19 de dezembro de 2025
OLHANENSE E COVILHÃ PROCURAM RUMO EM CENÁRIO DE DECADÊNCIA
O futebol, tantas vezes chamado
de Desporto-Rei, vive hoje um dos períodos mais paradoxais da sua história.
Nunca foi tão global, tão mediático, tão omnipresente no quotidiano das
pessoas; e, ao mesmo tempo, nunca esteve tão distante de muitas das suas raízes
comunitárias, dos clubes que ergueram o desporto a partir da paixão local, do
sacrifício voluntário, da identidade de bairro, vila ou cidade. Entre a “grande
penalidade” que a modernidade lhe cobra e o “fora de jogo” em que tantas
instituições tradicionais se veem colocadas, ergue-se um debate urgente: que
futebol queremos preservar para o futuro?
O caso de dois clubes históricos –
o Sporting Clube Olhanense e o Sporting Clube da Covilhã – ilustra, com uma
clareza quase dolorosa, o descompasso entre o brilho do futebol-negócio e a
sombra que se abate sobre o futebol regional e de tradição. Ambos viveram
décadas de relevância competitiva, ambos são parte inseparável da memória
desportiva das suas cidades e ambos, cada um à sua maneira, enfrentam processos
de decadência que preocupam quem ainda acredita que o futebol é, acima de tudo,
pertença das comunidades.
O Olhanense, terceiro campeão
nacional da história do futebol português (08-06-1924), símbolo maior de uma
cidade que sempre soube viver o desporto com intensidade, encontra-se há anos
num ciclo de instabilidade competitiva, financeira e estrutural. O clube que já
fez tremer gigantes e encantou públicos parece hoje navegar num mar revolto,
que vinha incapaz de encontrar um rumo que devolva estabilidade e ambição. A
distância entre o prestígio do passado e a fragilidade do presente gera
frustração – não apenas entre adeptos, mas também entre todos os que reconhecem
o papel cultural que este emblema representa para o Algarve e para o país.
Uma esperança renasceu com o
desaparecimento da SAD e o ressurgimento do novo Sporting Clube Olhanense, aqui
muito mercê da batuta do homem de vontade hercúlea que dá pelo nome de Manuel
Cajuda, agora ao leme do clube algarvio.
A centenas de quilómetros, na
encosta da Serra da Estrela, o Sporting Clube da Covilhã vive situação
semelhante. Também ele clube histórico, habituado durante décadas a ser
presença quase permanente nos campeonatos nacionais mais competitivos, enfrenta
uma luta diária pela sobrevivência. A descida aos escalões inferiores não
traduz apenas um resultado desportivo: espelha a dificuldade de um modelo de
gestão e sustentabilidade que se tornou quase impossível para clubes com
recursos limitados e comunidades envelhecidas ou dispersas. O “Leão da Serra”,
tantas vezes orgulhoso representante de uma região inteira, vê-se agora
obrigado a repensar a sua identidade e o seu futuro.
Estes dois exemplos não são
exceções – são sintomas. Sintomas de um futebol que se desequilibrou, que
abandonou parte do seu ecossistema natural, que deixou para trás clubes que,
durante décadas, alimentaram o talento nacional, construíram estádios com o
esforço da população e criaram gerações de adeptos para quem a camisola era
quase uma extensão da própria alma. Hoje, com orçamentos que rivalizam com
pequenas economias, muitos emblemas regionais vivem num permanente “fora de
jogo”, lutando por espaço mediático, por apoios financeiros, por sócios e até, em
casos extremos, pela própria existência.
Apesar de tudo, há um elemento
que permanece intacto: a paixão. É ela que continua a levar adeptos ao Estádio
José Arcanjo ou ao Santos Pinto; é ela que continua a convocar memórias de
tardes gloriosas, de subidas dramáticas, de golos improváveis. É ela que impede
que o futebol regional desapareça por completo. Mas a paixão, por si só, já não
chaga. Hoje exige-se visão, profissionalização, compromisso municipal e
empresarial, união associativa e, acima de tudo, coragem para reinventar
modelos que há muito deixaram de responder às necessidades atuais.
O futebol português – e o futebol
em geral – tem que reencontrar o equilíbrio. Não se trata de travar a evolução
natural do desporto, nem de reclamar um regresso a tempos românticos que já não
voltam. Trata-se de assegurar que o crescimento do topo não destrói a base; que
a obsessão pelo lucro não elimina a identidade; que o brilho dos grandes palcos
não apaga a luz dos pequenos estádios que, tantas vezes, são os primeiros lares
de futuros campeões.
O Olhanense e o Covilhã, com
todas as suas dificuldades, continuam vivos. E enquanto permanecerem vivos, há
esperança. Há história, há comunidade, há herança. Mas é fundamental que esta
esperança seja acompanhada de ação – não apenas por parte dos clubes, mas
também dos poderes locais, dos agentes desportivos, das federações e de todos
os que acreditam que o Desporto-Rei não pode ser apenas um negócio: tem de
continuar a ser, também, uma cultura.
Entre a grande penalidade e o
fora de jogo, o futebol português prepara-se para decidir o seu futuro. Que
essa decisão não esqueça os clubes que ajudaram a construir a própria essência
do jogo. Eles merecem mais do que nostalgia: merecem futuro.
