14 de janeiro de 2015

CHARLIE HEBDO

Esta é a minha primeira crónica do novo ano. Como habitualmente costuma desejar-se um ano de venturas e dá-se ênfase à esperança por melhores dias.
Contudo, na altura em que escrevo este texto, neste domingo, 11 de janeiro, está terminando a grande manifestação naquela que é, nesta altura, a capital do mundo – Paris. Mais de um milhão de pessoas, de vários países, ali desfilaram, incluindo 50 chefes de Estado de todo o mundo, numa contagem cujos números ainda não são exatos.
O terrorismo é uma arma que os bárbaros utilizam, evocando quase sempre a “sua” religião, mas cujos preceitos dessa religião nada cumprem na sua essência. Neste caso, a ação foi reivindicada pela Al-Qaeda do Iémen.
O massacre do Charlie Hebdo foi um atentado terrorista que atingiu o jornal satírico francês, com aquele nome, no dia 7 de janeiro, em Paris, resultando em doze pessoas mortas e cinco feridas gravemente, entre as quais cinco cartunistas daquele periódico. No mesmo dia, ainda ligado a este atentado, um outro assassino matava uma polícia, e, no dia seguinte, invadindo um mercado, fazendo reféns, surgiam mais quatro mortes.
O mundo tremeu, mas, sem medo, a França reagiu contra os homens do diabolismo e eliminou-os.
Não muito tempo depois do ataque, milhares de pessoas reuniram-se em Paris e, defendendo a liberdade de expressão, exibiram placas com os dizeres “Je suis Charlie”. O Presidente da República e o Primeiro-Ministro portugueses condenaram o atentado e disseram que foi um ataque contra os valores europeus e democráticos.
O próprio chefe do Hezbollah xiita libanês considerou que os combatentes islamitas radicais (“jihadistas”) espalhados pelo mundo fazem mais mal ao Islão do que as publicações que gozam com Maomé, embora sem mencionar o massacre na Charlie Hebdo.
E, mais palavras para quê, se elas fossem sentidas na profundidade? Pois ainda se referia que “Através dos seus atos imundos, violentos e desumanos, estes grupos atingem o profeta e os muçulmanos mais do que os seus inimigos (…), mais que os livros, os filmes e as caricaturas injuriosas para o profeta”, acrescentou o chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah. Este dirigente xiita aludia ao célebre romance controverso de Salman Rushdie, “Os Versículos Satânicos”, que motivou uma fatwa emitida pelo aiatola Khomeini, em 1989; ao vídeo anti Islão “A Inocência dos Muçulmanos”, que causou violentas manifestações no mundo muçulmano em 2012; e às caricaturas de Maomé publicadas por um jornal dinamarquês em 2005 e republicadas pelo semanário Charlie Hebdo.
Este caso dominou as capas e os editoriais de todos os jornais e sites de referência em França, e em grande parte do mundo, incluindo Portugal.
Charlie Hebdo é um jornal (é porque ainda continua vivo) contra todos há 45 anos, nascido em 1970, que respondia a ameaças com renovadas provocações. A gabarolice dos estúpidos assassinos quando gritaram “Matámos a Charlie Hebdo” foi em vão, pois o jornal continua e eles desapareceram para sempre. Depois do atentado de 2011 que destruiu a redação, a primeira página decretava que “o amor é mais forte do que o ódio”. No entanto, há órgãos de informação que se recusam a publicar as caricaturas do jornal francês. A liberdade com que o Charlie Hebdo testa semanalmente os limites da sátira nunca foi do agrado de todos, nem mesmo de todos os meios de comunicação social que se solidarizaram com o jornal francês após o violento ataque.
Depois de tudo isto que se passou tem que se reforçar o combate ao ódio e defender a liberdade. “É preciso não ceder à repugnante chantagem do terror. E transformar o seu ódio na sua derrota” – Público de 08.01.2015, que prossegue: “Tal como sucedeu após o 11 de setembro, é importante não desviar o foco do essencial. E o essencial é a defesa incondicional da liberdade contra o terror, o medo e a violência de toda a espécie de tiranos, islâmicos ou não”.
Resta agora perguntar o que iremos fazer, no imediato, para já não dizer eliminar, mas reduzir, os efeitos deste terrível vírus que há muitos anos infeta a humanidade a vários pretextos e que dá pelo nome de fanatismo?
Um Feliz Ano Novo.

(In "Notícias da Covilhã", de 15-01-2015)

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