Muito já escrevi sobre esta memorável data para várias publicações. Por
vezes torna-se difícil encontrar tema com desenvolvimento daquilo que vai no
meu âmago, evitando repetições. Vou procurando no baú das memórias. Há dez
anos, mais precisamente em 8 de abril de 2014, para este mesmo Semanário, lá ia
mais um artigo alusivo sob o título “Do 25 de Abril desfigurado à prescrição”.
Vivi um ciclo de vida de 28 anos em ditadura. Como muitos. Outros ainda
em períodos mais dilatados. Fazia pela vida. Tempo de penúria para alguns. E
até de dificuldades de ter de comer o pão que o diabo amassou para outros, que
não eram poucos. Optei por continuar os
estudos em conjunto com uma profissão. Aos 17 anos iniciava funções ao serviço
da edilidade covilhanense. Progredi na carreira possível da altura até que me
chamaram para o serviço militar obrigatório. 42 meses. Terminado este, dou o
fora para o privado. Neste período ditatorial, os funcionários municipais não
tinham direito a assistência médica. Nem a minha Família que, entretanto,
constituíra. O sistema de saúde designado ADSE, criado em 1963, não funcionava.
Só no papel. Hoje é uma benesse para muitos em desfavor de outros, considerados
portugueses de segunda. Muito haveria que falar sobre os sistemas de saúde na
portugalidade.
A trabalhar no privado, casado e com dois filhos, e necessitando dos
normais cuidados de saúde, toca de desembolsar das algibeiras, sem retorno. Era
necessário agora a inscrição no regime geral da Segurança Social. Mas havia um
mas… Tal como na edilidade covilhanense
não tinha direito a assistência médica, também agora, no início do trabalho no
privado, em terras do Côa, para lá do Sabugal, só funcionavam os direitos após
um ano de contribuições para o Estado Novo. Continuava a ser um português de segunda,
embora já anteriormente tivesse sido um português de terceira.
Eram então os meus 26 anos, com um vencimento que dobrava o que usufruía na
Câmara Municipal. Mas não estava habituava a viver numa aldeia, fora da
família. Começam então os efeitos psicológicos. Depois de provas escritas anteriormente efetuadas
no BNU, em Lisboa, chamam-me para me apresentar em Setúbal. Desisti. Valeu a
pena porquanto em 01 de junho de 1973 assumia as funções de gestor comercial
com escritórios na Covilhã, duma seguradora multinacional, passando
posteriormente a exercê-la duma forma empresarial. Foi o volte-face da minha
vida, até aos dias de hoje.
Nos meus 28 anos, apanha-me o 25 de Abril a trabalhar com grande fulgor. Surgem
períodos conturbados, outros de oportunistas, outros de não olharem a meios
para atingir os seus fins. Mantive a minha linha de conduta, que me deu
prestígio. A vida profissional, em duas multinacionais, fez-me ganhar resmas de
amigos, de tal forma que saí sempre pela porta maior.
A minha falta de recursos enquanto criança e adolescente, sem jamais
passar férias fora da Terra onde nasci, nesta altura, levou-me ao gosto pela
cultura, com a maior parte do tempo na passagem pela antiga Biblioteca
Municipal, ao Jardim. Vim a escrever livros e centenas de notícias e crónicas, das
quais mereci referência nalguns periódicos. Algumas, em tempo de ditadura, remetiam-me
para um certo receio da censura quando via alguns conhecidos a serem alvo da
perseguição pidesca a caminho da cadeia. Retirei-me da Oposição Democrática (CDE)
quando vim a saber que o indivíduo que secretariava era informador da PIDE/DGS.
Numa passagem de há sete anos pela Torre do Tombo, consultada a minha
documentação, apenas constavam carimbos da PIDE, com a informação: “Nada consta”.
Com o 25 de Abril de 1974 vem surgir uma geração que não soube o que era passar
pelos sacrifícios emanados dos períodos salazarista e marcelista, no atraso
onde quase tudo faltava.
Só muito lentamente se consegue ir fazendo abortar oportunistas e desorganizações
do PREC, o dissipar do medo dos fugidos para o Brasil e outras paragens, a
habituação a uma outra forma de viver chamada DEMOCRACIA. Mesmo assim jamais
deixou de haver ventos e marés.
E enquanto muitos que enfileiraram na década de 60 a caminho da emigração,
famintos, mas que depois vieram tentando a garbosidade falante dum francês que
jamais seria vernáculo, contruíram cá as suas casas, trouxeram dinheiro para o
empobrecido País à beira-mar plantado.
Mas!... Cá estou eu com a mania das conjunções. Repito o que escrevi há
10 anos neste Semanário: “E, neste período, alguns petizes que mal palmilhavam
os caminhos desta Terra de Santa Maria, iam crescendo, crescendo, e viriam a
saltar para a ribalta da política, entre jotas, boys e girls para hoje nos (des)governarem,
com beijos e abraços na ‘catedral’ de S. Bento e suas traseiras”.
Pois é, quando há 50 anos vivi a Revolução dos Cravos, como tantos
Covilhanenses e Portugueses, acordados por um sonho lindo, nem sequer passava
pela minha cabeça que a nova vida nos haveria de mostrar uma face de grandes
dificuldades, que, no entanto, também foi contrastando com outras de grande júbilo
e esperança dum Portugal melhor. É nesta última vertente paradoxal, para qual
todos devemos estar virados.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum
Covilhã”, de 10-04-2024)
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