Votos de um Natal pleno de Saúde e
um Feliz Ano Novo em que a Esperança seja a realização dos sonhos que mais
desejarem, refletidos na Família do Jornal O Olhanense e do Sporting Olhanense,
Leitores e Amigos.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 15-12-2025)
18 de dezembro de 2025
O DECLÍNEO DE DOIS EMBLEMAS: SP. COVILHÃ E SP. OLHANENSE EM TEMPO DE INCERTEZA
O futebol português vive, nos
últimos anos, um período de contrastes profundos.
Enquanto o topo da pirâmide
continua a beneficiar da profissionalização, das receitas televisivas e da
crescente internacionalização do mercado, muitos clubes históricos enfrentam
dificuldades significativas para garantir estabilidade competitiva e sustentabilidade
financeira. Entre esses casos destacam-se o Sporting Clube da Covilhã e o
Sporting Clube Olhanense, dois emblemas com passado relevante no panorama
nacional, mas que atravessam atualmente uma fase de clara decadência.
O Sporting Clube da Covilhã,
fundado em 1923 é um dos clubes mais emblemáticos da Beira Interior. Conhecido
como o “Leão da Serra”, o Sp. Covilhã foi, ao longo das décadas, presença
constante na II Liga e somou quinze participações na I Divisão. Contudo, a
quebra de resultados nos últimos anos, aliada a limitações estruturais e a um
contexto municipal e económico menos favorável, empurrou o clube para um ciclo
difícil. A recente queda para divisões inferiores agravou as preocupações quanto
ao futuro do emblema serrano, cujo impacto no tecido social e desportivo da
região continua a ser significativo. O Estádio Santos Pinto, que tantas vezes
funcionou como ponto de encontro da comunidade covilhanense, tem vivido tempos
de menor afluência e menor entusiasmo.
Situação semelhante vive o
Sporting Clube Olhanense, fundado em 1912, permanece na história como o
terceiro campeão nacional, título conquistado em 1924. Durante décadas foi um
dos principais representantes do futebol algarvio, com presenças regulares nos
campeonatos nacionais e um importante papel na formação de jogadores. Porém,
nos últimos anos, o clube tem enfrentado dificuldades que vão desde problemas
de gestão a instabilidade financeira. As descidas sucessivas de divisão, a
irregularidade de resultados e a perda de competitividade colocaram o emblema
de Olhão afastado dos palcos onde habituou a figurar. O Estádio José Arcanjo,
outrora palco de grandes jornadas, tem recebido cada vez menos público, num
reflexo direto das fragilidades que marcam o atual momento do clube, que chegou
a desaparecer e renasceu agora das cinzas.
Estes dois casos, embora
distintos nos detalhes, evidenciam problemas comuns ao futebol regional e
tradicional português: modelos de financiamento desatualizados, dependência excessiva
de apoios públicos, dificuldades em atrair patrocinadores, ausência de
infraestruturas modernas e a incapacidade de reter jovens talentos que
rapidamente procuram clubes mais estruturados. A discrepância entre os grandes
centros urbanos e as regiões periféricas torna-se cada vez mais evidente, com
impacto direto na competitividade dos clubes.
Num cenário em que o futebol
nacional se torna cada vez mais centralizado e dominado por grandes estruturas
empresariais, os clubes históricos de média e pequena dimensão enfrentam um
verdadeiro “fora de jogo”. O espaço mediático diminuiu, a capacidade de geração
de receitas é limitada e a pressão competitiva aumenta. Ainda assim, a
importância social destes clubes permanece inquestionável: são polos de
identidade, formação, convívio e memória coletiva.
Tanto o Sporting da Covilhã como
o Sporting Olhanense procuram agora soluções que permitam estabilizar e
reconstruir. Reestruturação financeira, reorganização interna, aposta na
formação e maior envolvimento da comunidade são caminhos apontados por especialistas
e dirigentes desportivos. A cooperação com autarquias e parceiros locais
continua a ser essencial para garantir a continuidade dos projetos desportivos,
num contesto em que a sustentabilidade é cada vez mais difícil de alcançar.
Num momento em que o futebol
português reflete sobre o seu futuro, é fundamental que os clubes históricos
não sejam esquecidos. Representam décadas de contribuições para o desporto
nacional e continuam a desempenhar um papel relevante na coesão das suas comunidades.
A crise que atravessam deve servir como alerta para a necessidade de políticas
desportivas mais equilibradas e de estratégias que valorizem a base do futebol,
evitando que emblemas emblemáticos caiam definitivamente no esquecimento.
Entre a grande penalidade da
pressão económica e o fora de jogo da perda de competitividade, Sp. Covilhã e
Sp. Olhanense continuam a lutar por um futuro digno da sua história. E o
futebol português, se quiser preservar a sua identidade, terá de olhar mais
atentamente estes clubes que, apesar de dificuldades, permanecem símbolos vivos
de dedicação e resiliência.
