3 de outubro de 2023

OUTROS TEMPOS, OUTRAS VONTADES

 


Terminou o verão. Surgiu o outono.  Neste início ainda com alguns momentos de estiagem. As chuvas provocaram alguns contratempos. Ainda que necessárias.

Mais tempo para ler e escrever. Conforme os gostos, E as disponibilidades. Para uns sim, para outros não, e, para aqueloutros assim, assim. Em mão, algumas memórias de outrora. Como os tempos mudaram. Mais no âmbito da mulher. Onde a publicidade investia. E a ousadia surgia.

Aos mais novos nada lhes diz. Só a quem nasceu na “idade da pedra”. Como eu. Talvez sorriam. Na incerteza da autenticidade. Já nasceram com as novas tecnologias. Sobejamente conhecidas. Também a robótica. Agora a inteligência artificial. 

Um texto de João Ramos de Almeida, do Público. Já lá vão 15 anos. Para ele a contribuição de Luís Trindade. Doutorado sob a orientação de Fernando Rosas em História Cultural Contemporânea. “No início, encontrava-se sempre um produto, ou uma ideia. Que se pretendia vender como novo. Sob a aparência de uma mudança permanentemente radical. Muita coisa se mantém. É ver as imagens da publicidade. Em jornais e revistas. Ao longo do século XX. Revelam que a publicidade acompanhou os ventos sociais. Mas os valores e as aspirações parecem imutáveis.”

Publicidade em casa. Uma das grandes alterações foi a penetração da publicidade nos lares. Em 1925, a Vacuum Oil Company – que mais tarde deu lugar à Mobil e ExxonMobil – encenou um episódio doméstico.  Tratava-se de comercializar um fogareiro a petróleo. A originalidade do anúncio não é mostrar a dona de casa. Mas sim a criada. Roupas visivelmente rurais. Uma trouxa e lenço ao pescoço. “A creada despede-se”. Virando costas ao progresso trazido pelo “fogão”. Que “cozinha um jantar completo em menos de duas horas” ... A dona de casa, uma mulher moderna. Cabelo à “garçonne”. Sorria ao “senhor” que acabou de chegar. Ainda de sobretudo. E fato impecável. Traz nas suas mãos enluvadas a surpresa – o prosaico fogareiro. Usado pelas classes mais populares. E os dois estão felizes na cozinha. Num local onde socialmente não deveriam estar.

A mecanização das tarefas domésticas entraria muito anos depois. Sob a forma dos mais diversos produtos. A dona de casa passou a ser o elemento de contacto entre o homem cozinheiro profissional e o homem que prova o resultado. Como se vê num anúncio da margarina Vaqueiro (1958).

O homem passa a ser o sedutor. Com carro que atrai a mulher bonita. Ou socialmente bem instalada.

Num anúncio da Bosch (1999), o humor pisca o olho à independência da mulher. Mas também do homem.

Um jovem homem sem jeito para a lide doméstica: “O meu avô não lavava a louça, o meu pai não lavava a louça. Será possível continuar esta tradição?”. Sim, responde o anúncio. Compre uma máquina de lavar louça.

A revolução. Mais fugaz na publicidade é a política. A mulher “trabalhadora” do lar passa a ter uma palavra a dizer nos destinos do país (1974). Quase de torna a companheira de todos os portugueses.

Na publicidade, o sucesso será facilitado através da aparência. Se usar “a mais revolucionária das meias”, as suas pernas ficarão esguias e bonitas (1966). A rapariga que usa soutiãs Triumph (1970) “insinua-se” com um à-vontade “no ambiente de trabalho”. Maioritariamente masculino. Mas quase 30 anos depois, a evolução do ambiente parece já valorizar a mulher. Despreocupada e inteligente. Ainda que dependa de uns óculos Calvin Klein (1999).

A rápida sofisticação da publicidade funcionou igualmente, segundo Luís Trindade, in Público. Como “uma escola de ver anúncios”. Cada vez “mais subtis e mais eficazes”. O texto explicativo cedeu o lugar a uma publicidade. “Praticamente sem slogans, cujas mensagens são muito subliminares”. Nalguns casos, prescindiu até das imagens de produtos. Tornou-se abstrata. Passou a jogar-se cada vez mais com as emoções. E com os valores.

Apesar dessa evolução, o que foi que não mudou? “A resposta passa outra vez pelo mesmo: as estruturas sociais”. Como refere o professor Luís Trindade. Trata-se sempre de uma venda. E de uma “venda para as maiorias”. São mais conservadoras do que as margens da sociedade. O prestígio continua do lado dos privilegiados.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

                                                                        (In “O Olhanense”, de 01-10-2023)

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