10 de abril de 2024

SEM O 25 DE ABRIL MUITOS NÃO SALTAVAM PARA A RIBALTA POLÍTICA


Muito já escrevi sobre esta memorável data para várias publicações. Por vezes torna-se difícil encontrar tema com desenvolvimento daquilo que vai no meu âmago, evitando repetições. Vou procurando no baú das memórias. Há dez anos, mais precisamente em 8 de abril de 2014, para este mesmo Semanário, lá ia mais um artigo alusivo sob o título “Do 25 de Abril desfigurado à prescrição”.

Vivi um ciclo de vida de 28 anos em ditadura. Como muitos. Outros ainda em períodos mais dilatados. Fazia pela vida. Tempo de penúria para alguns. E até de dificuldades de ter de comer o pão que o diabo amassou para outros, que não eram poucos.  Optei por continuar os estudos em conjunto com uma profissão. Aos 17 anos iniciava funções ao serviço da edilidade covilhanense. Progredi na carreira possível da altura até que me chamaram para o serviço militar obrigatório. 42 meses. Terminado este, dou o fora para o privado. Neste período ditatorial, os funcionários municipais não tinham direito a assistência médica. Nem a minha Família que, entretanto, constituíra. O sistema de saúde designado ADSE, criado em 1963, não funcionava. Só no papel. Hoje é uma benesse para muitos em desfavor de outros, considerados portugueses de segunda. Muito haveria que falar sobre os sistemas de saúde na portugalidade.

A trabalhar no privado, casado e com dois filhos, e necessitando dos normais cuidados de saúde, toca de desembolsar das algibeiras, sem retorno. Era necessário agora a inscrição no regime geral da Segurança Social. Mas havia um mas…  Tal como na edilidade covilhanense não tinha direito a assistência médica, também agora, no início do trabalho no privado, em terras do Côa, para lá do Sabugal, só funcionavam os direitos após um ano de contribuições para o Estado Novo.  Continuava a ser um português de segunda, embora já anteriormente tivesse sido um português de terceira.

Eram então os meus 26 anos, com um vencimento que dobrava o que usufruía na Câmara Municipal. Mas não estava habituava a viver numa aldeia, fora da família. Começam então os efeitos psicológicos.  Depois de provas escritas anteriormente efetuadas no BNU, em Lisboa, chamam-me para me apresentar em Setúbal. Desisti. Valeu a pena porquanto em 01 de junho de 1973 assumia as funções de gestor comercial com escritórios na Covilhã, duma seguradora multinacional, passando posteriormente a exercê-la duma forma empresarial. Foi o volte-face da minha vida, até aos dias de hoje.

Nos meus 28 anos, apanha-me o 25 de Abril a trabalhar com grande fulgor. Surgem períodos conturbados, outros de oportunistas, outros de não olharem a meios para atingir os seus fins. Mantive a minha linha de conduta, que me deu prestígio. A vida profissional, em duas multinacionais, fez-me ganhar resmas de amigos, de tal forma que saí sempre pela porta maior.

A minha falta de recursos enquanto criança e adolescente, sem jamais passar férias fora da Terra onde nasci, nesta altura, levou-me ao gosto pela cultura, com a maior parte do tempo na passagem pela antiga Biblioteca Municipal, ao Jardim. Vim a escrever livros e centenas de notícias e crónicas, das quais mereci referência nalguns periódicos. Algumas, em tempo de ditadura, remetiam-me para um certo receio da censura quando via alguns conhecidos a serem alvo da perseguição pidesca a caminho da cadeia. Retirei-me da Oposição Democrática (CDE) quando vim a saber que o indivíduo que secretariava era informador da PIDE/DGS. Numa passagem de há sete anos pela Torre do Tombo, consultada a minha documentação, apenas constavam carimbos da PIDE, com a informação: “Nada consta”.

Com o 25 de Abril de 1974 vem surgir uma geração que não soube o que era passar pelos sacrifícios emanados dos períodos salazarista e marcelista, no atraso onde quase tudo faltava.

Só muito lentamente se consegue ir fazendo abortar oportunistas e desorganizações do PREC, o dissipar do medo dos fugidos para o Brasil e outras paragens, a habituação a uma outra forma de viver chamada DEMOCRACIA. Mesmo assim jamais deixou de haver ventos e marés.

E enquanto muitos que enfileiraram na década de 60 a caminho da emigração, famintos, mas que depois vieram tentando a garbosidade falante dum francês que jamais seria vernáculo, contruíram cá as suas casas, trouxeram dinheiro para o empobrecido País à beira-mar plantado.

Mas!... Cá estou eu com a mania das conjunções. Repito o que escrevi há 10 anos neste Semanário: “E, neste período, alguns petizes que mal palmilhavam os caminhos desta Terra de Santa Maria, iam crescendo, crescendo, e viriam a saltar para a ribalta da política, entre jotas, boys e girls para hoje nos (des)governarem, com beijos e abraços na ‘catedral’ de S. Bento e suas traseiras”.

Pois é, quando há 50 anos vivi a Revolução dos Cravos, como tantos Covilhanenses e Portugueses, acordados por um sonho lindo, nem sequer passava pela minha cabeça que a nova vida nos haveria de mostrar uma face de grandes dificuldades, que, no entanto, também foi contrastando com outras de grande júbilo e esperança dum Portugal melhor. É nesta última vertente paradoxal, para qual todos devemos estar virados.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 10-04-2024)

 

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