Feliz Natal e um Próspero Ano
Novo.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum”, de 18-12-2025)
17 de dezembro de 2025
Natal, Ano Novo e Centenário do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes
Neste Natal de 2025, porém, há
uma luz adicional a projetar-nos sobre a nossa comunidade: as comemorações do Centenário
do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, que decorrerão entre
fevereiro e junho de 2026. Um marco notável, feito de cem anos de entrega,
camaradagem, solidariedade e presença ativa na vida da cidade e da região.
Cem anos não são apenas um número
redondo: são histórias reais de homens e mulheres que, ao longo de gerações, se
uniram em torno de valores que permanecem intemporais – serviço, honra,
lealdade e espírito de missão. O Núcleo da Covilhã, desde a sua fundação, tem
sido ponto de apoio, de memória e de afirmação coletiva, preservando o legado
dos que serviram Portugal e garantindo que o sacrifício de cada combatente não
se perdeu no rumor do tempo.
As celebrações do Centenário
serão, por isso, mais do que uma efeméride: serão um tributo à resistência e à
dignidade daqueles que nos antecederam, e uma oportunidade para reforçar o
compromisso com o futuro da Liga dos Combatentes na Covilhã. Estão previstas
iniciativas culturais, históricas e comunitárias, que permitirão envolver toda
a população e renovar os laços entre o Núcleo e a cidade que o acolhe há um
século.
O espírito festivo do Natal
lembra-nos a importância de estarmos juntos; o início de um novo ano renova a
esperança de seguirmos unidos; e o Centenário chama-nos à responsabilidade de
honrar a memória preservando-a para as futuras gerações. É este o triplo apelo
que nos acompanha neste final de ano.
Que o Natal nos inspire
serenidade e gratidão. Que 2026 se anuncie com paz, saúde e firmeza de
propósito. E que as comemorações do Centenário do Núcleo da Covilhã da Liga dos
Combatentes sejam um testemunho vivo da força da nossa identidade e do orgulho de
pertencermos a esta família de Combatentes.
Com os melhores votos para todos,
combatentes, famílias e amigos – e que a Estrela da Serra continue a iluminar o
nosso caminho.
João de Jesus Nunes
(In “O Combatente da Estrela”, nº.
141 – dez 2025)
CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA ANÍBAL MANUEL SILVA SARAIVA
Trazemos neste número as memórias
de um antigo combatente na Guiné – Aníbal Manuel Silva Saraiva, nascido a 30 de
abril de 1949, em Santo António d’Alva, freguesia de Penalva de Alva, concelho
de Oliveira do Hospital. Desde os três anos, porém, passou a ser também covilhanense
de coração, ao vir residir para a Covilhã com os pais.
É casado, tem dois filhos e quatro
netos.
O pai, trabalhador da construção
civil, como tantos dos seus conterrâneos, veio trabalhar para a Covilhã, onde
se fixou com a família. Assim se estabeleceu definitivamente o jovem Aníbal,
que nunca esqueceu, contudo, a sua terra natal.
Frequentou a primeira classe da
instrução primária em Penalva de Alva e concluiu-a já na Covilhã, na escola do
Asilo.
Como era comum entre os jovens da época,
começou a trabalhar muito cedo – aos 11 anos – no comércio, como marçano. Aos
14 anos, ingressou na empresa António Carlos Pereira Sucessores, Lda., dedicada
a materiais de construção, onde permaneceu 40 anos, até à reforma.
Cumpriu o serviço militar
obrigatório, iniciando a recruta no RI 14, em Viseu, a 12 de janeiro de 1970.
Fez a especialidade de Transmissões
de Artilharia no R.A.P 3, na Figueira da Foz, e, posteriormente, frequentou a Escola
Prática de Artilharia de Vendas Novas, a partir de 1 de junho de 1970.
Foi então mobilização para a Guiné,
sendo colocado nos Adidos, aguardando embarque. Este realizou-se em 18 de
setembro de 1970, tendo desembarcado em Bissau a 24 de setembro, data em que foi
promovido a 1º. Cabo.
Durante oito meses esteves destacado no mato, regressando
depois a Bissau, onde concluiu a comissão de serviço.
Como saía pouco em missão, teve a
sorte de não enfrentar grandes confrontos com o inimigo, sempre iminente. Além
disso, as peças de artilharia com que trabalhavam raramente saíam do quartel,
permanecendo ali resguardadas. Felizmente, não houve baixas no seu pelotão.
Regressou à Metrópole a 5 de
outubro de 1972.
J. J. Nunes
(In “O Combatente da
Estrela”, nº. 141, DEZ/2025)
5 de dezembro de 2025
TRAÇOS DE VÁRIA HISTÓRIA DO CONCELHO DA COVILHÃ
Face às justas críticas que têm
vindo a ser feitas à anterior governação covilhanense, no que toca ao panorama socioambiental
que tem sido negligenciado, impôs-se-me uma breve retrospetiva da Covilhã de
outros tempos. Na verdade, situações como a recente proliferação de prédios em
altura, que beliscam profundamente a paisagem e retiram aos vizinhos a visão
panorâmica que sempre tiveram – como sucede na Rua Manuel de Castro Martins,
que foi meu ilustre professor – ilustram bem essa problemática. Como muito
assertivamente refere o amigo professor António Rodrigues Assunção, no Notícias
da Covilhã, ergueu-se ali “um mastodôntico edifício habitacional”, evocando
ainda “os anos 1920-1930 da criação nesta cidade de uma Comissão de Iniciativa
Turística, embrião da futura Região de Turismo da Serra da Estrela”. Essa
evocação levou-me a trazer à memória alguns traços da história deste concelho
naquele longínquo período.
