O futebol, tantas vezes chamado
de Desporto-Rei, vive hoje um dos períodos mais paradoxais da sua história.
Nunca foi tão global, tão mediático, tão omnipresente no quotidiano das
pessoas; e, ao mesmo tempo, nunca esteve tão distante de muitas das suas raízes
comunitárias, dos clubes que ergueram o desporto a partir da paixão local, do
sacrifício voluntário, da identidade de bairro, vila ou cidade. Entre a “grande
penalidade” que a modernidade lhe cobra e o “fora de jogo” em que tantas
instituições tradicionais se veem colocadas, ergue-se um debate urgente: que
futebol queremos preservar para o futuro?
O caso de dois clubes históricos –
o Sporting Clube Olhanense e o Sporting Clube da Covilhã – ilustra, com uma
clareza quase dolorosa, o descompasso entre o brilho do futebol-negócio e a
sombra que se abate sobre o futebol regional e de tradição. Ambos viveram
décadas de relevância competitiva, ambos são parte inseparável da memória
desportiva das suas cidades e ambos, cada um à sua maneira, enfrentam processos
de decadência que preocupam quem ainda acredita que o futebol é, acima de tudo,
pertença das comunidades.
O Olhanense, terceiro campeão
nacional da história do futebol português (08-06-1924), símbolo maior de uma
cidade que sempre soube viver o desporto com intensidade, encontra-se há anos
num ciclo de instabilidade competitiva, financeira e estrutural. O clube que já
fez tremer gigantes e encantou públicos parece hoje navegar num mar revolto,
que vinha incapaz de encontrar um rumo que devolva estabilidade e ambição. A
distância entre o prestígio do passado e a fragilidade do presente gera
frustração – não apenas entre adeptos, mas também entre todos os que reconhecem
o papel cultural que este emblema representa para o Algarve e para o país.
Uma esperança renasceu com o
desaparecimento da SAD e o ressurgimento do novo Sporting Clube Olhanense, aqui
muito mercê da batuta do homem de vontade hercúlea que dá pelo nome de Manuel
Cajuda, agora ao leme do clube algarvio.
A centenas de quilómetros, na
encosta da Serra da Estrela, o Sporting Clube da Covilhã vive situação
semelhante. Também ele clube histórico, habituado durante décadas a ser
presença quase permanente nos campeonatos nacionais mais competitivos, enfrenta
uma luta diária pela sobrevivência. A descida aos escalões inferiores não
traduz apenas um resultado desportivo: espelha a dificuldade de um modelo de
gestão e sustentabilidade que se tornou quase impossível para clubes com
recursos limitados e comunidades envelhecidas ou dispersas. O “Leão da Serra”,
tantas vezes orgulhoso representante de uma região inteira, vê-se agora
obrigado a repensar a sua identidade e o seu futuro.
Estes dois exemplos não são
exceções – são sintomas. Sintomas de um futebol que se desequilibrou, que
abandonou parte do seu ecossistema natural, que deixou para trás clubes que,
durante décadas, alimentaram o talento nacional, construíram estádios com o
esforço da população e criaram gerações de adeptos para quem a camisola era
quase uma extensão da própria alma. Hoje, com orçamentos que rivalizam com
pequenas economias, muitos emblemas regionais vivem num permanente “fora de
jogo”, lutando por espaço mediático, por apoios financeiros, por sócios e até, em
casos extremos, pela própria existência.
Apesar de tudo, há um elemento
que permanece intacto: a paixão. É ela que continua a levar adeptos ao Estádio
José Arcanjo ou ao Santos Pinto; é ela que continua a convocar memórias de
tardes gloriosas, de subidas dramáticas, de golos improváveis. É ela que impede
que o futebol regional desapareça por completo. Mas a paixão, por si só, já não
chaga. Hoje exige-se visão, profissionalização, compromisso municipal e
empresarial, união associativa e, acima de tudo, coragem para reinventar
modelos que há muito deixaram de responder às necessidades atuais.
O futebol português – e o futebol
em geral – tem que reencontrar o equilíbrio. Não se trata de travar a evolução
natural do desporto, nem de reclamar um regresso a tempos românticos que já não
voltam. Trata-se de assegurar que o crescimento do topo não destrói a base; que
a obsessão pelo lucro não elimina a identidade; que o brilho dos grandes palcos
não apaga a luz dos pequenos estádios que, tantas vezes, são os primeiros lares
de futuros campeões.
O Olhanense e o Covilhã, com
todas as suas dificuldades, continuam vivos. E enquanto permanecerem vivos, há
esperança. Há história, há comunidade, há herança. Mas é fundamental que esta
esperança seja acompanhada de ação – não apenas por parte dos clubes, mas
também dos poderes locais, dos agentes desportivos, das federações e de todos
os que acreditam que o Desporto-Rei não pode ser apenas um negócio: tem de
continuar a ser, também, uma cultura.
Entre a grande penalidade e o
fora de jogo, o futebol português prepara-se para decidir o seu futuro. Que
essa decisão não esqueça os clubes que ajudaram a construir a própria essência
do jogo. Eles merecem mais do que nostalgia: merecem futuro.
Votos de um Natal pleno de Saúde e
um Feliz Ano Novo em que a Esperança seja a realização dos sonhos que mais
desejarem, refletidos na Família do Jornal O Olhanense e do Sporting Olhanense,
Leitores e Amigos.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 15-12-2025)


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