Poucos episódios ilustram tão bem a complexidade da ocupação territorial medieval portuguesa como o conflito entre os concelhos da Covilhã e Castelo Branco, travado no início do século XIII. Este embate frequentemente ausente dos manuais de história, demonstra o choque entre dois modelos de poder: o municipalismo civil, representado pela Covilhã, e a autoridade militar-religiosa dos Templários, detentores de extensas propriedades no interior do país.
O ponto de partida reside nos limites concelhios definidos
pelo foral concedido por D. Sancho I à Covilhã em 1186. Este foral não só
reconhecia uma administração já existente como atribuía ao concelho vastos
territórios que se estendiam da Serra da Estrela ao Tejo. A autonomia militar
era também um traço caraterístico: o município organizava as suas próprias
forças de defesa, suportadas pelos vizinhos.
Em contraste, Castelo Branco – cujo foral foi emitido pela
ordem do Templo em 1213 – constituía uma estrutura dependente dos Templários.
As forças militares do concelho eram comandadas pela rígida disciplina da
Ordem, que expandia influência e território com base num poder quase autónomo
face à Coroa.
As tensões tornaram-se inevitáveis. Os Templários começaram a
ultrapassar limites, exigindo portagens aos habitantes da Covilhã em zonas
estratégicas como as Portas de Ródão. As queixas acumularam-se e a pressão
económica tornou-se insustentável. Perante estes abusos, a Covilhã decidiu
mobilizar as suas hostes e enfrentar diretamente o poder templário.
O confronto deu-se a cerca de treze quilómetros de Castelo
Branco, no local onde hoje se situa a Póvoa de Rio de Moinhos. O combate foi
intenso e terminou com uma surpreendente vitória d as forças concelhia da
Covilhã sobre os Templários, considerados uma das forças militares mais temidas
da época.
A gravidade do conflito obrigou à intervenção arbitral. Em
1230, no Mosteiro de Santa Maria de Ozezar, foi lavrada uma sentença que
confirmou a legitimidade da Covilhã na defesa dos seus direitos territoriais. O
documento, preservado e publicado por Alexandre Herculano no século XIX, é hoje
uma peça central para compreender o episódio.
Mais do que uma disputa local, o confronto revela uma
dimensão política mais profunda: a afirmação dos concelhos portugueses como
unidades de poder efetivo, capaz de enfrentar até ordens religioso-militares de
grande influência. E demonstra a importância estratégica do interior do país no
equilíbrio das forças entre a nobreza, as ordens militares e o poder régio.
O episódio, hoje quase esquecido, mostra que a história de
Portugal não se faz apenas nos campos de batalha contra os mouros e
castelhanos, mas também na afirmação dos seus concelhos, que foram, desde cedo
um dos pilares da construção do país. A Covilhã, nesse capítulo, destacou-se
como um exemplo de autonomia, coragem e defesa do bem-comum.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal do Fundão”, de
01-01-2026)

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