Não se pode confirmar, com base em
dados positivamente seguros, a existência da indústria de lanifícios na Covilhã
durante a dominação romana. Admitir que os pascigos da Serra da Estrela
alimentavam ovelhas e que a lã deu origem a uma indústria é mera conjetura, sem
fundamento histórico sólido. As selvas que então revestiam os ínvios
desfiladeiros da serra mal podiam oferecer passagem ou pastos adequados à
ovelha. Se algum animal doméstico poderia aventurar-se, sob vigilância humana,
pelos pascigos serranos, seria a cabra – pela profusão de pastos adequados à
sua voracidade, bem como pela sua agilidade e robustez. E como os romanos
utilizavam o pelo da cabra para tecer cordas e fabricar tecidos grosseiros com
que cobriam as tendas de campanha, é plausível afirmar que fundaram a Covilhã
na Corredoura para aí estabelecerem fábricas de cordas e tecidos feitos com
pelo de cabra.
Foi, porém, durante a ocupação muçulmana
da Península que, com maior probabilidade, se fixou na Covilhã a indústria de
lanifícios. O mouro inventou o pisão mecânico para esta indústria – denominado
na Covilhã maceira – que aqui se utilizou durante muitos séculos. Nas
ribeiras da Degoldra e da Carpinteira existiam numerosos pisões antiquíssimos, tão
antigos como moinhos e azenhas.
O pisoamento do tecido de lã tem
por finalidade feltrá-lo. O feltro começa a preparar-se no cardar da lã, de onde
se produz o fio com que se urde e se tece o artefacto. É o feltro a pedra de
toque que permite aquilatar a superioridade da lã, sendo a sua capacidade de
feltragem o que confere aos tecidos as qualidades isoladoras da temperatura,
fazendo desta fibra a matéria-prima mais adequada ao vestuário. Assim, o antigo
pisão mourisco existente nas ribeiras da Covilhã atesta que a indústria da lã
cardada é aqui, muitas vezes, secular.
A primeira Fábrica Real da
Covilhã, fundada por D. Pedro II segundo as ideias económicas do Conde da
Ericeira, situava-se na Ribeira da Carpinteira, no local da Fábrica Velha, que mais
tarde passou para Campos Melo & Irmão. A Fábrica Real Nova – hoje Universidade
da Beira Interior e outrora quartel militar (Regimento de Infantaria 21 e,
posteriormente, Batalhão de Caçadores 2) – foi fundada pelo Marquês de Pombal
junto da Ribeira da Degoldra. Ambas surpreenderam nos fabricos covilhanenses a tramilha,
que não era senão um derivado ou sucedâneo da preparação da lã penteada.
Predominantemente doméstica até
ao fim do primeiro quartel do século XIX, a indústria da Covilhã não era tão
absorvente que impedisse os seus habitantes de se integrarem coletivamente nos
grandes acontecimentos políticos, militares e marítimos que fizeram de Portugal
uma das nações mais gloriosas da Europa.
Um pequeno quadro histórico,
quase às origens da nacionalidade, revela bem a têmpera e o altíssimo ânimo dos
covilhanenses medievais, que já então se ocupavam no pacífico labor dos lanifícios.
D. Sancho I concedeu à Covilhã o seu primeiro foral em 1186.
Contudo, já antes dessa data o
concelho se encontrava organizado municipalmente, regendo-se pelos usos e
costumes do foral de Salamanca, tal como os concelhos vizinhos de Valhelhas,
Penamacor, Guarda e Alpedrinha.
D. Sancho I, encontrando a
Covilhã organizada consuetudinariamente, alterou-lhe o regime jurídico,
conferindo maiores regalias aos seus vizinhos. O amplíssimo território sob jurisdição
dos alcaides da Covilhã estendia-se desde o vértice da Serra da Estrela – onde,
no reinado de D. João VI, se edificou a Torre e onde Emídio Navarro sugeriu que
fosse erigida a estátua da Lusitânia – até às Portas de Rodão, já no Tejo, no
extremo sul. Essas variações na
organização municipal sucederam à medida que se iam redefinindo os contornos da
vasta área concelhia.
A vila de Belmonte tinha surgido
na área territorial do concelho da Covilhã, por continuidade com o povoado
romano de Centum-Cellae, surgido da exploração mineira do estanho.
Obviamente, nada daquilo que hoje
conhecemos existia então. Não havia tecnologias modernas nem prédios que
ensombrassem horizontes. O casario não incomodava e a paisagem regalava os
olhos. Era impensável recear a poluição atmosférica ou os males causados pelo
consumo de carvão. Existiam povoações, vinhedos, campos e montes; e não se
imaginavam as vastíssimas extensões de terreno que hoje acolhem painéis fotovoltaicos.
Fica, pois, esta reflexão sobre o
que todos nós vimos contribuindo para um futuro cada vez mais incerto na nossa vivência
sobre este planeta.
