13 de novembro de 2025

SAÚDE MENTAL E ENVELHECIMENTO – O QUE DEVEMOS SABER

 



Decorridos mais de cem anos, a Ciência ainda não conseguiu encontrar o mecanismo exato que provoca a doença de Alzheimer e, por conseguinte, os meios adequados à sua prevenção e tratamento.

Envelhecer não é, contudo, sinónimo de perda de autonomia cognitiva e funcional, sendo importante agir, de modo individual e coletivo, para a evitar. Uma das ações fundamentais é o reconhecimento dos fatores de risco potencialmente modificáveis – aqueles que nós controlamos e que nos permitem agir preventivamente.

Quando alguém que não vemos há muito tempo nos diz “não mudaste nada”, sabemos que apenas quer dizer que somos reconhecíveis apesar das mudanças necessariamente operadas pela simples passagem do tempo.

Envelhecer bem, sem demência, implica perder alguma rapidez mental, ser talvez menos criativo do que os jovens adultos, possivelmente menos aventureiro e menos ávido de novidade do que os adolescentes, tendencialmente mais repetitivo e voltado para o passado. Mantêm-se, no entanto, a capacidade de aprender, de acumular conhecimento e de o ligar ao já adquirido, de procurar a novidade, ainda que com menos avidez, e muito certamente a vontade de rever uma grande parte daquilo de que sempre gostámos.

“Demência” não é sinónimo de “doença de Alzheimer”, embora, na prática, os termos sejam muitas vezes usados indistintamente.

Por demência, entende-se a perda de capacidades cognitivas e funcionais previamente adquiridas, por meio de uma doença que conduz a uma degeneração do cérebro.

O cérebro adulto pesa entre 1,1 e 2 Kg e estima-se que tenha 86 mil milhões de neurónios.

Quanto ao tipo de função cognitiva, todos têm noção da perda de capacidade de memorização com a idade, bem como da diminuição da velocidade de processamento da informação.

A idade, a hipertensão arterial, a diabetes, a obesidade, o tabagismo e o alcoolismo são os fatores de risco mais comuns para a doença cerebrovascular.

A perda do sentido do “Eu”, a perda da identidade biográfica, é um dos defeitos essenciais da doença de Alzheimer, no contexto da qual, progressivamente, se vai apagando o passado que trazemos connosco desde o nascimento, numa linha que vemos sempre a acumular memórias sobre memórias, que, na verdade, sabemos serem inúmeras vezes evocadas, modificadas, readquiridas e perdidas, em múltiplos ciclos contínuos.

Platão, pela voz de Diotima de Mantineia, em O Banquete, obra composta cerca do ano 384 a. C., diz-nos o que a Neurociência provou muitos séculos depois: “Com efeito, aquilo que se chama estudar é como um conhecimento que se deixa partir, pois o esquecimento é a saída do conhecimento, e o estudo, fabricando de novo uma nova memória inovada em substituição da antiga, salva o conhecimento, de tal modo que ele parece ser o mesmo”.

A doença de Alzheimer deve o seu nome a Aloís Alzheimer, que, no início do século XX, descreveu as principais modificações patológicas no cérebro dos doentes.

As alterações cerebrais caraterísticas desta doença começam muito antes dos sintomas que trazem o doente a uma primeira consulta. Este lapso de tempo, que pode ir de 15 a 30 anos, constitui um dos maiores problemas para o tratamento da doença e é o principal alvo da investigação atual, particularmente sobre os meios de diagnóstico.

Os sintomas e sinais iniciais não surgem, por regra, todos ao mesmo tempo e não têm todos a mesma intensidade. A dificuldade crescente na conversação e a rapidez com que escapam as coisas que se dizem levam a um isolamento relativo a uma tristeza sem causa evidente. As dificuldades cognitivas são progressivas e vão-se somando, em combinações várias e intrincadas.

O envelhecimento é reconhecido como o mais importante fator de risco para a perda cognitiva, pois o cérebro acumula danos ao longo da vida.

A perda de audição que se deve ao envelhecimento, designada por presbiacusia, carateriza-se por uma perda auditiva, neurossensorial progressiva, bilateral e simétrica, e atinge cerca de um terço das pessoas acima dos 65 anos. A presbiacusia começa a manifestar-se habitualmente na quarta década de vida e, pelos 80 anos, atinge 50-80% dos indivíduos.

A hipertensão arterial na meia-idade é reconhecida como um fator de risco de demência na idade tardia. A tensão arterial ideal é <120/<80 mmHg e a hipertensão arterial compreende valores >135-140 mmHg para a tensão sistólica (máxima) e >85-90 mmHg para a tensão diastólica (mínima).

A diabetes é considerada um fator de risco de demência, aumentando o risco com a duração e a gravidade da doença.

A obesidade, definida como um índice de Massa Corporal (IMC) x 30, tem vindo a aumentar em todos os grupos etários, incluindo entre os mais idosos.

A maior parte dos habitantes das grandes cidades não se desloca a pé nem para o trabalho nem para a escola, como acontecia maioritariamente há algumas décadas. A prática do exercício físico associa-se a uma redução do risco de demência em vários estudos longitudinais com diferentes populações. É destacada a necessidade de manter a atividade física ao longo da vida.

Embora o tabagismo seja, por si só, um fator de risco de demência, é principalmente um fator de risco de morte prematura, ou seja, morte antes da idade mais frequente do desenvolvimento da demência.

Os danos causados ao cérebro pela ingestão excessiva de álcool são conhecidos desde há muito. A definição de consumo excessivo de álcool aponta para um valor superior a 21 unidades/semana, sendo uma unidade igual a 10 ml ou 8 g de álcool puro.

A depressão e a ansiedade são termos conhecidos por se referirem a duas patologias mais frequentes na sociedade moderna. Sigmund Freud (1856-1939) foi o “pai” da Psicanálise que atribuiu no seu ensaio O Mau Estar da Civilização, o neuroticismo crescente das sociedades modernas à acumulação de frustrações impostas pela vida em sociedade, assistindo-se à repressão dos instintos primários, nomeadamente sexuais, para corresponder às exigências coletivas.

Isolamento social – Segundo os Censos de 2021, mais de um milhão de pessoas no nosso país viviam sós, sendo que meio milhão eram idosos. Há certamente diversos modos de viver só, mas a solidão do idoso é a mais difícil de ultrapassar e a que tem maior impacto sobre a vida física e mental, devido aos dias inteiros que passa sem conversar com ninguém, as horas seguidas a ver televisão, a que se seguem sentimentos de desesperança, de não pertença e de depressão. É de 40% a média europeia de mulheres idosas que vivem sós, contra 19% de homens.

As perturbações de sono surgem repetidamente associadas ao aumento do risco de doença de Alzheimer e outras demências. Parece existir um maior risco com a duração curta do sono, inferior a cinco horas. Segundo alguns autores, o período ideal situa-se entre cinco e sete horas de sono.

A apneia do sono é um fator de risco reconhecido de patologia cardíaca, morte súbita e patologia vascular cerebral e surge também associada a um maior risco de demência.

Envelhecemos todos de maneiras diferentes, o que resulta da genética e dos inúmeros fatores ambientais a que estivemos expostos ao longo da vida. É por isso que uns, com mesma idade de um paciente, mantêm as capacidades cognitiva e funcionais, outros não.

A alimentação humana tem um papel absolutamente estruturante ao longo do tempo. A nível individual, não apenas no desenvolvimento e crescimento saudáveis, mas também no surgimento de doenças e no combate às mesmas.

Crescemos com o saber ancestral relativo às melhores alturas para semear o quê e onde, quando devemos colhê-lo e porquê, onde e em que alturas pescar certos peixes, ou como alimentar os outros animais para a força ou para o prato.

“Existe uma rede de (des)informação sobre a doença mental e temas que foram outrora categorizados como tabu e que, atualmente fazem parte quer da narrativa do dia a dia quer das tecnologias de pesquisa avançada”. (Catarina Ruas Antunes, psicóloga clínica).

O dia 10 de outubro é considerado o Dia Mundial da Saúde Mental.

