8 de janeiro de 2009

COLAPSO

O ano de 2008 acaba por não ser só mais um que passa e nos vai aproximando do ocaso, aguçando a idade na luz invernal. Ele foi o início duma das maiores crises de sempre, se não a maior, da história portuguesa.
Enfim, mas em todos os países do mundo, cada um com o seu jeito próprio de falar, há parolos, sem se conseguirem transformar em elementos válidos da sociedade, isto numa adaptação dum texto de Miguel Esteves Cardoso, em “A Encomenda das Almas” (in “Expresso”, de 17/07/1987).
Os parolos portugueses não são todos iguais. São livres, respeitados, encorajados. Havia o labrego que é o parolo dos primórdios, ao contrário dos foleiros que são uns brutos.
Existe uma espécie de labrego que, apesar de contactar com o “modus vivendi” citadino não chega a transformar-se em parolo. É o pé-descalço que é o labrego confuso e aturdido, no povo ofensivo.
A foleirice é mais do que uma condição – é uma maneira de ser, uma filosofia de vida. Está institucionalizada. Está no Governo, dá na televisão, durará para sempre.
Ser foleiro está ao alcance de qualquer um: levar arroz de frango para a praia, guardar as cuecas velhas para polir o carro, passar o domingo no shopping, tirar a cera dos ouvidos com a tampa da esferográfica, exigir que lhe chamem “doutor” ou “engenheiro”, já ter ido à bruxa; filhos baptizados e de catecismo na mão mas nunca pôr os pés na igreja, não ser racista mas abrir uma excepção com os ciganos, ou ter três telemóveis.
Ser foleiro significa não pensar no que se faz. Há ainda o azeiteiro, que não tem pretensões e, de bom grado, dá barraca. O azeiteiro é o foleiro falador, sempre franco e sincero, incansável na maneira como está a recordar a infância miserável, os privilégios que não teve, etc. Existe ainda o burgesso, que é o foleiro burguês, o cavalheiro a fingir. O burgesso gasta uma fortuna nas lojas “finas”, só que depois não sabe combinar as coisas, confia no gosto dos outros, sabendo que não o tem. É de todas as classes sociais. Há o burgesso envergonhado, que procura não incomodar e que não nos apresenta constantemente os seus sinais exteriores de riqueza. Há ainda outras classes como os otários e os chico espertos.
No meio de tudo isto, Portugal está perigoso. E a sensação generalizada é de estarmos no meio da ponte, sem se ter a certeza para onde ir. A disposição era de mandar às malvas a situação económica do país. Parece que não há presente, mas tão só passado e futuro. O presente é uma fronteira imaginária, perenemente móvel. A informação que temos é toda ela do passado. E a decisão destina-se a produzir efeitos no futuro, do qual apenas sabemos que não vai ser igual ao passado.
E, se atentarmos sobre notícias dos nossos mui estimados governantes, ex-governantes e defensores das causas da justiça, e dos direitos de todos nós (que Deus sempre os proteja), é vê-los “honrosos” pensionistas, “honestas” figuras que conhecemos duma fluência oratória, com reformas, subsídios de reintegração, e demais mordomias, aos milhões de euros, sem mentir, porquanto estão bem patentes numa bíblia que se chama “Diário da República”. Enervante situação, comparativa, para quem espera uma reforma aos 65 anos, sem penalizações, é ver estes nababos a surgirem (alguns deles por estranha incapacidade) com as suas “alegrias vitalícias” em idades inferiores a 55 anos, e alguns antes dos 50 anos.
O que se passou ao longo do famigerado 2008, e anteriores anos, é demasiado forte para que os parolos, os labregos, os foleiros e os azeiteiros; por que muitos de nós passámos na mente dos homens da governação, aproveitando-se da sua situação de homens do Estado; deixem continuar a ver a banda passar, e, no meio da mesma, os senhores governantes se dêem ao luxo de tocar guitarra.
Como é que, num país tão pequeno, ainda não se chegou ao fim de processos judiciais já sobejamente conhecidos do pobre povo português, só porque os 30 dinheiros de Judas conseguem manter a envolvente tentacular do grande polvo?
Tal como em 1929, vem agora uma nova crise mundial, para fazer rebentar o balão, e, assim, dar uma ajuda ao governo português na desculpa pelo que não conseguiu fazer, sorrindo embora pela incapacidade e inexistência de uma oposição alternativa; sabendo-se que, desta vez, a “bolha” que rebentou não foi tanto a especulação bolsista mas o crédito fácil. E, da inflação estamos a caminho da deflação.
Nas palavras de António Barreto (Público de 7/12/2008), “o Parlamento português tem vindo gradualmente a falhar os testes de prova de vida, dando de si uma imagem confrangedora de ignorância e incompetência”. No principal partido da oposição, “creio que não existe, na recente história política portuguesa nenhum caso onde sejam tão frequentes a mentira e a traição”. “Nesta democracia que já foi “exemplar”, as recentes agitações financeiras abriram definitivamente uma ferida tão repetidamente mencionada mas raramente concretizada”. “A sucessão de “casos” que envolvem grandes recursos financeiros, enormes obras públicas e colossais adjudicações sem concurso tem vindo a criar mal-estar e a mostrar as fragilidades do regime”. “O problema é que aparecem os rostos áulicos, com nome e currículo, dos que agem pelo Estado, ora por si próprios, ora por mandantes. O facto, em vez de sublinhar a força do Estado, põe em relevo a sua fragilidade e o modo como se deixou apoderar pelos predadores do regime”.

(In Jornal ''Notícias da Covilhã'' de 08/01/2009, jornal ''O Olhanense'' de 15/01/2009 e Kaminhos)

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