Para terminar, envio os meus
parabéns ao semanário FÓRUM pelos seus 14 anos a informar a Região, e também
pelos dois anos e meio da RÁDIO FÓRUM, que se têm vindo a rejuvenescer. Que
assim continuem por muito anos, acompanhando a transformação da sociedade em
que nos inserimos.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de
04-12-2025)
4 de dezembro de 2025
COVILHÃ – UMA HISTÓRIA DE LÃ, FRONTEIRAS, IDENTIDADE E A SUA UNIVERSIDADE
A história da Covilhã é
inseparável da lã. Desde tempos imemoriais, entre ribeiras encaixadas e
encostas agrestes da Serra da Estrela, este território desenvolveu uma ligação
profunda à indústria têxtil, que moldou a sua economia, a sua organização
social e até a sua paisagem humana. Embora não existam provas definitivas de
produção têxtil na época romana, a tradição industrial começou a ganhar
contornos mais sólidos durante a ocupação muçulmana, período em que os mouros
introduziam o pisão mecânico – a então chamada maceira – utilizada
durante séculos nas ribeiras da Degoldra e da Carpinteira.
Estas oficinas de pisões, movidas
pela força hidráulica e dedicadas ao feltramento da lã, testemunhavam uma
atividade que, entre cardar, fiar, tecer e pôr ao pisão, elevou a Covilhã a um
dos mais importantes centros têxteis da Península. Mais tarde, com a instalação
da Fábrica Real fundada por D. Pedro II e, posteriormente, da Fábrica Real
Nova, criada pelo Marquês de Pombal, consolidava-se uma tradição que marcava
gerações.
Paralelamente ao desenvolvimento
económico, a Covilhã afirmava-se como um concelho dinâmico e com forte sentido
comunitário. O seu primeiro foral, concedido por D. Sancho I em 1186, não criou
uma estrutura administrativa do nada; veio antes reconhecer e organizar uma
autonomia que já existia, herdade dos usos e costumes de Salamanca. Essa
identidade municipal foi reforçada quando o modelo de Salamanca foi substituído
pelo de Ávila, ampliando direitos e deveres dos seus habitantes.
O território concelhio era
vastíssimo, estendendo-se da Torre da Serra da Estrela até ao Tejo, pelas Portas
de Ródão. Incluía áreas que, por iniciativa régia e pela ação dos próprios
alcaides, deram origem a novas povoações, como Sortelha, fundada após concessão
de terras por pedido de D. Sancho I. Já Belmonte, surgida do antigo Centum-Cellas,
manteve durante longos anos uma relação jurisdicional particular: embora sob
influência da Mitra de Coimbra, as suas decisões judiciais continuavam a subir
em grau para os juízes da Covilhã.
Mas a força do concelho não
residia apenas na administração. Os covilhanenses participaram ativamente em
momentos cruciais da história nacional: da jornada de Ceuta aos levantamentos contra
Filipe IV, passando pela defesa das suas fronteiras medievais. A Covilhã,
embora dedicada à produção de lanifícios, nunca deixou de erguer a bandeira da
soberania e da justiça quando necessário.
É neste contexto que surgem os
conflitos com os Templários de Castelo Branco, que procuraram alargar os seus
domínios, impondo portagens abusiva aos munícipes da Covilhã. O choque culminou
num combate na zona da atual Póvoa de Rio de Moinhos, onde a Covilhã saiu
vitoriosa. A arbitragem posterior, registada em 1230 no Mosteiro de Santa Maria
de Ozezar, viria a confirmar que o concelho covilhanense tinha razão na defesa
dos seus limites.
Assim se desenha uma Covilhã que
não é apenas a “cidade dos lanifícios”, mas uma terra de autonomia, ousadia e
memória. Uma comunidade que ao longo dos séculos, soube conjugar engenho,
trabalho e resistência – ingredientes essenciais para construir uma identidade
que resiste às intempéries do tempo.
A Covilhã, outrora denominada A Manchester Portuguesa, transformou-se profundamente
nas últimas décadas. Sem perder a herança industrial que marcou a sua
identidade – visível nas antigas fábricas, nas ribeiras e na memória operária –
a cidade reinventou-se como um polo de conhecimento, inovação e tecnologia.
Hoje, a Covilhã é amplamente
reconhecida como cidade do saber, graças ao papel decisivo da Universidade
da Beira Interior (UBI). A UBI trouxe dinamismo juvenil, investigação de ponta, novos cursos e
centros de estudo, impulsionando áreas como a saúde, aeronáutica,
engenharias, artes e ciências sociais. Esta presença universitária revitalizou
a economia local, a cultura e a vida urbana, tornando a Covilhã mais
cosmopolita, criativa e aberta ao futuro.
Assim, a Covilhã contemporânea é
uma cidade que une tradição e modernidade: honra o passado dos
lanifícios, mas afirma-se cada vez mais como território de conhecimento,
inovação e oportunidades para toda a região.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 01-12-2025)
19 de novembro de 2025
ENVELHECER COM MEMÓRIA: DESAFIOS DA SAÚDE MENTAL E DA DOENÇA DE ALZHEIMER
Decorridos mais de cem anos, a
Ciência ainda não conseguiu encontrar o mecanismo exato que provoca a doença de
Alzheimer e, consequentemente, os meios adequados para a sua prevenção e
tratamento.
