19 de dezembro de 2025

OLHANENSE E COVILHÃ PROCURAM RUMO EM CENÁRIO DE DECADÊNCIA



 

O futebol, tantas vezes chamado de Desporto-Rei, vive hoje um dos períodos mais paradoxais da sua história. Nunca foi tão global, tão mediático, tão omnipresente no quotidiano das pessoas; e, ao mesmo tempo, nunca esteve tão distante de muitas das suas raízes comunitárias, dos clubes que ergueram o desporto a partir da paixão local, do sacrifício voluntário, da identidade de bairro, vila ou cidade. Entre a “grande penalidade” que a modernidade lhe cobra e o “fora de jogo” em que tantas instituições tradicionais se veem colocadas, ergue-se um debate urgente: que futebol queremos preservar para o futuro?

O caso de dois clubes históricos – o Sporting Clube Olhanense e o Sporting Clube da Covilhã – ilustra, com uma clareza quase dolorosa, o descompasso entre o brilho do futebol-negócio e a sombra que se abate sobre o futebol regional e de tradição. Ambos viveram décadas de relevância competitiva, ambos são parte inseparável da memória desportiva das suas cidades e ambos, cada um à sua maneira, enfrentam processos de decadência que preocupam quem ainda acredita que o futebol é, acima de tudo, pertença das comunidades.

O Olhanense, terceiro campeão nacional da história do futebol português (08-06-1924), símbolo maior de uma cidade que sempre soube viver o desporto com intensidade, encontra-se há anos num ciclo de instabilidade competitiva, financeira e estrutural. O clube que já fez tremer gigantes e encantou públicos parece hoje navegar num mar revolto, que vinha incapaz de encontrar um rumo que devolva estabilidade e ambição. A distância entre o prestígio do passado e a fragilidade do presente gera frustração – não apenas entre adeptos, mas também entre todos os que reconhecem o papel cultural que este emblema representa para o Algarve e para o país.

Uma esperança renasceu com o desaparecimento da SAD e o ressurgimento do novo Sporting Clube Olhanense, aqui muito mercê da batuta do homem de vontade hercúlea que dá pelo nome de Manuel Cajuda, agora ao leme do clube algarvio.

A centenas de quilómetros, na encosta da Serra da Estrela, o Sporting Clube da Covilhã vive situação semelhante. Também ele clube histórico, habituado durante décadas a ser presença quase permanente nos campeonatos nacionais mais competitivos, enfrenta uma luta diária pela sobrevivência. A descida aos escalões inferiores não traduz apenas um resultado desportivo: espelha a dificuldade de um modelo de gestão e sustentabilidade que se tornou quase impossível para clubes com recursos limitados e comunidades envelhecidas ou dispersas. O “Leão da Serra”, tantas vezes orgulhoso representante de uma região inteira, vê-se agora obrigado a repensar a sua identidade e o seu futuro.

Estes dois exemplos não são exceções – são sintomas. Sintomas de um futebol que se desequilibrou, que abandonou parte do seu ecossistema natural, que deixou para trás clubes que, durante décadas, alimentaram o talento nacional, construíram estádios com o esforço da população e criaram gerações de adeptos para quem a camisola era quase uma extensão da própria alma. Hoje, com orçamentos que rivalizam com pequenas economias, muitos emblemas regionais vivem num permanente “fora de jogo”, lutando por espaço mediático, por apoios financeiros, por sócios e até, em casos extremos, pela própria existência.

Apesar de tudo, há um elemento que permanece intacto: a paixão. É ela que continua a levar adeptos ao Estádio José Arcanjo ou ao Santos Pinto; é ela que continua a convocar memórias de tardes gloriosas, de subidas dramáticas, de golos improváveis. É ela que impede que o futebol regional desapareça por completo. Mas a paixão, por si só, já não chaga. Hoje exige-se visão, profissionalização, compromisso municipal e empresarial, união associativa e, acima de tudo, coragem para reinventar modelos que há muito deixaram de responder às necessidades atuais.

O futebol português – e o futebol em geral – tem que reencontrar o equilíbrio. Não se trata de travar a evolução natural do desporto, nem de reclamar um regresso a tempos românticos que já não voltam. Trata-se de assegurar que o crescimento do topo não destrói a base; que a obsessão pelo lucro não elimina a identidade; que o brilho dos grandes palcos não apaga a luz dos pequenos estádios que, tantas vezes, são os primeiros lares de futuros campeões.

O Olhanense e o Covilhã, com todas as suas dificuldades, continuam vivos. E enquanto permanecerem vivos, há esperança. Há história, há comunidade, há herança. Mas é fundamental que esta esperança seja acompanhada de ação – não apenas por parte dos clubes, mas também dos poderes locais, dos agentes desportivos, das federações e de todos os que acreditam que o Desporto-Rei não pode ser apenas um negócio: tem de continuar a ser, também, uma cultura.

Entre a grande penalidade e o fora de jogo, o futebol português prepara-se para decidir o seu futuro. Que essa decisão não esqueça os clubes que ajudaram a construir a própria essência do jogo. Eles merecem mais do que nostalgia: merecem futuro.

Votos de um Natal pleno de Saúde e um Feliz Ano Novo em que a Esperança seja a realização dos sonhos que mais desejarem, refletidos na Família do Jornal O Olhanense e do Sporting Olhanense, Leitores e Amigos.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “O Olhanense”, de 15-12-2025)

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