Fonte: “Quando a Memória Falha”, de Belina Nunes e Álvaro Machado – neurologistas.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 13-11-2025)


6 de novembro de 2025

OS 40 MÁRTIRES DO BRASIL E O BEATO FRANCISCO ÁLVARES: O CARDADOR DA COVILHÃ QUE DEU A VIDA PELA FÉ QUARENTA MÁRTIRES JOVENS!






 

A história do martírio destes jovens começou muitos anos antes do nascimento da maior parte deles… Foi Inácio de Azevedo, um nobre da zona do Porto, nascido em 1526, que, abandonando o sucesso que a vida lhe prometia, seguiu a Cristo, na Companhia de Jesus (jesuítas). As notícias que iam chegando do Congo, Angola, Índia e Japão, encantavam-no!

Do Brasil pediam reforços e alguém capaz de reorganizar o trabalho já iniciado. Pelo seu carácter empreendedor, ativo e enérgico, Inácio foi escolhido. Trabalhou no Brasil, de 1566 a 1568. De regresso, fez campanha para recrutar jovens que o quisessem acompanhar. Reuniu uma expedição de 73 jovens religiosos, de idade entre os 16 e os 30 anos, que, com vários leigos, técnicos de diversas profissões, chegaram a cerca de 100 pessoas! Foi a maior expedição missionária jamais enviada por Portugal para terras ultramarinas.

Durante quase meio ano, prepararam-se na Quinta de Val de Rosal, Charneca da Caparica, ao sul do rio Tejo. O resultado da generosidade demonstrada por todos esses jovens, iria, em breve, ser conhecido por todo o mundo católico.

A 5 de junho de 1570 zarparam rumo à Ilha da Madeira, primeira etapa da viagem, onde permaneceram cerca de três semanas. Antes de partir dali, tendo notícias da existência de corsários, Inácio de Azevedo lançou o repto: “só deve seguir viagem quem estiver disposto a ser mártir”. Assim, na nau Santiago, partiram os 39 que aceitaram este desafio. E, a 30 de junho, reembarcaram e continuaram viagem. Quando navegavam junto a La Palma, uma das Ilhas Canárias, a 15 de julho, surgiu uma frota de piratas huguenotes, comandados por Jacques Sória. A nau foi atacada e dominada após breve luta. Ferido na cabeça e coberto de sangue, Inácio de Azevedo ainda proclamou: “Não choreis, meus filhos. Não chegaremos ao Brasil, mas fundaremos, hoje, um colégio no Céu”.

Inácio de Azevedo de Ataíde Abreu e Malafaia, era filho ilegítimo, depois legitimado, aos 12 anos, de Manuel de Azevedo e D. Francisca Abreu. À data do seu nascimento, S. Francisco Xavier frequentava, havia escassos meses, o Colégio de Santa Bárbara, em Paris, encetando por essa altura o convívio com Santo Inácio de Loiola e demais companheiros que vieram a ser os fundadores da Companhia de Jesus.

Durante a sua infância, Inácio de Azevedo levou a vida normal dum filho da fidalguia portuguesa de Entre Douro e Minho. Para ele, como para os seus irmãos, o pai acalentava um futuro brioso, que deveriam alcançar pelas armas ou na administração de um Portugal cujo monarca estendia o seu poder às mais recônditas partes do mundo.

Em chegando à idade de casar, queria seu pai achar-lhe noiva para que constituísse família, mas Inácio de Azevedo, sentindo-se confuso quanto ao seu futuro, pediu ao pai que lhe desse algum tempo de reflexão. Recolheu-se então na Quinta de Barbosa, em Paço de Sousa, cujo solar o pai mandara já reconstruir, para que aí se viesse a instalar com a futura família.

Através do conselho amigo de Henrique Nunes de Gouveia, Inácio foi à cidade do Porto ouvir os sermões do padre Francisco Estrada, da recém-constituída Companhia de Jesus, que lhe terão despertado o desejo de, também ele, servir o país e o rei, não pelas armas, mas através da Evangelização proposta pelos jesuítas. Aqui entrou a 23 de dezembro de 1548, com 22 anos.

Com o objetivo de levar o Evangelho ao novo mundo, muitos se quiseram juntar ao padre que, logo ali, foi fazendo uma primeira seleção, ponde especial interesse naqueles que, pela sua juventude ou empenhamento, dessem mostras de serem capazes de se entregar com dedicação à missão ou também àqueles que, pelas suas ocupações, fossem de maior valimento para as comunidades, pois bem sabia o padre Inácio que braços experientes e capazes para as diferentes profissões escasseavam no Brasil e eram de maior utilidade para a construção da cristandade. Então, no grupo, ele havia o pintor, o músico, o cantor, o tecelão, o carpinteiro, o bacharel, o pastor, ou o simples estudante, com muita vontade de cumprir a sua missão na Companhia. Assim, havia o irmão experimento na arte da carpintaria, outro pintor, outro alfaiate, mas também o cozinheiro, ajudante de cozinha, enfermeiro, bordador, cantor, músico, sapateiro, padeiro, pastor, entre outros.

Reunido em Lisboa, o grupo vai instalar-se na Quinta de Val de Rosal, que os padres possuíam na outra banda, na margem do Rio Tejo.

No terceiro quartel do século XVI, Lisboa, cabeça do Império e uma das maiores cidades da Europa, lutava com enorme escassez de água para satisfação de tão enorme população. Por isso, grassava nela frequentemente a peste. Essa foi então a razão principal pela qual o padre Inácio de Azevedo, no início daquele ano de 1570, procurou a Quinta de Val de Rosal, para recolher os seus companheiros, enquanto aguardavam a partida para o Brasil.

Tinham passado já cinco meses, desde que no Inverno daquele ano de 1570 se haviam reunido em Val de Rosal, à espera da nau que os levasse ao Brasil. Porque esta tardava, estava então decidido o padre Inácio em embarcar na armada do Governador. Por isso, deu instruções para que os companheiros se preparassem para deixar a quinta e rumar a Lisboa. O Inverno e a Primavera, naquelas paragens da outra banda, são sempre muito suaves e nem o calor do início do Verão apoquentava o grupo que tinha vivido aquele tempo de formação em plenitude. Mas a notícia que estaria próxima a partida a todos entusiasmou. Após a necessária preparação e depois de ouvida a missa, partiram para Cacilhas e daí, de barco, atravessaram o Tejo até Lisboa.

Em Lisboa, o padre Inácio não permitiu que o grupo amolecesse e a todos incumbiu de trabalhos.

Mas estavam já em S. Roque havia quinze dias, prestes a embarcarem na armado do Governador, quando um dia o irmão António Soares, de Belém, chegou à casa dos jesuítas com a boa nova que a nau do Porto tinha entrado na barra. Nisto, sentiram grande alegria porque dessa forma não teriam de se distribuir pelas diversas naus mas iriam viajar todos juntos, continuando assim e em grupo o bom trabalho que haviam iniciado em Val de Rosal.

Estavam então reunidos os 40 companheiros na nau Santiago. O padre Pero Dias e uma vintena de irmãos embarcaram na nau do Governador e o padre Francisco de Castro com outros dois irmãos tomou a nau dos Órfãos.

Ao ver embarcados em seu redor os 39 companheiros, folgou o padre Inácio de Azevedo por se dar conta que aqueles seriam os que com ele iriam desbravar as consciências levando o Evangelho aos Brasis.

A 5 de junho do ano de 1570, a armada deixou a barra de Lisboa, rumo ao imenso oceano, que era a estrada que os deveria levar ao Brasil. Levaram sete dias até chegarem à Ilha da Madeira.

A nau Santiago, ao invés das outras da armada, tinha de ir à Ilha de Palma, nas Canárias, descarregar parte da carga que transportava e carregar outra que pretendia levar para o Brasil, para o que tiveram de obter do Governador autorização para e desligarem das demais que compunham a armada, licença essa que muito dificilmente lhe foi dada porque se sabia que por ali o mar estava infestado de corsários. Obtida por parte do Governador a necessária autorização, entendeu-se que a nau Santiago não podia esperar mais tempo, ao que o padre Inácio, consciente dos perigos que poderiam enfrentar, tratou de saber junto dos seus companheiros da vontade que tinham em se aventurar a tais riscos. Todos mostraram não temer os perigos que sabiam poder surgir, salvo quatro irmãos que pediram licença para ficar com o padre Pero Dias.

