Esta é a minha primeira crónica do novo ano. Como
habitualmente costuma desejar-se um ano de venturas e dá-se ênfase à esperança
por melhores dias.
Contudo, na altura em que escrevo este texto, neste domingo,
11 de janeiro, está terminando a grande manifestação naquela que é, nesta
altura, a capital do mundo – Paris. Mais de um milhão de pessoas, de vários
países, ali desfilaram, incluindo 50 chefes de Estado de todo o mundo, numa
contagem cujos números ainda não são exatos.
O terrorismo é uma arma que os bárbaros utilizam, evocando
quase sempre a “sua” religião, mas cujos
preceitos dessa religião nada cumprem na sua essência. Neste caso, a ação foi
reivindicada pela Al-Qaeda do Iémen.
O massacre do Charlie
Hebdo foi um atentado terrorista que atingiu o jornal satírico francês, com
aquele nome, no dia 7 de janeiro, em Paris, resultando em doze pessoas mortas e
cinco feridas gravemente, entre as quais cinco cartunistas daquele periódico.
No mesmo dia, ainda ligado a este atentado, um outro assassino matava uma
polícia, e, no dia seguinte, invadindo um mercado, fazendo reféns, surgiam mais
quatro mortes.
O mundo tremeu, mas, sem medo, a França reagiu contra os
homens do diabolismo e eliminou-os.
Não muito tempo depois do ataque, milhares de pessoas
reuniram-se em Paris e, defendendo a liberdade de expressão, exibiram placas
com os dizeres “Je suis Charlie”. O
Presidente da República e o Primeiro-Ministro portugueses condenaram o atentado
e disseram que foi um ataque contra os valores europeus e democráticos.
O próprio chefe do Hezbollah xiita libanês considerou que os
combatentes islamitas radicais (“jihadistas”)
espalhados pelo mundo fazem mais mal ao Islão do que as publicações que gozam
com Maomé, embora sem mencionar o massacre na Charlie Hebdo.
E, mais palavras para quê, se elas fossem sentidas na
profundidade? Pois ainda se referia que “Através
dos seus atos imundos, violentos e desumanos, estes grupos atingem o profeta e
os muçulmanos mais do que os seus inimigos (…), mais que os livros, os filmes e
as caricaturas injuriosas para o profeta”, acrescentou o chefe do
Hezbollah, Hassan Nasrallah. Este dirigente xiita aludia ao célebre romance
controverso de Salman Rushdie, “Os
Versículos Satânicos”, que motivou uma fatwa emitida pelo aiatola Khomeini,
em 1989; ao vídeo anti Islão “A Inocência
dos Muçulmanos”, que causou violentas manifestações no mundo muçulmano em
2012; e às caricaturas de Maomé publicadas por um jornal dinamarquês em 2005 e
republicadas pelo semanário Charlie Hebdo.
Este caso dominou as capas e os editoriais de todos os
jornais e sites de referência em França, e em grande parte do mundo, incluindo
Portugal.
Charlie Hebdo é um
jornal (é porque ainda continua vivo) contra todos há 45 anos, nascido em 1970,
que respondia a ameaças com renovadas provocações. A gabarolice dos estúpidos
assassinos quando gritaram “Matámos a
Charlie Hebdo” foi em vão, pois o jornal continua e eles desapareceram para
sempre. Depois do atentado de 2011 que destruiu a redação, a primeira página
decretava que “o amor é mais forte do que
o ódio”. No entanto, há órgãos de informação que se recusam a publicar as
caricaturas do jornal francês. A liberdade com que o Charlie Hebdo testa semanalmente os limites da sátira nunca foi do
agrado de todos, nem mesmo de todos os meios de comunicação social que se
solidarizaram com o jornal francês após o violento ataque.
Depois de tudo isto que se passou tem que se reforçar o
combate ao ódio e defender a liberdade. “É
preciso não ceder à repugnante chantagem do terror. E transformar o seu ódio na
sua derrota” – Público de 08.01.2015, que prossegue: “Tal como sucedeu após o 11 de setembro, é importante não desviar o
foco do essencial. E o essencial é a defesa incondicional da liberdade contra o
terror, o medo e a violência de toda a espécie de tiranos, islâmicos ou não”.
Resta agora perguntar o que iremos fazer, no imediato, para
já não dizer eliminar, mas reduzir, os efeitos deste terrível vírus que há
muitos anos infeta a humanidade a vários pretextos e que dá pelo nome de
fanatismo?
Um Feliz Ano Novo.
(In "Notícias da Covilhã", de 15-01-2015)
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