que a envolvem
proveniente de muitos corruptos, em todos os quadrantes políticos.
Muito haveria para contar mas o espaço e a paciência dos prezados
Leitores não o permitem.
Para terminar, deixo aqui tão só a memória do porta-guião do nosso Núcleo
da Covilhã da Liga dos Combatentes, Carlos Alberto da Silva Ramos, que nos
deixou para o destino eterno, em 19 de dezembro de 2023, e cuja foto inseria em
pleno a capa da revista “O Combatente”, edição 406, de dezembro de 2023. Este
Homem bom, humilde e com colaboração em serviços deste Núcleo, nomeadamente na
ajuda dos trabalhos da preparação do envio aos sócios da nosso “O Combatente da
Estrela” ainda teve o privilégio de ver a capa, obtida via Internet por um dos
seus amigos, no dia 7 de dezembro, já que a revista em papel chegou pelo
correio já depois do seu falecimento. Que descanse em paz.
João de Jesus Nunes
(In “O Combatente da
Estrela”, nº. 134, ABR.2024)
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