28 de agosto de 2014

DOS OITO AOS OITENTA

Gerações incomparáveis. A minha é da segunda metade dos anos quarenta. Mas a juventude é da geração de sessenta. A vivência aparentemente mais pacífica de outrora contrasta com o desenvolvimento na agitação dos dias de hoje. Predominância do não saber, e do quase proibido querer saber, daqueles tempos, em contrapartida com o fácil acesso ao meio universitário de hoje. Inexistência de liberdade, mormente de expressão, dos tempos diabólicos em que vivi, em relação a uma certa rebeldia dos tempos de hoje. Uma guerra em que a juventude do meu tempo foi obrigada a ser carne para canhão, à passividade com que os governantes de hoje olham para o passado, do qual muitos antigos combatentes, neste ano em que se comemoram 100 anos da 1ª. Grande Guerra, ainda sofrem psicologicamente os nefastos efeitos da guerra de subversão em que foram forçados a envolver-se, na Guerra do Ultramar: “Para Angola rapidamente e em força!”; “Havemos de chorar os mortos se os vivos não merecerem” (Salazar).
O primeiro filme a cores – Sarilho de Fraldas – com Madalena Iglésias e António Calvário, Nicolau Breyner e Tonicha foi uma forma de tentar renovar o filão da comédia à portuguesa, no ano de 1966, nos meus vinte anos de juventude (a maioridade era então ainda aos 21 anos), para, numa abertura à “civilização”, o então Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, permitir alguns novos ventos na redução do atraso ao desenvolvimento, com a permissão para filmes como “Helga e o Segredo da Maternidade” (para maiores de 21 anos, não obstante se tratar do milagre da vida) que eu vi no cinema Roma, em Lisboa, quando prestava serviço militar, no ano 1969. Um filme equívoco que suscitava a curiosidade de se poder ver a nudez do corpo da mulher, filmado integralmente, coisa rara no cinema de então. E, hoje, o que vemos? Sexo, sexo e mais sexo.
A imprensa, coroada com a chancela “Visado pela Comissão de Censura” era impedida de noticiar a realidade; só o que não incomodava o regime é que servia. E se os jornais “República” ou “Jornal do Fundão”, por exemplo, transgredissem, levavam nas orelhas. Aos sábados comprava na papelaria Ideal da Beira, no Pelourinho, o “Actualidades” que, por vezes, trazia alguns atrevimentos… E hoje, para além das realidades vemos sensacionalismo e mais sensacionalismo; que o diga o sensacionalista Correio da Manhã.
Trabalhei duro desde os meus 17 anos e pendurei as botas meio século depois, sem nunca ter caído doente. Não herdei o meu trabalho ou o meu rendimento. No entanto revolta-me que os nossos (des)governantes nos obriguem a “distribuir a riqueza” do nosso trabalho para as pessoas que não querem trabalhar e não têm a ética do trabalho.
Revolta-me ainda de ver que o governo retira-me o dinheiro que eu ganho, pela força, se necessário, e o dá a vagabundos e a ladrões de colarinho branco.
No meu tempo, as pessoas de prestígio e honestas, mantinham essas qualidades durante toda a vida. Hoje, há que ficar de pé atrás, como sói dizer-se.
In illo tempore os Bancos não faliam, era quase um pecado mortal pensar-se numa situação dessas. Um Banco, uma Autarquia, uma Santa Casa da Misericórdia eram instituições de grande respeitabilidade e assaz confiança. Hoje, já não é assim, pois tudo é vulnerável, tudo é passível de com um ligeiro sopro de vento tombarem, e tombam mesmo.
No meu tempo, os reguladores, como o Banco de Portugal, eram de enorme prestígio. Hoje, colocam-se em causa os governadores, desde Vítor Constâncio até ao atual Carlos Costa, que parecem preferir ver a banda passar. É que, como Constâncio, acabou por acompanhar a banda até Bruxelas, onde passou a ser maestro.

No meu tempo, os erros, ainda que involuntários, pagavam-se caros. Nos tempos que correm, os atletas, artistas, políticos de todos os partidos, falam de erros inocentes, estúpidos ou da juventude, mas todos nós sabemos que eles pensam que seus únicos erros foi terem sido apanhados.
Apesar de tudo, no meu tempo a justiça funcionava e sentia-se receio pela “receita” dessa justiça. Hoje, brinca-se com a justiça e já se diz que a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais está a enviar faxes a alguns tribunais de família e menores, que tinham pedido a indicação de vaga para internar menores recentemente condenados, de que os centros educativos chegaram ao limite e já não têm capacidade para acolher mais jovens que venham a ser condenados por crimes.
No meu tempo, assisti à corrente de emigração para o Brasil, depois para França, Alemanha e Suíça, de todos quantos, de menor instrução e conhecimentos, não conseguiam na sua Terra-Mãe obter os rendimentos necessários para o sustento das suas famílias, muitas delas de agregado numeroso.

Hoje, assistimos ao inverso, são os jovens cérebros, essa valiosa massa cinzenta que, forçosamente, percorre os caminhos dos de outrora, noutra vertente profissional.

(In "Notícias da Covilhã", de 21.08.2014)

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