Ao outro dia de manhã, a nau Santiago levantou ferros e deixou a Ilha da Madeira. Tinham já passado sete dias desde que a nau Santiago deixara a Madeira, navegando sempre debaixo de uma grande calmaria, mas estando então, a pouco mais de duas léguas e meia da cidade de Palma. Eis senão quando lhe dá um vento contrário que a leva perto de um ancoradouro que dava pelo nome Tazacorte e onde desembarcaram no dia seguinte. Quando todos se dispunham a tomar os cavalos e camelos decidiu o padre Inácio de Azevedo alterar os planos da viagem, pois sentiu que estaria a ser fraco ao evitar o mar com medo dos corsários. Dirigindo-se então aos seus companheiros, comentou que o único mal que os piratas lhes podiam fazer seria mandá-los mais cedo para o céu.

No dia seguinte, decidiram então deixar Tazacorte, rumando na direção da Ilha de Gomeira, para depois darem a volta para a cidade de Palma. A bordo, iam todos entusiasmados com a ideia de chegarem a terra quando da gávea o marinheiro deu sinais de que avistava uma grande vela, a qual vinha acompanhada de outras quatro mais pequenas. Mas, à medida que se aproximavam da nau Santiago, perceberam que, em vez da armada portuguesa, eram os navios do pirata Jacques Sória, capitão da rainha de Navarra.

Estavam agora à vista da nau Santiago, as velas do famoso corsário Jacques Sória. Dias antes, já a nau Santiago tinha deixado a Madeira, tentara ele um ataque no Funchal. A desproporção de forças era enorme. Por um lado, eram os navios mais o galeão Príncipe contra uma nau, por outro, em termos de combatentes, a Santiago levava a bordo, entre a tripulação, 40 soldados cuja arma era a palavra de Cristo, de pouca valia para aquele combate frente aos validos da rainha protestante de Navarra.

Os navios de Sória estavam cada vez mais perto da nau Santiago. Então, o padre Inácio de Azevedo, dando cumprimento à promessa de apoio que fizera ao capitão, selecionou um grupo de companheiros para que com a sua palavra assistissem e animassem os combatentes. Os primeiros embates foram renhidos. À primeira tentativa que os corsários fizeram para abalroar a nau Santiago, os nossos dispararam a artilharia que matou uns quatro deles, causando baixas que os piratas pareciam não fazer caso, face a serem tão numerosos. Dando conta que, do lado dos nossos, os combatentes não seriam mais de 30, Jacques Sória afastou-se ligeiramente, deixando os seus homens abater os da Santiago. Dava-se então uma luta corpo a corpo, desigual no número dos combatentes e no ímpeto dos intervenientes, pois dos missionários não se esperava mais do que palavras para tentar suster os corsários.

Do galeão de Sória, vendo os piratas os seus desígnios, dispararam alguns tiros de arcabuz que o atingiram o padre Bento de Castro, mas não derrubaram, continuando o padre, com redobrada vontade, a impelir os assaltantes com as suas palavras, até receber sete ou oito punhaladas dos piratas que o ergueram e lançaram meio vivo ao mar. Estava feita a primeira vítima. Ao padre Inácio de Azevedo, descarregaram-lhe um golpe que lhe fendeu a cabeça, tendo os piratas lhe lançado umas quantas estocadas até cair. O capitão da nau estava exausto de tanta luta e ferido de tanto golpe, pelo que também ele se recolheu a uma câmara onde acabou por sucumbir às cutiladas dos piratas que o perseguiram e lançaram ao mar. Com a morte do capitão, terminava a luta, onde tinham morrido uns quinze ou dezasseis dos nossos contra uns trinta dos corsários, entre os que tinham sido abatidos pela artilharia e os aniquilados na luta.

Procuraram então os piratas pilhar a nau e o que esta pudesse transportar, iniciando uma batida por todas as câmaras. Numa delas, encontrando alguns dos irmãos em oração e de joelhos frente a imagens santas, com tanta fúria a eles se lançaram que os fizeram perecer.

Enquanto os irmãos davam à bomba, uns quantos corsários iam atirando ao mar os mortos e feridos que iam encontrando até que, dando conta do corpo do padre Inácio de Azevedo, ainda agarrado à imagem da Virgem, o lançaram à água.

Naquele sábado, 15 de julho de 1570, do promissor grupo de 40 missionários, que o padre Inácio de Azevedo preparara tão esforçadamente para evangelizar os territórios do imenso Brasil, só mesmo escapara à morte o irmão João Sanches, que haveria de ser a testemunha do martírio dos 39 companheiros, a que se juntou depois também João Adauto, e a 16 de julho, o irmão Simão da Costa.

Os Mártires

Um cardador que sonhou ser missionário

ÁLVARES, irmão auxiliar, Francisco – Português, nascido na Covilhã em 1539, tendo entrado para a Companhia em 1554, em Évora. Era por ofício tecelão e cardador. A cidade era um dos grandes centros da indústria de lanifícios portuguesa. Dedicava-se à cardação, um ofício modesto mas essencial, símbolo do esforço e da dignidade do trabalho, partilhando a vida simples e laboriosa dos operários têxteis da sua terra. Homem de fé viva e carácter humilde, sentiu o chamamento de Deus e decidiu consagrar-se à vida religiosa, ingressando na Companhia de Jesu como irmão coadjutor – um dos jesuítas leigos que apoiavam as missões com o trabalho manuel e o testemunho de vida.  O seu destino cruzou-se com o padre Inácio de Azevedo, visitador das missões jesuítas no Brasil, que regressara a Portugal para recrutar novos missionários. Francisco Álvares             respondeu ao apelo e alistou-se na expedição missionária, integrando o grupo dos “companheiros do Brasil”, que partiria de Lisboa em 1570.

O martírio em alto-mar

A viagem decorreu sob ameaça constante. As rotas atlânticas eram frequentadas por corsários e piratas, muitos deles a soldo das potências protestantes que viam nos jesuítas inimigos da sua causa.

A 15 de julho de 1570, quando a nau Santiago, comandada por Inácio de Azevedo, navegava ao largo da ilha de La Palma, nas Canárias, foi atacada por corsários franceses sob o comando de Jacques Soria, um calvinista feroz.

Os jesuítas recusaram renegar a fé católica. Um a um, foram mortos e lançados ao mar – alguns ainda com vida – entoando cânticos e orações.

O covilhanense Francisco Álvares foi lançado vivo ao mar.

Os restantes companheiros

ADAUTO, irmão, João – Português, de Entre Douro e Minho, sobrinho do capitão da nau Santiago, foi confundido com os jesuítas, mas aceitou o martírio por desejar entrar para a Companhia. Foi lançado vivo ao mar.

ÁLVARES, irmão auxiliar, Gaspar – Português do Porto. Apunhalado, foi lançado vivo ao mar.

ÁLVARES, irmão auxiliar, Manuel – Português de Extremoz, nasceu em 1536 e entrou para a Companhia em 1559, em Évora. Era pastor de ofício. Foi lançado vivo ao mar.

ANDRADE, padre Diogo de – Português, de Pedrógão Grande, nasceu em 1531 e entrou para a Companhia em 1558, em Coimbra. Foi soto-ministro no Colégio de Coimbra e depois no de Santo Antão, em Lisboa. Exercia o ofício de ministro. Foi apunhalado e lançado ainda vivo ao mar.

AZEVEDO, padre Inácio de – Português, do Porto, nasceu em 1526 e entrou para a Companhia em 1548, em Coimbra. Foi Visitador do Brasil e o mentor do grupo de missionários que levava como Provincial do Brasil, nomeado pelo Padre Geral.

BAENA, irmão auxiliar, Afonse de – Espanhol, de Villalobas (Toledo), nasceu em 1539 e entrou para a Companhia em 1567. Era de profissão ourives e foi lançado vivo ao mar.

 

CALDEIRA, irmão estudante, Marcos – Português, de Santa Maria da Feira, nasceu em 1547 e entrou para a Companhia em 1569. Foi lançado vivo ao mar.