Envelhecer não é, contudo,
sinónimo de perda de autonomia cognitiva e funcional. É importante agir,
individual e coletivamente, para a evitar. Uma das ações fundamentais é o
reconhecimento dos fatores de risco potencialmente modificáveis – aqueles que podemos
controlar e que nos permitem agir de forma preventiva.
Quando alguém que não vemos há
muito tempo nos diz “não mudaste nada”, sabemos que apenas quer dizer que somos
reconhecíveis, apesar das mudanças inevitáveis que o tempo provoca.
Envelhecer bem, sem demência, implica
perder alguma rapidez mental, ser talvez menos criativo do que os jovens
adultos, menos aventureiro e menos ávido de novidade do que os adolescentes – tendencialmente
mais repetitivo e voltado para o passado. Mantêm-se, no entanto, a capacidade
de aprender, de acumular conhecimento e de o relacionar com o já adquirido, bem
como a vontade de revisitar grande parte do que sempre nos apaixonou.
“Demência” não é sinónimo de
“doença de Alzheimer”, embora, na prática, os termos sejam frequentemente usados
de forma indistinta.
Entende-se por demência a perda
de capacidades cognitivas e funcionais previamente adquiridas, provocadas por uma
doença que conduz à degeneração do cérebro.
O cérebro adulto pesa entre 1,1 e
2 Kg e estima-se que contenha 86 mil milhões de neurónios.
É sabido que, com a idade, ocorre
perda de capacidade de memorização e diminuição da velocidade de processamento
da informação.
Entre os fatores de risco mais
comuns para a doença cerebrovascular encontram-se a idade, a hipertensão
arterial, a diabetes, a obesidade, o tabagismo e o consumo excessivo de álcool.
A perda do sentido do “eu”, da identidade
biográfica, é uma das marcas mais profundas da doença de Alzheimer, na qual o
passado se apaga progressivamente, desfazendo a linha de memórias que
construímos ao longo da vida – memórias evocadas, modificadas e readquiridas em
ciclos contínuos.
Platão, pela voz de Diotima de
Mantineia, em O Banquete (384 a.C.), antecipou o que a
Neurociência viria a provar muitos séculos depois:
“Aquilo a que se chama estudar é
como um conhecimento que se deixa partir, pois o esquecimento é a saída do conhecimento,
e o estudo, fabricando de novo uma nova memória em substituição da antiga,
salva o conhecimento, de tal modo que ele parece ser o mesmo”.
A doença de Alzheimer deve o seu
nome a Alois Alzheimer, que, no início do século XX, descreveu as principais alterações
patológicas observadas no cérebro dos doentes.
Essas alterações começam muito
antes dos primeiros sintomas – um intervalo que pode ir de 15 a 30 anos –, constituindo
um dos maiores desafios para o tratamento e diagnóstico precoce.
Os sintomas iniciais surgem de forma
insidiosa e variável. A dificuldade crescente na conversação, o esquecimento
frequente e o isolamento subsequente podem conduzir a tristeza e apatia. As perdas
cognitivas são progressivas e cumulativas.
O envelhecimento é, de facto, o
principal fator de risco para a perda cognitiva, uma vez que o cérebro acumula
danos ao longo da vida.
A perda auditiva relacionada com
a idade – presbiacusia – é uma condição neurossensorial progressiva, bilateral
e simétrica, que afeta cerca de um terço das pessoas acima dos 65 anos.
Habitualmente manifesta-se a partir dos 40 anos e, aos 80, atinge entre 50 e 80%
dos indivíduos.
A hipertensão arterial na
meia-idade é reconhecida como fator de risco de demência em idade avançada. Idealmente,
a tensão arterial deve situar-se abaixo de 120/80 mmHg; valores acima de 135-140/85-90
mmHg indicam hipertensão.
Também a diabetes aumenta o risco
de demência, agravando-o com a duração e a gravidade da doença.
A obesidade – definida por um
índice de Massa Corporal (IMC) > 30 – tem vindo a aumentar em todos
os grupos etários, incluindo entre os mais idosos.
A prática do exercício físico
associa-se consistentemente à redução do risco de demência, segundo diversos
estudos longitudinais. É essencial manter a atividade física ao longo de toda a
vida.
Embora o tabagismo seja, por si
só, um fator de risco de demência, é sobretudo causa de morte prematura.
Os danos cerebrais provocados
pelo consumo excessivo de álcool são igualmente conhecidos há muito. Considera-se
consumo excessivo acima de 21 unidades por semana (uma unidade equivale a 10 ml
ou 8 g de álcool puro).
A depressão e a ansiedade são duas
das patologias mais frequentes na sociedade moderna.
Sigmund Freud (1856-1939), “pai” da
Psicanálise, atribuiu, no ensaio O Mal-Estar na Civilização, o
neuroticismo crescente das sociedades à repressão dos instintos primários de frustrações
impostas pela vida em sociedade, assistindo-se à repressão dos instintos
primários, particularmente os sexuais, em nome das exigências coletivas da vida
em sociedade.
O isolamento social é outro dos
males silenciosos da modernidade.
