Terminou o verão. Surgiu o outono. Neste início ainda com alguns momentos de
estiagem. As chuvas provocaram alguns contratempos. Ainda que necessárias.
Mais tempo para ler e escrever. Conforme os gostos, E as disponibilidades.
Para uns sim, para outros não, e, para aqueloutros assim, assim. Em mão, algumas
memórias de outrora. Como os tempos mudaram. Mais no âmbito da mulher. Onde a
publicidade investia. E a ousadia surgia.
Aos mais novos nada lhes diz. Só a quem nasceu na “idade da pedra”. Como
eu. Talvez sorriam. Na incerteza da autenticidade. Já nasceram com as novas
tecnologias. Sobejamente conhecidas. Também a robótica. Agora a inteligência
artificial.
Um texto de João Ramos de Almeida, do Público. Já lá vão 15 anos. Para
ele a contribuição de Luís Trindade. Doutorado sob a orientação de Fernando
Rosas em História Cultural Contemporânea. “No início, encontrava-se sempre um
produto, ou uma ideia. Que se pretendia vender como novo. Sob a aparência de uma
mudança permanentemente radical. Muita coisa se mantém. É ver as imagens da
publicidade. Em jornais e revistas. Ao longo do século XX. Revelam que a
publicidade acompanhou os ventos sociais. Mas os valores e as aspirações
parecem imutáveis.”
Publicidade em casa. Uma das grandes alterações foi a penetração da
publicidade nos lares. Em 1925, a Vacuum Oil Company – que mais tarde deu lugar
à Mobil e ExxonMobil – encenou um episódio doméstico. Tratava-se de comercializar um fogareiro a
petróleo. A originalidade do anúncio não é mostrar a dona de casa. Mas sim a
criada. Roupas visivelmente rurais. Uma trouxa e lenço ao pescoço. “A creada
despede-se”. Virando costas ao progresso trazido pelo “fogão”. Que “cozinha um
jantar completo em menos de duas horas” ... A dona de casa, uma mulher moderna.
Cabelo à “garçonne”. Sorria ao “senhor” que acabou de chegar. Ainda de
sobretudo. E fato impecável. Traz nas suas mãos enluvadas a surpresa – o
prosaico fogareiro. Usado pelas classes mais populares. E os dois estão felizes
na cozinha. Num local onde socialmente não deveriam estar.
A mecanização das tarefas domésticas entraria muito anos depois. Sob a
forma dos mais diversos produtos. A dona de casa passou a ser o elemento de
contacto entre o homem cozinheiro profissional e o homem que prova o resultado.
Como se vê num anúncio da margarina Vaqueiro (1958).
O homem passa a ser o sedutor. Com carro que atrai a mulher bonita. Ou
socialmente bem instalada.
Num anúncio da Bosch (1999), o humor pisca o olho à independência da
mulher. Mas também do homem.
Um jovem homem sem jeito para a lide doméstica: “O meu avô não lavava a
louça, o meu pai não lavava a louça. Será possível continuar esta tradição?”.
Sim, responde o anúncio. Compre uma máquina de lavar louça.
A revolução. Mais fugaz na publicidade é a política. A mulher
“trabalhadora” do lar passa a ter uma palavra a dizer nos destinos do país
(1974). Quase de torna a companheira de todos os portugueses.
Na publicidade, o sucesso será facilitado através da aparência. Se usar
“a mais revolucionária das meias”, as suas pernas ficarão esguias e bonitas
(1966). A rapariga que usa soutiãs Triumph (1970) “insinua-se” com um à-vontade
“no ambiente de trabalho”. Maioritariamente masculino. Mas quase 30 anos
depois, a evolução do ambiente parece já valorizar a mulher. Despreocupada e
inteligente. Ainda que dependa de uns óculos Calvin Klein (1999).
A rápida sofisticação da publicidade funcionou igualmente, segundo Luís
Trindade, in Público. Como “uma escola de ver anúncios”. Cada vez “mais
subtis e mais eficazes”. O texto explicativo cedeu o lugar a uma publicidade. “Praticamente
sem slogans, cujas mensagens são muito subliminares”. Nalguns casos,
prescindiu até das imagens de produtos. Tornou-se abstrata. Passou a jogar-se
cada vez mais com as emoções. E com os valores.
Apesar dessa evolução, o que foi que não mudou? “A resposta passa outra
vez pelo mesmo: as estruturas sociais”. Como refere o professor Luís Trindade.
Trata-se sempre de uma venda. E de uma “venda para as maiorias”. São mais
conservadoras do que as margens da sociedade. O prestígio continua do lado dos
privilegiados.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 01-10-2023)
Sem comentários:
Enviar um comentário