CASTRO, irmão estudante, Bento de – Português, de Chacim (Macedo de Cavaleiros), nasceu em 1543 e entrou para a Companhia em 1561, em Lisboa. Em 1569, estudava filosofia em Coimbra. Era Mestre de noviços e encarregado da catequese. Ferido com tiros e punhaladas, foi lançado ainda vivo ao mar, sendo o primeiro mártir.

CORREIA, irmão estudante, António – Português, do Porto, nasceu em 1553 e entrou para a Companhia em 1569. Estava em oração, quando recebeu violenta estocada na cabeça e foi lançado vivo ao mar.

CORREIA, irmão estudante, Luís – Português, de Évora. Foi lançado vivo ao mar.

COSTA, irmão auxiliar, Simão da – Português, do Porto, terá nascido por volta de 1551 e entrou para a Companhia pouco antes da viagem. Por ser noviço, ainda não trazia o hábito, no que foi tomado por filho de comerciante. Levado à presença de Sória, confirmou ser missionário, foi degolado e o seu corpo lançado ao mar a 16 de julho.

DELGADO, irmão estudante, Aleixo – Português, de Elvas, nasceu em 1555 e entrou para a Companhia em 1569, em Évora. Era excelente cantor e o mais jovem dos mártires. Foi lançado vivo ao mar.

DINIS, irmão estudante, Nicolau – Português de Bragança, nasceu em 1553 e entrou para a Companhia em 1570, em Val de Rosal. Tinha boa arte para representar. Foi lançado vivo ao mar.

ESCRIBANO, irmão auxiliar, Gregório – Espanhol, de Viguera (Logroño). Foi lançado vivo ao mar.

FERNANDES, irmão auxiliar, António – Português, de Montemor-o-Novo, nasceu em 1552 e entrou para a Companhia em 1570. Em Val de Rosal, era chefe de oficina de carpintaria. Foi apunhalado e lançado vivo ao mar.

FERNANDES, irmão auxiliar, Domingos – Português, de Borba, nasceu em 1551 e entrou para a Companhia em 1567, em Évora. Foi trespassado com uma lança e ainda vivo lançado ao mar.

FERNANDES, irmão estudante, João – Português, de Braga, nasceu em 1547 e entrou para a Companhia em 1569, em Coimbra. Foi lançado vivo ao mar.

FERNANDES, irmão estudante, João – Português, de Lisboa, nasceu em 1551 e entrou para a Companhia em 1568, em Coimbra. Foi lançado vivo ao mar.

FERNANDES, irmão auxiliar, Manuel – Português, de Celorico da Beira. Foi lançado vivo ao mar.

FONTOURA, irmão auxiliar, Pedro de – Português, de Chaves. Estando em oração, recebeu uma cutilada no rosto que lhe cortou a língua, sendo depois lançado ao mar.

GONÇALVES, irmão estudante, André – Português, de Viana d o Alentejo, tinha estudado na universidade de Évora. Foi lançado ao mar depois de apunhalado.

GODOY, irmão estudante, Francisco Pérez – Espanhol. De Torrijos (Toledo), nasceu em 1540 e entrou para a Companhia em 1569. Era parente de Santa Teresa de Jesus (de Ávila). Bacharel em cânones pela Universidade de Salamanca, sabia música e tocava vários instrumentos. Apunhalado, foi lançado ainda vivo ao mar.

HENRIQUES, irmão estudante, Gonçalo – Português, do Porto, era diácono. Foi lançado ao mar.

LOPES, irmão estudante, Simão – Português, de Ourém, entrou para a Companhia durante a viagem. Foi lançado vivo ao mar.

MAGALHÃES, irmão estudante, Francisco de – Português, de Alcácer do Sal, nasceu em 1549 e entrou para a Companhia em 1568, em Évora. Tinha aptidão para bom administrador e excelente voz de tenor. Foi lançado vivo ao mar.

MAIORGA, irmão auxiliar, João – Espanhol, de S. Jean Pied de Port (na época do domínio de Navarra), nasceu em 1533 e entrou para a Companhia em 1568. Era pintor de ofício. Foi lançado vivo ao mar.

MARTIM, irmão estudante, João de São – Espanhol, de Yuncos (Toledo), nasceu em 1550 e entrou para a Companhia em 1570, em Évora, quando estudava na Universidade de Alcalá. Foi ferido e lançado vivo ao mar.

MENDES, irmão estudante, Álvaro – Português, de Elvas, era excelente cantor. Foi lançado vivo ao mar.

NUNES, irmão estudante, Pedro – Português, de Fronteira. Foi lançado vivo ao mar.

PACHECO, irmão estudante, Manuel – Português, de Ceuta. Foi lançado vivo ao mar.

PIRES (Mimoso), irmão estudante, Diogo – Português, de Nisa, frequentou o curso de filosofia na Universidade de Évora. Foi trespassado com uma lança e o seu corpo deitado ao mar.

RIBEIRO, irmão auxiliar, Brás – Português, de Braga, nasceu em 1546 e entrou para a Companhia em 1569, no Porto. Estando recolhido a rezar, foi morto com uma cutilada na cabeça e o seu corpo lançado ao mar.

RODRIGUES, irmão estudante, Luís – Português, de Évora, nasceu em 1554 e entrou para a Companhia em 1570, em Évora. Foi lançado vivo ao mar.

RODRIGUES, irmão estudante, Manuel – Português, de Alcochete. Foi lançado vivo ao mar.

SANCHES, irmão estudante, Fernando – Espanhol, de Castela-a-Velha, foi estudante m Salamanca. Foi lançado vivo ao mar.

SOARES, irmão estudante, António – Português, de Trancoso, entrou para a Companhia em 1565, em Évora, onde passou todo o noviciado. Serviu como cozinheiro e enfermeiro e assumiu na nau o ofício de soto-ministro. Foi apunhalado e lançado vivo ao mar.

VAZ, irmão auxiliar, Amaro – Português, de Benfazer (Marco de Canavezes), nasceu em 1553 e entrou para a Companhia em 1569, no Porto. Foi lançado vivo ao mar, depois do seu corpo ser atravessado com punhaladas.

ZAFRA, irmão auxiliar, João de – Espanhol, de Jérez (Badajoz), entrou para a Companhia em 1570, em Évora. Foi lançado vivo ao mar.

ZUDAIRE, irmão auxiliar, Estêvão – Espanhol, de Zudaire (Navarra). Tinha o ofício de bordador. Foi lançado vivo ao mar.

Todos estes mártires foram beatificados a 11 de maio de 1854 pelo Papa Pio IX. Foram solenemente recordados por São João Paulo II no Jubileu do Ano 2000, que confirmou o culto aos Mártires do Brasil.

Biografia consultada: Os 40 Mártires o Brasil, de Eduardo Kol de Carvalho, Wikipédia, Biblioteca- Arquivo Municipal da Covilhã.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

 

(In “Jornal Fórum”, de 06-11-2025)

5 de novembro de 2025

OS 40 MÁRTIRES DO BRASIL E O BEATO FRANCISCO ÁLVARES O CARDADOR DA COVILHÃ QUE DEU A VIDA PELA FÉ




 

Em meados do século XVI, Portugal vivia o auge das grandes viagens e da expansão missionária.

Em 1570, um grupo de 40 missionários jesuítas, liderados por Inácio de Azevedo, partiu de Lisboa rumo ao Brasil com o propósito de evangelizar as novas terras. Jovens de várias origens e profissões – estudantes, artesãos, músicos e trabalhadores – formavam aquela que foi a maior expedição missionária jamais enviada por Portugal.

Depois de meses de preparação na Quinta do Val do Rosal, na Charneca da Caparica, a 5 de junho de 1570 embarcaram na nau Santiago. Ao largo das Canárias, a 15 de julho de 1570, foram atacados por corsários franceses comandados por Jacques Soria, um calvinista ao serviço da rainha de Navarra. Recusando renegar a fé, os jesuítas foram assassinados e lançados ao mar, entoando cânticos e orações.

Entre eles encontrava-se Francisco Álvares, natural da Covilhã. Estavam então reunidos os 40 companheiros na nau Santiago.