Segundo os Censos de 2021, mais
de um milhão de pessoas em Portugal viviam sós – sendo meio milhão idosos. A solidão
na velhice é difícil de ultrapassar e tem forte impacto na saúde física e
mental: dias inteiros sem conversas, longas horas de televisão, sentimentos de
desesperança e de não pertença. Na Europa, 40% das mulheres idosas vivem sós,
contra 19% dos homens.
As perturbações de sono também surgem
associadas ao aumento do risco de Alzheimer e outras demências. O risco é maior
quando a duração do sono é inferior a cinco horas. O ideal, segundo alguns autores,
situa-se entre cinco e sete horas diárias. A apneia do sono, por seu turno, é
um fator de risco reconhecido para doenças cardíacas, morte súbita e demências.
Envelhecemos todos de maneira
diferente – resultado da genética e dos múltiplos fatores ambientais a que
estivemos expostos ao longo da vida. Por isso, pessoas da mesma idade podem
apresentar níveis de capacidade cognitiva muito distintos.
A alimentação tem um papel
essencial, tanto no desenvolvimento saudável como na prevenção de doenças. O
saber ancestral – quando semear, o que colher e quando, o que pescar e como
alimentar os animais – faz parte da nossa herança de saúde e de equilíbrio.
Como refere a psicóloga clínica Catarina
Ruas Antunes,
“Existe uma rede de (des)informação
sobre a doença mental e temas que foram outrora tabu, mas que hoje fazem parte
da narrativa quotidiana e das tecnologias de pesquisa avançada”.
O Dia Mundial da Saúde Mental celebra-se a 10 de outubro – uma
oportunidade para refletirmos sobre a importância de cuidar da mente, em todas
as idades.
Fonte: “Quando a
Memória Falha”, de Belina Nunes e Álvaro Machado – neurologistas.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 15-11-2025)
13 de novembro de 2025
SAÚDE MENTAL E ENVELHECIMENTO – O QUE DEVEMOS SABER
Decorridos mais de cem anos, a
Ciência ainda não conseguiu encontrar o mecanismo exato que provoca a doença de
Alzheimer e, por conseguinte, os meios adequados à sua prevenção e tratamento.
Envelhecer não é, contudo,
sinónimo de perda de autonomia cognitiva e funcional, sendo importante agir, de
modo individual e coletivo, para a evitar. Uma das ações fundamentais é o
reconhecimento dos fatores de risco potencialmente modificáveis – aqueles que
nós controlamos e que nos permitem agir preventivamente.
Quando alguém que não vemos há
muito tempo nos diz “não mudaste nada”, sabemos que apenas quer dizer que somos
reconhecíveis apesar das mudanças necessariamente operadas pela simples
passagem do tempo.
Envelhecer bem, sem demência, implica
perder alguma rapidez mental, ser talvez menos criativo do que os jovens
adultos, possivelmente menos aventureiro e menos ávido de novidade do que os
adolescentes, tendencialmente mais repetitivo e voltado para o passado.
Mantêm-se, no entanto, a capacidade de aprender, de acumular conhecimento e de
o ligar ao já adquirido, de procurar a novidade, ainda que com menos avidez, e
muito certamente a vontade de rever uma grande parte daquilo de que sempre
gostámos.
“Demência” não é sinónimo de
“doença de Alzheimer”, embora, na prática, os termos sejam muitas vezes usados indistintamente.
Por demência, entende-se a perda
de capacidades cognitivas e funcionais previamente adquiridas, por meio de uma
doença que conduz a uma degeneração do cérebro.
O cérebro adulto pesa entre 1,1 e
2 Kg e estima-se que tenha 86 mil milhões de neurónios.
Quanto ao tipo de função
cognitiva, todos têm noção da perda de capacidade de memorização com a idade,
bem como da diminuição da velocidade de processamento da informação.
A idade, a hipertensão arterial,
a diabetes, a obesidade, o tabagismo e o alcoolismo são os fatores de risco
mais comuns para a doença cerebrovascular.
A perda do sentido do “Eu”, a
perda da identidade biográfica, é um dos defeitos essenciais da doença de
Alzheimer, no contexto da qual, progressivamente, se vai apagando o passado que
trazemos connosco desde o nascimento, numa linha que vemos sempre a acumular
memórias sobre memórias, que, na verdade, sabemos serem inúmeras vezes
evocadas, modificadas, readquiridas e perdidas, em múltiplos ciclos contínuos.
Platão, pela voz de Diotima de
Mantineia, em O Banquete, obra composta cerca do ano 384 a. C., diz-nos
o que a Neurociência provou muitos séculos depois: “Com efeito, aquilo que se
chama estudar é como um conhecimento que se deixa partir, pois o esquecimento é
a saída do conhecimento, e o estudo, fabricando de novo uma nova memória
inovada em substituição da antiga, salva o conhecimento, de tal modo que ele
parece ser o mesmo”.
A doença de Alzheimer deve o seu
nome a Aloís Alzheimer, que, no início do século XX, descreveu as principais
modificações patológicas no cérebro dos doentes.
