31 de dezembro de 2025

Quando a Covilhã Enfrentou os Templários: Um Conflito Esquecido da Idade Média Portuguesa

 

 Poucos episódios ilustram tão bem a complexidade da ocupação territorial medieval portuguesa como o conflito entre os concelhos da Covilhã e Castelo Branco, travado no início do século XIII. Este embate frequentemente ausente dos manuais de história, demonstra o choque entre dois modelos de poder: o municipalismo civil, representado pela Covilhã, e a autoridade militar-religiosa dos Templários, detentores de extensas propriedades no interior do país.

O ponto de partida reside nos limites concelhios definidos pelo foral concedido por D. Sancho I à Covilhã em 1186. Este foral não só reconhecia uma administração já existente como atribuía ao concelho vastos territórios que se estendiam da Serra da Estrela ao Tejo. A autonomia militar era também um traço caraterístico: o município organizava as suas próprias forças de defesa, suportadas pelos vizinhos.

Em contraste, Castelo Branco – cujo foral foi emitido pela ordem do Templo em 1213 – constituía uma estrutura dependente dos Templários. As forças militares do concelho eram comandadas pela rígida disciplina da Ordem, que expandia influência e território com base num poder quase autónomo face à Coroa.

As tensões tornaram-se inevitáveis. Os Templários começaram a ultrapassar limites, exigindo portagens aos habitantes da Covilhã em zonas estratégicas como as Portas de Ródão. As queixas acumularam-se e a pressão económica tornou-se insustentável. Perante estes abusos, a Covilhã decidiu mobilizar as suas hostes e enfrentar diretamente o poder templário.

O confronto deu-se a cerca de treze quilómetros de Castelo Branco, no local onde hoje se situa a Póvoa de Rio de Moinhos. O combate foi intenso e terminou com uma surpreendente vitória d as forças concelhia da Covilhã sobre os Templários, considerados uma das forças militares mais temidas da época.

A gravidade do conflito obrigou à intervenção arbitral. Em 1230, no Mosteiro de Santa Maria de Ozezar, foi lavrada uma sentença que confirmou a legitimidade da Covilhã na defesa dos seus direitos territoriais. O documento, preservado e publicado por Alexandre Herculano no século XIX, é hoje uma peça central para compreender o episódio.

Mais do que uma disputa local, o confronto revela uma dimensão política mais profunda: a afirmação dos concelhos portugueses como unidades de poder efetivo, capaz de enfrentar até ordens religioso-militares de grande influência. E demonstra a importância estratégica do interior do país no equilíbrio das forças entre a nobreza, as ordens militares e o poder régio.

O episódio, hoje quase esquecido, mostra que a história de Portugal não se faz apenas nos campos de batalha contra os mouros e castelhanos, mas também na afirmação dos seus concelhos, que foram, desde cedo um dos pilares da construção do país. A Covilhã, nesse capítulo, destacou-se como um exemplo de autonomia, coragem e defesa do bem-comum.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal do Fundão”, de 01-01-2026)

 

 

 


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