A 5 de junho do ano de 1570, a armada deixou a barra de Lisboa, rumo ao imenso oceano, que era a estrada que os deveria levar ao Brasil. Levaram sete dias até chegarem à Ilha da Madeira.

Naquele sábado, 15 de julho de 1570, do promissor grupo de 40 missionários, que o padre Inácio de Azevedo preparara tão esforçadamente para evangelizar os territórios do imenso Brasil, só mesmo escapara à morte o irmão João Sanches, que haveria de ser a testemunha do martírio dos 40 companheiros.

Os Mártires

Um cardador que sonhou ser missionário

ÁLVARES, irmão auxiliar, Francisco – português, nascido na Covilhã em 1539, tendo entrado para a Companhia em 1554, em Évora. Era por ofício cardador. A cidade era um dos grandes centros da indústria de lanifícios portuguesa. Dedicava-se à cardação, um ofício modesto, mas essencial, símbolo do esforço e da dignidade do trabalho, partilhando a vida simples e laboriosa dos operários têxteis da sua terra. Homem de fé viva e carácter humilde, sentiu o chamamento de Deus e decidiu consagrar-se à vida religiosa, ingressando na Companhia de Jesus como irmão coadjutor – um dos jesuítas leigos que apoiavam as missões com o trabalho manual e o testemunho de vida.  O seu destino cruzou-se com o padre Inácio de Azevedo, visitador das missões jesuítas no Brasil, que regressara a Portugal para recrutar novos missionários. Francisco Álvares             respondeu ao apelo e alistou-se na expedição missionária, integrando o grupo dos “companheiros do Brasil”, que partiria de Lisboa em 1570.

O martírio em alto-mar

A viagem decorreu sob ameaça constante. As rotas atlânticas eram frequentadas por corsários e piratas, muitos deles a soldo das potências protestantes que viam nos jesuítas inimigos da sua causa.

A 15 de julho de 1570, quando a nau Santiago, comandada por Inácio de Azevedo, navegava ao largo da ilha de La Palma, nas Canárias, foi atacada por corsários franceses sob o comando de Jacques Soria, um calvinista feroz.

Os jesuítas recusaram renegar a fé católica. Um a um, foram mortos e lançados ao mar – alguns ainda com vida – entoando cânticos e orações.

O covilhanense Francisco Álvares foi lançado vivo ao mar.

Os restantes companheiros

ADAUTO, irmão, João – português, de Entre Douro e Minho, sobrinho do capitão da nau Santiago, foi confundido com os jesuítas, mas aceitou o martírio por desejar entrar para a Companhia. Foi lançado vivo ao mar.

ÁLVARES, irmão auxiliar, Gaspar – português, do Porto. Apunhalado, foi lançado vivo ao mar.

ÁLVARES, irmão auxiliar, Manuel – português, de Extremoz, nasceu em 1536 e entrou para a Companhia em 1559, em Évora. Era pastor de ofício. Foi lançado vivo ao mar.

ANDRADE, padre Diogo de – português, de Pedrógão Grande, nasceu em 1531 e entrou para a Companhia em 1558, em Coimbra. Foi soto-ministro no Colégio de Coimbra e depois no de Santo Antão, em Lisboa. Exercia o ofício de ministro. Foi apunhalado e lançado ainda vivo ao mar.

AZEVEDO, padre Inácio de – português, do Porto, nasceu em 1526 e entrou para a Companhia em 1548, em Coimbra. Foi Visitador do Brasil e o mentor do grupo de missionários que levava como Provincial do Brasil, nomeado pelo Padre Geral.

BAENA, irmão auxiliar, Afonse de – espanhol, de Villalobas (Toledo), nasceu em 1539 e entrou para a Companhia em 1567. Era de profissão ourives e foi lançado vivo ao mar.

CALDEIRA, irmão estudante, Marcos – português, de Santa Maria da Feira, nasceu em 1547 e entrou para a Companhia em 1569. Foi lançado vivo ao mar.

CASTRO, irmão estudante, Bento de – português, de Chacim (Macedo de Cavaleiros), nasceu em 1543 e entrou para a Companhia em 1561, em Lisboa. Em 1569, estudava filosofia em Coimbra. Era Mestre de noviços e encarregado da catequese. Ferido com tiros e punhaladas, foi lançado ainda vivo ao mar, sendo o primeiro mártir.

CORREIA, irmão estudante, António – português, do Porto, nasceu em 1553 e entrou para a Companhia em 1569. Estava em oração, quando recebeu violenta estocada na cabeça e foi lançado vivo ao mar.

CORREIA, irmão estudante, Luís – português, de Évora. Foi lançado vivo ao mar.

COSTA, irmão auxiliar, Simão da – português, do Porto, terá nascido por volta de 1551 e entrou para a Companhia pouco antes da viagem. Por ser noviço, ainda não trazia o hábito, no que foi tomado por filho de comerciante. Levado à presença de Sória, confirmou ser missionário, foi degolado e o seu corpo lançado ao mar a 16 de julho.

DELGADO, irmão estudante, Aleixo – português, de Elvas, nasceu em 1555 e entrou para a Companhia em 1569, em Évora. Era excelente cantor e o mais jovem dos mártires. Foi lançado vivo ao mar.

DINIS, irmão estudante, Nicolau – Português de Bragança, nasceu em 1553 e entrou para a Companhia em 1570, em Val de Rosal. Tinha boa arte para representar. Foi lançado vivo ao mar.

ESCRIBANO, irmão auxiliar, Gregório – espanhol, de Viguera (Logroño). Foi lançado vivo ao mar.

FERNANDES, irmão auxiliar, António – português, de Montemor-o-Novo, nasceu em 1552 e entrou para a Companhia em 1570. Em Val de Rosal, era chefe de oficina de carpintaria. Foi apunhalado e lançado vivo ao mar.

FERNANDES, irmão auxiliar, Domingos – português, de Borba, nasceu em 1551 e entrou para a Companhia em 1567, em Évora. Foi trespassado com uma lança e ainda vivo lançado ao mar.

FERNANDES, irmão estudante, João – português, de Braga, nasceu em 1547 e entrou para a Companhia em 1569, em Coimbra. Foi lançado vivo ao mar.

FERNANDES, irmão estudante, João – português, de Lisboa, nasceu em 1551 e entrou para a Companhia em 1568, em Coimbra. Foi lançado vivo ao mar.

FERNANDES, irmão auxiliar, Manuel – português, de Celorico da Beira. Foi lançado vivo ao mar.

FONTOURA, irmão auxiliar, Pedro de – português, de Chaves. Estando em oração, recebeu uma cutilada no rosto que lhe cortou a língua, sendo depois lançado ao mar.

GONÇALVES, irmão estudante, André – português, de Viana d o Alentejo, tinha estudado na universidade de Évora. Foi lançado ao mar depois de apunhalado.

GODOY, irmão estudante, Francisco Pérez – espanhol. De Torrijos (Toledo), nasceu em 1540 e entrou para a Companhia em 1569. Era parente de Santa Teresa de Jesus (de Ávila). Bacharel em cânones pela Universidade de Salamanca, sabia música e tocava vários instrumentos. Apunhalado, foi lançado ainda vivo ao mar.

HENRIQUES, irmão estudante, Gonçalo – português, do Porto, era diácono. Foi lançado ao mar.

LOPES, irmão estudante, Simão – português, de Ourém, entrou para a Companhia durante a viagem. Foi lançado vivo ao mar.

MAGALHÃES, irmão estudante, Francisco de – português, de Alcácer do Sal, nasceu em 1549 e entrou para a Companhia em 1568, em Évora. Tinha aptidão para bom administrador e excelente voz de tenor. Foi lançado vivo ao mar.

MAIORGA, irmão auxiliar, João – espanhol, de S. Jean Pied de Port (na época do domínio de Navarra), nasceu em 1533 e entrou para a Companhia em 1568. Era pintor de ofício. Foi lançado vivo ao mar.

MARTIM, irmão estudante, João de São – espanhol, de Yuncos (Toledo), nasceu em 1550 e entrou para a Companhia em 1570, em Évora, quando estudava na Universidade de Alcalá. Foi ferido e lançado vivo ao mar.