As alterações cerebrais caraterísticas
desta doença começam muito antes dos sintomas que trazem o doente a uma
primeira consulta. Este lapso de tempo, que pode ir de 15 a 30 anos, constitui
um dos maiores problemas para o tratamento da doença e é o principal alvo da
investigação atual, particularmente sobre os meios de diagnóstico.
Os sintomas e sinais iniciais não
surgem, por regra, todos ao mesmo tempo e não têm todos a mesma intensidade. A
dificuldade crescente na conversação e a rapidez com que escapam as coisas que
se dizem levam a um isolamento relativo a uma tristeza sem causa evidente. As
dificuldades cognitivas são progressivas e vão-se somando, em combinações
várias e intrincadas.
O envelhecimento é reconhecido
como o mais importante fator de risco para a perda cognitiva, pois o cérebro
acumula danos ao longo da vida.
A perda de audição que se deve ao
envelhecimento, designada por presbiacusia, carateriza-se por uma perda
auditiva, neurossensorial progressiva, bilateral e simétrica, e atinge cerca de
um terço das pessoas acima dos 65 anos. A presbiacusia começa a manifestar-se habitualmente
na quarta década de vida e, pelos 80 anos, atinge 50-80% dos indivíduos.
A hipertensão arterial na
meia-idade é reconhecida como um fator de risco de demência na idade tardia. A
tensão arterial ideal é <120/<80 mmHg e a hipertensão arterial compreende
valores >135-140 mmHg para a tensão sistólica (máxima) e >85-90 mmHg para
a tensão diastólica (mínima).
A diabetes é considerada um fator
de risco de demência, aumentando o risco com a duração e a gravidade da doença.
A obesidade, definida como um
índice de Massa Corporal (IMC) x 30, tem vindo a aumentar em todos os grupos
etários, incluindo entre os mais idosos.
A maior parte dos habitantes das
grandes cidades não se desloca a pé nem para o trabalho nem para a escola, como
acontecia maioritariamente há algumas décadas. A prática do exercício físico
associa-se a uma redução do risco de demência em vários estudos longitudinais
com diferentes populações. É destacada a necessidade de manter a atividade
física ao longo da vida.
Embora o tabagismo seja, por si
só, um fator de risco de demência, é principalmente um fator de risco de morte
prematura, ou seja, morte antes da idade mais frequente do desenvolvimento da
demência.
Os danos causados ao cérebro pela
ingestão excessiva de álcool são conhecidos desde há muito. A definição de consumo
excessivo de álcool aponta para um valor superior a 21 unidades/semana, sendo
uma unidade igual a 10 ml ou 8 g de álcool puro.
A depressão e a ansiedade são
termos conhecidos por se referirem a duas patologias mais frequentes na
sociedade moderna. Sigmund Freud (1856-1939) foi o “pai” da Psicanálise que
atribuiu no seu ensaio O Mau Estar da Civilização, o neuroticismo
crescente das sociedades modernas à acumulação de frustrações impostas pela
vida em sociedade, assistindo-se à repressão dos instintos primários,
nomeadamente sexuais, para corresponder às exigências coletivas.
Isolamento social – Segundo os
Censos de 2021, mais de um milhão de pessoas no nosso país viviam sós, sendo
que meio milhão eram idosos. Há certamente diversos modos de viver só, mas a
solidão do idoso é a mais difícil de ultrapassar e a que tem maior impacto
sobre a vida física e mental, devido aos dias inteiros que passa sem conversar com
ninguém, as horas seguidas a ver televisão, a que se seguem sentimentos de
desesperança, de não pertença e de depressão. É de 40% a média europeia de
mulheres idosas que vivem sós, contra 19% de homens.
As perturbações de sono surgem
repetidamente associadas ao aumento do risco de doença de Alzheimer e outras
demências. Parece existir um maior risco com a duração curta do sono, inferior
a cinco horas. Segundo alguns autores, o período ideal situa-se entre cinco e
sete horas de sono.
A apneia do sono é um fator de
risco reconhecido de patologia cardíaca, morte súbita e patologia vascular
cerebral e surge também associada a um maior risco de demência.
Envelhecemos todos de maneiras
diferentes, o que resulta da genética e dos inúmeros fatores ambientais a que
estivemos expostos ao longo da vida. É por isso que uns, com mesma idade de um
paciente, mantêm as capacidades cognitiva e funcionais, outros não.
A alimentação humana tem um papel
absolutamente estruturante ao longo do tempo. A nível individual, não apenas no
desenvolvimento e crescimento saudáveis, mas também no surgimento de doenças e
no combate às mesmas.
Crescemos com o saber ancestral
relativo às melhores alturas para semear o quê e onde, quando devemos colhê-lo
e porquê, onde e em que alturas pescar certos peixes, ou como alimentar os
outros animais para a força ou para o prato.
“Existe uma rede de (des)informação
sobre a doença mental e temas que foram outrora categorizados como tabu e que,
atualmente fazem parte quer da narrativa do dia a dia quer das tecnologias de
pesquisa avançada”. (Catarina Ruas Antunes, psicóloga clínica).
O dia 10 de outubro é considerado
o Dia Mundial da Saúde Mental.
Fonte: “Quando a Memória Falha”, de Belina Nunes e Álvaro
Machado – neurologistas.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de
13-11-2025)



















