Gerações incomparáveis. A minha é da segunda metade dos anos
quarenta. Mas a juventude é da geração de sessenta. A vivência aparentemente mais
pacífica de outrora contrasta com o desenvolvimento na agitação dos dias de
hoje. Predominância do não saber, e do quase proibido querer saber, daqueles
tempos, em contrapartida com o fácil acesso ao meio universitário de hoje. Inexistência
de liberdade, mormente de expressão, dos tempos diabólicos em que vivi, em
relação a uma certa rebeldia dos tempos de hoje. Uma guerra em que a juventude
do meu tempo foi obrigada a ser carne para canhão, à passividade com que os
governantes de hoje olham para o passado, do qual muitos antigos combatentes,
neste ano em que se comemoram 100 anos da 1ª. Grande Guerra, ainda sofrem
psicologicamente os nefastos efeitos da guerra de subversão em que foram
forçados a envolver-se, na Guerra do Ultramar: “Para Angola rapidamente e em força!”; “Havemos de chorar os mortos se os vivos não merecerem” (Salazar).
O primeiro filme a cores – Sarilho de Fraldas – com Madalena Iglésias e António Calvário,
Nicolau Breyner e Tonicha foi uma forma de tentar renovar o filão da comédia à
portuguesa, no ano de 1966, nos meus vinte anos de juventude (a maioridade era
então ainda aos 21 anos), para, numa abertura à “civilização”, o então
Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, permitir alguns novos ventos na
redução do atraso ao desenvolvimento, com a permissão para filmes como “Helga e o Segredo da Maternidade” (para
maiores de 21 anos, não obstante se tratar do milagre da vida) que eu vi no
cinema Roma, em Lisboa, quando prestava serviço militar, no ano 1969. Um filme
equívoco que suscitava a curiosidade de se poder ver a nudez do corpo da
mulher, filmado integralmente, coisa rara no cinema de então. E, hoje, o que
vemos? Sexo, sexo e mais sexo.
A imprensa, coroada com a chancela “Visado pela Comissão de
Censura” era impedida de noticiar a realidade; só o que não incomodava o regime
é que servia. E se os jornais “República”
ou “Jornal do Fundão”, por exemplo,
transgredissem, levavam nas orelhas. Aos sábados comprava na papelaria Ideal da Beira, no Pelourinho, o “Actualidades” que, por vezes, trazia
alguns atrevimentos… E hoje, para além das realidades vemos sensacionalismo e
mais sensacionalismo; que o diga o sensacionalista Correio da Manhã.
Trabalhei duro desde os meus 17 anos e pendurei as botas
meio século depois, sem nunca ter caído doente. Não herdei o meu trabalho ou o
meu rendimento. No entanto revolta-me que os nossos (des)governantes nos
obriguem a “distribuir a riqueza” do nosso trabalho para as pessoas que não
querem trabalhar e não têm a ética do trabalho.
Revolta-me ainda de ver que o governo retira-me o dinheiro
que eu ganho, pela força, se necessário, e o dá a vagabundos e a ladrões de
colarinho branco.
No meu tempo, as pessoas de prestígio e honestas, mantinham
essas qualidades durante toda a vida. Hoje, há que ficar de pé atrás, como sói
dizer-se.
In illo tempore os Bancos não faliam, era quase um pecado
mortal pensar-se numa situação dessas. Um Banco, uma Autarquia, uma Santa Casa
da Misericórdia eram instituições de grande respeitabilidade e assaz confiança.
Hoje, já não é assim, pois tudo é vulnerável, tudo é passível de com um ligeiro
sopro de vento tombarem, e tombam mesmo.
No meu tempo, os reguladores, como o Banco de Portugal, eram
de enorme prestígio. Hoje, colocam-se em causa os governadores, desde Vítor
Constâncio até ao atual Carlos Costa, que parecem preferir ver a banda passar.
É que, como Constâncio, acabou por acompanhar a banda até Bruxelas, onde passou
a ser maestro.
No meu tempo, os erros, ainda que involuntários, pagavam-se
caros. Nos tempos que correm, os atletas, artistas, políticos de todos os
partidos, falam de erros inocentes, estúpidos ou da juventude, mas todos nós
sabemos que eles pensam que seus únicos erros foi terem sido apanhados.
Apesar de tudo, no meu tempo a justiça funcionava e
sentia-se receio pela “receita” dessa justiça. Hoje, brinca-se com a justiça e
já se diz que a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais está a enviar
faxes a alguns tribunais de família e menores, que tinham pedido a indicação de
vaga para internar menores recentemente condenados, de que os centros
educativos chegaram ao limite e já não têm capacidade para acolher mais jovens
que venham a ser condenados por crimes.
No meu tempo, assisti à corrente de emigração para o Brasil,
depois para França, Alemanha e Suíça, de todos quantos, de menor instrução e
conhecimentos, não conseguiam na sua Terra-Mãe obter os rendimentos necessários
para o sustento das suas famílias, muitas delas de agregado numeroso.
Hoje, assistimos ao inverso, são os jovens cérebros, essa
valiosa massa cinzenta que, forçosamente, percorre os caminhos dos de outrora,
noutra vertente profissional.
(In "Notícias da Covilhã", de 21.08.2014)
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