MENDES, irmão estudante, Álvaro – português, de Elvas, era excelente cantor. Foi lançado vivo ao mar.

NUNES, irmão estudante, Pedro – português, de Fronteira. Foi lançado vivo ao mar.

PACHECO, irmão estudante, Manuel – português, de Ceuta. Foi lançado vivo ao mar.

PIRES (Mimoso), irmão estudante, Diogo – português, de Nisa, frequentou o curso de filosofia na Universidade de Évora. Foi trespassado com uma lança e o seu corpo deitado ao mar.

RIBEIRO, irmão auxiliar, Brás – português, de Braga, nasceu em 1546 e entrou para a Companhia em 1569, no Porto. Estando recolhido a rezar, foi morto com uma cutilada na cabeça e o seu corpo lançado ao mar.

RODRIGUES, irmão estudante, Luís – português, de Évora, nasceu em 1554 e entrou para a Companhia em 1570, em Évora. Foi lançado vivo ao mar.

RODRIGUES, irmão estudante, Manuel – português, de Alcochete. Foi lançado vivo ao mar.

SANCHES, irmão estudante, Fernando – espanhol, de Castela-a-Velha, foi estudante em Salamanca. Foi lançado vivo ao mar.

SOARES, irmão estudante, António – português, de Trancoso, entrou para a Companhia em 1565, em Évora, onde passou todo o noviciado. Serviu como cozinheiro e enfermeiro e assumiu na nau o ofício de soto-ministro. Foi apunhalado e lançado vivo ao mar.

VAZ, irmão auxiliar, Amaro – português, de Benfazer (Marco de Canavezes), nasceu em 1553 e entrou para a Companhia em 1569, no Porto. Foi lançado vivo ao mar, depois do seu corpo ser atravessado com punhaladas.

ZAFRA, irmão auxiliar, João de – espanhol, de Jérez (Badajoz), entrou para a Companhia em 1570, em Évora. Foi lançado vivo ao mar.

ZUDAIRE, irmão auxiliar, Estêvão – espanhol, de Zudaire (Navarra). Tinha o ofício de bordador. Foi lançado vivo ao mar.

Os 40 missionários ficaram conhecidos como Mártires do Brasil. O Papa Pio IX proclamou-os beatos a 11 de maio de 1854, e São João Paulo II recordou-os solenemente no Jubileu do Ano 2000, confirmando o seu culto.

A memória destes jovens, que partiram com ardor apostólico e encontraram a morte no mar, é símbolo da coragem e da fé que animaram a primeira geração missionária portuguesa. Entre eles, o humilde cardador da Covilhã, Francisco Álvares, eleva o nome da sua terra como exemplo de fidelidade, serviço e entrega total a Deus.

Fontes: Os 40 Mártires o Brasil, de Eduardo Kol de Carvalho, Wikipédia, Biblioteca- Arquivo Municipal da Covilhã.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-11-2025)

22 de outubro de 2025

O VISIONÁRIO

 

Um visionário é alguém capaz de ver além do momento presente, antecipando necessidades que muitos sequer conseguem vislumbrar. Acima de tudo, são pessoas ambiciosas, movidas pela convicção de que podem transformar o mundo.

Steven Paul Jobs (Steve Jobs), Mark Elliot Zuckerberg (Mark Zuckerberg), Thomas John Watson (Thomas Watson), Henry Ford, entre outros, foram empreendedores que demostraram essa visão ao longo das suas trajetórias profissionais.

Um exemplo claro da falta de visão pode ser observado diariamente nas transmissões televisivas das famosas discussões parlamentares. Isso não é visão – é perda e tempo. O mais importante parece ser o politicamente correto, agradar a todos, evitar a disrupção. Em suma, ser apenas mais um entre muitos.

Ser visionário implica saber e querer agir.

Steve Jobs não foi, nem será, o único visionário. Mas foi corajoso o suficiente para enfrentar negações, contradições e descrenças ao longo da sua vida. Este inventor, empresário e magnata norte-americano destacou-se como cofundador, presidente e diretor executivo da Apple Inc., revolucionando seis indústrias: computadores pessoais, filmes de animação, música, telefones, tablets e publicações digitais. Faleceu em 5 de outubro de 2011.

ERNESTO CRUZ –

Um Visionário da Indústria, Um Industrial do seu Tempo.

Sobre esta figura marcante da Covilhã, escrevi um pequeno livro biográfico a pedido da Câmara Municipal da Covilhã, em 2010 que depressa se esgotou.

Deste valoroso industrial laneiro covilhanense, emergem episódios fascinantes da sua vida multifacetada. Destaco aqui um momento que revela o seu humor e destemor:

Durante uma viagem de negócios de avião, acompanhado pelo industrial António Pereira Nina, ocorreu o seguinte episódio:

“Numa bela noite, em viagem de Londres para Lisboa, na companhia de dois bons amigos – Ernesto Cruz e José Cruz Alves da Silva – num avião a jato, aconteceu algo que ainda hoje guardo na memória. Num dado momento, eu, que viajava junto à janela, notei que dos escapes dos reatores saíam enormes línguas de fogo, aparentemente além do normal. Preocupado, dirigi-me ao amigo Ernesto Cruz, que ia ao meu lado, e disse-lhe:

 – Ó Ernesto, parece-me que estamos correndo risco; o avião dá ideia de que vai pegar fogo! Ao que ele, com aquela filosofia que lhe era peculiar, respondeu:

 O que é que você tem com isso? O avião é seu?

Quem teve o privilégio de conviver com tão saudoso amigo recorda bem, através deste episódio, o porte altivo que ele possuía – aqui bem demonstrado.”

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-10-2025)


Capelão Militar ALBERTO MATOS ALMEIDA *


 

Chegou a vez de incluir neste espaço um nome sobejamente conhecido dos covilhanenses – e não só –, trazendo para a ribalta o amigo Padre Alberto, figura cativante que, com frequência, reúne em tertúlias os amigos e antigos combatentes.

Alberto Matos de Almeida nasceu em 10 de novembro de 1940, em Famalicão da Serra, em plena Segunda Guerra Mundial, marcada pelas suas duras consequências humanas, sociais e políticas. Cresceu num ambiente rural montanhoso: o pai era alfaiate e a mãe dividia o tempo entre a agricultura familiar e as tarefas domésticas. Eram tempos difíceis para a maioria das famílias.

Para prosseguir os estudos, Alberto tinha como única alternativa ingressar no Seminário do Fundão. As mensalidades, bastante onerosas, foram suportadas com a ajuda monetária de um tio. Mais tarde, concluiu o Curso de Teologia no Seminário Maior da Guarda e foi ordenado sacerdote a 28 de julho de 1963, na Sé da Guarda, pelo Bispo D. Policarpo da Costa Vaz.

Foi nomeado pároco de Aldeia do Bispo e Vale da Serra, no concelho da Guarda, cargo que exerceu durante dois anos. Paralelamente, foi revisor de provas do jornal A Guarda e de outras publicações durante sete anos, além de integrar, com o Cónego Norberto, a equipa na Câmara Eclesiástica Egitaniense.

Mais tarde seguiu para a Academia Militar, onde frequentou um curso preparatório para Capelães Militares. Na Guiné, durante a guerra subversiva, chegaram a exercer essa missão cento e dois sacerdotes no Exército, sete na Força Aérea e quatro na Marinha.

O Padre Alberto iniciou a sua missão militar prestando serviço de capelania no Regimento de Infantaria nº. 15, em Tomar. Posteriormente, foi mobilizado para integrar o Batalhão de Cavalaria nº. 2992. Embarcou a 3 de julho de 1970 no paquete Uíge, que, apesar de ter capacidade para 750 pessoas, transportava 1.200 militares em condições precárias. Como recorda: “Éramos carne para canhão”.

Destacado para Piche com o seu Batalhão, o Capelão Militar, Alferes Miliciano Alberto Matos Almeida acompanhou as companhias distribuídas por diversas localidades – Canajá, Canquelifá, Bojocunda, Pirada, entre outras –, numa vasta região de etnia fula, onde a guerra de guerrilha estava particularmente acesa.

