18 de novembro de 2020

A MONTANHA MÁGICA

 

É um livro escrito por Thomas Mann em 1924. Um dos romances mais influentes da literatura mundial do século XX que contribuiu para conquistar o Prémio Nobel de Literatura em 1929. Começou a escrevê-lo em 1912, no mesmo ano em que sua mulher Katharina Mann (Katia) foi internada num sanatório de Davos na Suíça, para se curar de uma tuberculose. O livro teria sido inspirado nesse episódio.

A grande ligação germânica às epidemias dos séculos XIX e princípios do século XX vem-nos através da ficção. E essa pertence a Thomas Mann, no seu livro A Montanha Mágica, cuja epidemia que retrata é a tuberculose. Já quanto ao tempo manifesta-se anterior à Grande Guerra, período antes da invenção dos antibióticos para curar o mal, e da BCG para o prevenir. É o tempo em que os infetados iam “a ares”.

Mann estudara detalhadamente a doença e as suas terapias. Os Raios X tinham sido descobertos mas os tratamentos preventivos e curativos demorariam ainda mais de um quarto de século a chegar. Por isso, na época, o receituário eram os ares da montanha e a alimentação saudável.

A Guerra que ia começar anunciava o fim das montanhas mágicas.

Thomas Mann sabia que retiros como o Berghof eram um típico fenómeno pré-guerra e que a sua Montanha Mágica era o canto do cisne de um mundo em que os infetados privilegiados podiam viver anos em sanatórios, à custa dos rendimentos, enquanto os infetados menos abonados morriam a trabalhar nas fábricas, nos hospitais, nos lazaretos das cidades.

Do pouco desta descrição da obra de Thomas Mann se pode fazer uma reprodução para Portugal e Madeira, com base na altitude, encontrando-se aqui essas montanhas mágicas. A Serra da Estrela, a Guarda, o Caramulo e o Funchal aí estão na sua evidência.

Em 1854 Francisco António Barral publicava o primeiro trabalho científico português “sobre o clima do Funchal e a sua influência no tratamento da tuberculose”. Os benefícios do arejamento, do repouso e da alimentação no tratamento da tuberculose, que então ganhavam foros científicos, tinham já encontrado na Ilha da Madeira um local de eleição. Aqui foi construído o Hospital Princesa D. Maria Amélia, “destinado a tratar doentes afetados de tísica e outras moléstias pulmonares crónicas, que ainda possam ter esperança de melhora”, tendo sido inaugurado em 1862.

Mas só quando, entre 1881 e 1883, a Sociedade de Geografia de Lisboa promoveu Expedições Científica à Serra da Estrela, animadas, entre outros, pelo médico Sousa Martins, se começaram a estudar as condições da região com o objetivo de “fundar nela sanatórios para tratamento da tuberculose pulmonar, à semelhança dos da Suíça”.

José Tomás de Sousa Martins estudara Farmácia e depois Medicina, e, em pouco tempo, ascendera à cátedra na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Era sócio da Academia das Ciências de Lisboa e médico da Real Câmara de Suas Majestades e Altezas. A cura da tuberculose, de que viria a ser vítima, foi a luta da sua vida.

Sousa Martins e o colega Lopo José de Figueiredo Carvalho tinham viajado até Davos e Saint Moritz, na Suíça, de onde voltaram maravilhados com os resultados benéficos que o ar puro da montanha trazia aos doentes tuberculosos.

O empenho de Sousa Martins na divulgação dos benefícios das condições climatéricas e da altitude para a cura da tuberculose teve um enorme impacto público. Assim, muito antes de ali surgirem os primeiros hospitais-sanatórios, começaram a afluir à Guarda e à Serra da Estrela inúmeros tuberculosos. Mas a grande concentração de tísicos, hospedados em casas particulares e nos poucos hotéis da zona, onde doentes e sãos se alojavam num mesmo espaço, gerou um cãos epidemiológico, obrigando as autoridades sanitárias a impor um registo de entradas de doentes nos hotéis e a prescrever a desinfeção das casas onde os tísicos pernoitassem. Foi mais uma razão para que Sousa Martins se batesse pela criação de um Sanatório. Entretanto, este veio a falecer e o Sanatório Sousa Martins, na Guarda, sonhado por ele e projetado por Raul Lino, só seria construído depois da sua morte, por ação do amigo Lopo de Carvalho. Com a ajuda do médico da rainha, D. António de Lancastre, o Dr. Lopo de Carvalho criou a Assistência Nacional aos Tuberculoso, a fim de reunir os fundos necessários à construção do Sanatório da Guarda, de que seria o primeiro diretor. Foi inaugurado em 18 de maio de 1907, com a presença do rei D. Carlos e da rainha D. Amélia.

E foi tal o afluxo de tísicos, que os três pavilhões do Sanatório se encheram rapidamente. E com lista de espera. E ainda o “parque da saúde” não abrira portas, e já restava um chalet por ocupar. Os ricos já todos tinham garantido lugar para poderem “ir a ares”.

No Sanatório Sousa Martins havia chalets para onde os ricos se podiam mudar, com família e criados, a 100 000 réis por mês; um pavilhão, para doentes de primeira, de 2000 a 4000 réis por mês, com direito a cozinha especialmente cuidada; um outro, para doentes de segunda, que custava aos remediados de 1000 a 1400 réis; e um terceiro pavilhão caritativo, aberto aos pobres.

Mais tarde, viria a surgir o Sanatório das Penhas da Saúde, no concelho da Covilhã, junto às Penhas da Saúde, na Serra da Estrela, igualmente também conhecido como Sanatório dos Ferroviários, inaugurado em 11 de novembro de 1944, sendo nessa altura considerado o melhor sanatório da Península Ibérica. Em 1952, devido a problemas financeiros da CP e da Sociedade Portuguesa de Sanatórios, procedeu-se à transferência do complexo para o Estado, de forma a integrá-lo no Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos. Devido aos avanços da medicina, o tratamento ambulatório passou a ser mais utilizado, levando ao encerramento dos sanatórios. O Sanatório das Penhas da Saúde foi desativado, tendo os últimos pacientes saído em finais da década de 1960, sendo o Sanatório encerrado pelo Ministério da Saúde e Assistência em 1970. Veio a ter várias ocupações, sendo atualmente a Pousada da Serra da Estrela desde 1 de abril de 2014.

(Parte da consulta e adaptação do livro “Contágios – 2500 anos de pestes”, de Jaime Nogueira Pinto)


(In "Notícias da Covilhã", de 19-11-2020)

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