Durante dois anos viveu o drama de perder cerca de cinquenta militares em combate, números que espelhavam bem a dureza do conflito. Sobre esta experiência, o Padre Alberto recorda:

 “Não é fácil, em ambiente de guerra, desenvolver uma ação pastoral normal. Queriam dar-me uma arma, mas recusei, porque a minha verdadeira arma era a minha presença com uma viola. Muitas vezes percorri tabancas, abrigos, aquartelamentos e o mato para levar mensagens de fé, esperança, um pouco de alegria e de conforto. Foi uma experiência dolorosa, mas também enriquecedora, pois conheci dificuldades impensáveis, alimentei-me com rações de combate e comi muito arroz com estilhaços de frango. Acima de tudo, convivi com militares, muitos deles casados e pais de família, que viam em mim um suporte psicológico e espiritual.  Estive sempre próximo das suas dificuldades, que também eram as minhas, embora tivesse de as guardar em silêncio.”

A 20 de junho de 1972 regressou à Metrópole, concluída a Comissão Militar, recusando o convite para continuar no serviço de Capelão Militar. Assumiu, então, a paróquia do Canhoso (Covilhã).

Atualmente é Pároco no Teixoso, Sarzedo, Orjais e Verdelhos, onde exerce a sua missão pastoral desde 1995. As comunidades reconhecem-lhe o empenho e o trabalho desenvolvido ao longo dos anos tendo sido homenageado pela União de Freguesias da Covilhã e Canhoso, e, por deliberação de 5 de julho de 2013 a Câmara Municipal da Covilhã atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Municipal – Categoria Prata.

João de Jesus Nunes

*A biografia deste antigo combatente deve-se ao contributo do amigo António Alves Fernandes, a quem o autor agradece.

(In “O Combatente da Estrela”, nº. 140 – OUT/2025)

 

DO ESTADO NOVO, PASSANDO PELO MOVIMENTO NACIONAL FEMININO, AO ESTADO DEMOCRÁTICO

 

A história política de Portugal na segunda metade do século XX é marcada por uma profunda rutura estrutural: a passagem de um regime autoritário, de matriz corporativista e nacionalista, para um sistema democrático, pluralista e descentralizado. A análise deste percurso, que atravessa o Estado Novo (1933-1974), a criação e atuação do Movimento Nacional Feminino (1961-1974) e a subsequente construção do Estado Democrático (a partir de 1974), revela não apenas mudanças políticas, mas também transformações sociais e culturas profundas, muitas das quais vividas intensamente pelas Forças Armadas e pelos combatentes portugueses.

O Estado Novo, uma ditadura de longa duração, foi instituído formalmente pela Constituição de 1933, consolidando o regime autoritário construído por António de Oliveira Salazar a partir da Ditadura Militar de 1926. Estruturado sob os princípios do corporativismo, do nacionalismo católico e do antiliberalismo, o regime reforçou o poder executivo, restringiu os partidos políticos (mantendo apenas a União Nacional como partido único) e limitou direitos fundamentais através de mecanismos como a censura prévia e a atuação da Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE).

No plano económico, a política do Estado Novo privilegiou a autarcia, a disciplina orçamental e a estabilidade monetária, sacrificando o desenvolvimento industrial e social. O regime também reforçou uma visão imperial, consagrada no Ato Colonial de 1930 e reafirmada na Constituição de 1933, que considerava as colónias ultramarinas parte integrante da Nação. Essa visão justificou a manutenção do império português, mesmo perante as pressões internacionais do pós-Segunda Guerra Mundial, e esteve na origem da Guerra Colonial.

A Guerra Colonial (1961 – 1974) marcou uma geração inteira de portugueses. Iniciada com os ataques em Angola (4 de fevereiro de 1961), rapidamente se estendeu a Guiné-Bissau (1963) e Moçambique (1964), envolvendo mais de 800 mil militares ao longo de 13 anos de conflito. Este esforço de guerra prolongado desgastou profundamente o regime, que, mesmo após a morte de Salazar (1970) e a ascensão de Marcelo Caetano, não conseguiu encontrar uma solução política para o impasse colonial.

O Movimento Nacional Feminino (MNF), fundado em 28 de abril de 1961 por 25 mulheres sob a liderança de Cecília Supico Pinto, surgiu como uma organização de apoio logístico e moral às Forças Armadas. Embora intimamente ligado ao regime salazarista, o MNF constituiu uma rede voluntária de milhares de mulheres que, a partir de Portugal continental, dinamizavam campanhas de angariação de bens, organizavam “aerogramas” e pacotes destinados aos combatentes e visitavam teatros de operações no Ultramar. Foi uma resposta patriótica aos sucessivos eventos ocorridos contra o Estado Novo nesse ano, como o desvio do navio Santa Maria pelo capitão Henrique Galvão (1895 – 1970), em 22 de janeiro, e os primeiros ataques em Luanda (4 de fevereiro) e no norte de Angola (15 de março), que desencadearam a Guerra do Ultramar. Promoveram também a iniciativa das Madrinhas de Guerra.

A atuação do MNF, ainda que integrada na propaganda oficial, conferiu às mulheres uma visibilidade pública inédita no contexto conservador do Estado Novo, reforçando o seu papel social sob o ideal de “mãe-pátria”. Este movimento foi, simultaneamente, uma expressão de nacionalismo do regime e um fenómeno social de mobilização civil em tempo de guerra, contribuindo para mitigar o isolamento sentido por muitos militares destacados em África.

O prolongamento da guerra, o isolamento internacional de Portugal e a insatisfação crescente entre os militares levaram ao 25 de Abril de 1974, a chamada Revolução dos Cravos, protagonizada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). A revolução derrubou pacificamente o regime e iniciou o Processo Revolucionário em Curso (PREC), um período (1974 – 1976) caraterizado por intensa mobilização social, instabilidade política e redefinição do papel das Forças Armadas.

A aprovação da Constituição de 1976 consolidou os alicerces do Estado Democrático, incluindo a separação de poderes, o sufrágio universal, os direitos fundamentais e a descentralização política. A nova ordem constitucional reconheceu o fim do império colonial, afirmando a autodeterminação dos povos africanos e encerrando o ciclo histórico do colonialismo português.

O percurso histórico entre 1933 e 1976 reflete tensões entre autoritarismo, colonialismo, modernização e democratização. Para os antigos combatentes, este período permanece particularmente significativo: muitos viveram o contraste entre a mobilização em nome do império e a transição para um país democrático e europeu.

Recordar o Estado Novo, o Movimento Nacional Feminino e a construção do Estado Democrático não é apenas um exercício académico, mas também um ato de justiça histórica. A memória destes acontecimentos permite compreender melhor os sacrifícios e a coragem das gerações que serviram Portugal em tempos de mudança, preservando o seu legado para as novas gerações.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Combatente da Estrela”, nº. 140 – OUT/2025)

 


3 de outubro de 2025

ENTRE O “LIXO” E O PRESTÍGIO: A PARADOXAL VIAGEM DE PORTUGAL NOS RATINGS


 

Somos um país de brandos costumes. Entusiasmamo-nos com a efusão daqueles dias que não afetam diretamente as nossas vidas. Apesar do desalento e da desilusão provocados pela terrível devastação dos fogos, os pesadelos acabam por passar e os sonhos voltam. Mas nem todos querem ou podem renascer das cinzas.

Já não são só as alterações climáticas a causarem preocupação acrescida. É o homem que não se preocupa – não apenas consigo, mas também com os vindouros – mesmo estando à beira da catástrofe.

Em 2011, Portugal foi sacudido por uma expressão que feriu o nosso orgulho coletivo: as agências de rating internacionais classificaram a dívida soberana do país como “lixo”. Também eu manifestei a minha indignação, na comunicação social, quando a Moody’s colocou Portugal naquela situação. Reporto-me a um artigo de 13-07-2011, publicado no Notícias da Covilhã, onde escrevi:

“E, nesta lixadela, vale mais mandá-los às malvas, ou mais propriamente, para o rating que os parta!”.

E mais adiante:

 “É em plena época estival que vem uma agência de rating do Pacífico, e também do Atlântico, deixar-nos lixados com a sua ‘oferta’ de nível de lixo, pelo que apetece dizer: Que se lixem! Ou mesmo, ide-vos lixar!”

De repente, a palavra usada no quotidiano para designar o que não tem valor passou a definir a confiança dos mercados em nós. Era o tempo da intervenção externa, da troika, da austeridade dura, da emigração forçada de milhares de jovens qualificados. O país sentia-se diminuído, olhado de fora como um território pouco credível para investir.

Paradoxalmente, esse mesmo Portugal é hoje elogiado pelas mesmas agências, que subiram a classificação da nossa dívida para patamares de confiança. A economia apresenta indicadores de robustez, o défice orçamental tornou-se excedente em certos momentos, a dívida pública recua timidamente em percentagem do PIB e as exportações, o turismo e setores inovadores ganham novo fôlego. O país que era “lixo” é agora considerado seguro, estável, recomendável.

Mas a pergunta que se impõe é inevitável: mudou assim tanto Portugal?

Se olharmos para as ruas, percebemos que a vida das famílias continua marcada por salários baixos, habitação proibitiva para jovens e classes médias, serviços públicos sob pressão e uma perceção generalizada de desigualdade. A macroeconomia sobe de patamar. Mas a microeconomia – a vida real de quem conta cada euro no final do mês – nem sempre acompanha.

Este paradoxo é revelador: os ratings medem a confiança dos mercados financeiros, não a felicidade das pessoas. O país pode estar melhor visto lá fora, sem que isso signifique que os cidadãos sintam esse progresso no bolso ou no dia a dia. Ainda assim, não devemos menosprezar a diferença: ter a confiança dos mercados significa juros mais baixos, dívida mais barata, mais margem para investir. É um círculo virtuoso que pode – se bem aproveitado – traduzir-se em benefícios concretos para a sociedade.

Em 2011, Portugal era o retrato da desconfiança; em 2025, é a imagem de uma recuperação reconhecida. Entre o “lixo” e o prestígio decorre a mesma realidade nacional: um povo resistente, capaz de se reinventar, mas que ainda espera que as estatísticas do crescimento se transformem em qualidade de vida efetiva.

Talvez este seja o verdadeiro desafio para o futuro: não apenas sermos classificados como recomendáveis nos mercados, mas sobretudo sermos reconhecidos como um país onde vale a pena viver, trabalhar e sonhar.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-10-2025)

2 de outubro de 2025

AUTÁRQUICAS EM MOVIMENTO: AMBIÇÕES, ESTRATÉGIAS E O PODER LOCAL


 

À medida que se aproximam as eleições autárquicas, o país enche-se de cartazes, slogans ambiciosos e promessas renovadas – muitas vezes, apenas recicladas. Multiplicam-se candidatos, todos convictos de possuir a chave para o desenvolvimento local.

Para uns, este é o momento maior da democracia de proximidade; para outros, com natural ceticismo, não passa de um desfile de rostos sorridentes e frases feitas, atrás dos quais se pode esconder o mesmo enredo de sempre – um palco de vaidades e estratégias pessoais, onde os eleitores acabam muitas vezes reduzidos a plateia, em vez de protagonistas.

Curioso é notar que alguns autarcas, impossibilitados de renovar o mandato nos seus concelhos, optam por se candidatar noutras paragens. A geografia política transforma-se, assim, num tabuleiro de xadrez em que o essencial é não perder o lugar de topo. Trocam-se freguesias por cidades, concelhos por vilas, mas permanece a ambição de se manter na ribalta – quase como quem muda de camisola para não sair do jogo.

Não falta legitimidade a quem deseja continuar a servir a causa pública. Contudo, esta “dança de cadeiras” levanta questões inevitáveis: trata-se de vocação ou de carreira? De serviço ou de poder? Em ano de eleições, o eleitorado, tantas vezes esquecido entre mandatos, volta a ser cortejado. Entre promessas e discursos inflamados, cabe a cada cidadão separar o trigo do joio, distinguindo quem de facto se compromete com a sua terra de quem apenas procura mais um degrau na escalada política.

Entre mandatos, o povo é frequentemente esquecido. Mas, quando chega setembro ou outubro, voltam todos a bater-lhe à porta – com um sorriso ensaiado e a mão estendida.

Por isso, é ao a cidadão – o único que detém, verdadeiramente, a chave da mudança – que cabe avaliar com rigor quem se apresenta. É preciso olhar para além dos cartazes, ouvir para lá das promessas e, sobretudo, perceber quem tem obra feita e quem vive apenas de ambição.

A democracia sustenta-se em escolhas conscientes e informadas. As autárquicas são um ato de confiança. Não nos deixemos enganar pela espuma dos dias nem pelo marketing político. No fim, a força da democracia não reside nas cadeiras que alguns disputam, mas na lucidez com que o povo escolhe quem nelas se senta.

Que estas eleições sirvam, acima de tudo, para reforçar a voz dos cidadãos – e não para alimentar vaidades ou perpetuar jogos de poder mais do que alimentar vaidades ou perpetuar jogos de poder. Porque  o verdadeiro protagonista deveria ser sempre o povo: aquele que, em silêncio, decide o rumo das suas terras e confia, a cada quatro anos, que os eleitos honrem o peso do voto que lhes foi dado.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In Jornal “Cinco Quinas”, Sabugal, de outubro 2025)

18 de setembro de 2025

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS: A DANÇA DAS CADEIRAS POLÍTICAS

 

À medida que se aproximam as eleições autárquicas, o país veste-se de cartazes, slogans ambiciosos e promessas renovadas – muitas vezes, apenas recicladas. Multiplicam-se candidatos, cada um mais convicto do que o outro de possuir a chave para o desenvolvimento local.

Há quem veja este momento como a festa da democracia local; outros, com um certo ceticismo, assistem ao desfile de rostos sorridentes e frases feitas, perguntando-se se, por trás de tanta cor e otimismo, não se esconde o mesmo enredo de sempre, num palco de vaidades e estratégias pessoais, onde os eleitores se veem mais como plateia do que como protagonistas.

Curioso é notar que, entre tantos candidatos, alguns, já sem possibilidade de renovar o mandato no seu concelho, decidem aventurar-se em novas praças. A geografia política parece, assim, um tabuleiro de xadrez onde o importante é não perder o lugar de topo. Trocam-se freguesias por cidades, concelhos por vilas, mas permanece a ambição de se manter na ribalta.

Trocam-se concelhos como quem troca de camisola – mas como o mesmo objetivo: não perder o poder

Não que falte legitimidade a quem deseja continuar a servir a causa pública. Porém, esta “dança de cadeiras” levanta questões inevitáveis: trata-se de vocação ou de carreira? De serviço ou de poder? Em ano de eleições, o eleitorado, tantas vezes esquecido entre mandatos, volta a ser cortejado. E, entre promessas e discursos inflamados, cabe a cada cidadão separar o trigo do joio, distinguir quem de facto se compromete com a terra de quem apenas procura mais um degrau na escalada política.

Curioso é o número de candidatos dispostos a tudo para manter o “lugar de topo”. Até que ponto esta mobilidade reflete vontade de servir, ou apenas medo de desaparecer dos holofotes?

Entre mandatos, o eleitorado parece esquecido. Mas, quando chega setembro ou outubro, todos voltam a bater à porta do povo, com um sorriso treinado e uma mão estendida.

Cabe, por isso, a cada cidadão – o único que tem, de facto, a chave da mudança – avaliar com rigor quem se apresenta. Olhar para além dos cartazes, ouvir para lá das promessas e, sobretudo, perceber quem tem trabalho feito e quem vive apenas de ambição.

A democracia vive da escolha consciente e informada. As autárquicas são um ato de confiança. Que não nos deixemos levar pela espuma dos dias nem pelo marketing político. Porque, no final, a verdadeira força da democracia não está nas cadeiras que alguns disputam, mas na lucidez com que o povo escolhe quem se senta nelas.

Que estas eleições autárquicas sirvam, então, para reforçar a voz dos cidadãos, mais do que alimentar vaidades ou perpetuar jogos de poder. Porque, no fim, o verdadeiro protagonista deveria ser sempre o povo – aquele que, em silêncio, decide o rumo das suas terras e confia, a cada quatro anos, que os eleitos honrem o peso do voto que lhes foi dado.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-09-2025)