Quando começar a ler esta crónica já foi arrancada mais uma folha do calendário. Janeiro, implacável, dissipou-se. Deixou o início do ano gélido e perigoso.
Entre tempestades e bonanças, vamos caminhando neste mundo e, para nós, no país mais antigo da Europa. No meio deste cenário de turbulências políticas e sociais, a vida segue o seu curso, tal como uma banda que passa, cantando coisas de amor e, quem sabe, também de ironia.
Enquanto os dias avançam, surge um país inquieto, onde políticos e cidadãos assistem, cada um à sua maneira, ao desenrolar dos acontecimentos.
Chico Buarque vem para esta metáfora como o impulsor: “Estava à toa na vida/O meu amor me chamou/ Pra ver a banda passar/ Cantando coisas de amor”.
A flauta, o clarinete, a trompete e o trombone integram-na melodiando a descida da criminalidade violenta na área de responsabilidade do Comando Metropolitano de Lisboa (COMETLIS) da Polícia de Segurança Pública. Diz respeito ao ano passado em relação a 2023.
A banda continua na sua marcha: “A minha gente sofrida/Despediu-se da dor/Pra ver a banda passar/Cantando coisas de amor”.
Com este estribilho, corre Carlos assustado, deixa cair as Moedas, afrontado. Nem sequer vê o bombo e, muito menos o tambor. Mas logo agarra nos pratos e grita que não é verdade. É um inconcebível lapso do subintendente Rui Costa. “Estes números são positivos, mas não nos tranquilizam. Há fenómenos que existem quer na cidade de Lisboa, quer nos concelhos limite, que nos levam a ter algumas preocupações e cautela em desenhar outro tipo de estratégias no combate ao crime”.
E a banda prossegue: “O homem sério que contava dinheiro parou/O faroleiro que contava vantagem parou/ A namorada que contava as estrelas/ Parou para ver, ouvir e dar passagem”.
Ter-se-á recordado do homem de Boliqueime. Em 2004 dizia que estava a aplicar-se à vida política a lei económica de Gresham, segundo a qual “a má moeda expulsa a boa moeda”, ou, neste caso, “os agentes políticos incompetentes afastam os competentes”.
A banda continua: “A moça triste que vivia calada sorriu/A rosa triste que vivia fechada se abriu/E a meninada toda se assanhou/ Pra ver a banda passar/cantando coisas de amor”.
O som, agora mais voltado para a improvisação e harmonia. Além-fronteiras, Donald Trump, sempre pronto para o espetáculo, sopra no saxofone e carrega na bateria, depois de ter ensaiado o regresso ao palco. Tenta afugentar os “forasteiros” que o incomodam. Começa a tentar organizar uma enorme orquestra. Para agradar a todos os humanos.
“A minha gente sofrida/Despediu-se da dor/Pra ver a banda passar/Cantando coisas de amor”.
Quere a Gronelândia e o Canal do Panamá, por isso, a banda canta-lhe: “O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou/Que ainda era moço pra sair do terraço e dançou/A moça feia debruçou na janela/Pensando que a banda tocava pra ela”.
É então que surge Miguel Arruda, protagonista dos furtos nas zonas de bagagem açorianas, sem vigilantes. Surripia malas. É o pilha-galinhas da política nacional, lembrando-nos que neste país de brandos costumes, nem sempre a vigilância está onde deveria estar.
“A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu/A Lua cheia que vivia escondida surgiu/Minha cidade toda se enfeitou/Pra ver a banda passar cantando coisas de amor”.
É quando Mariana Mortágua vem, finalmente, reconhecer “erros” e “falhas” do partido no processo de despedimentos de trabalhadores na sequência da queda eleitoral.
Entre escândalos e pequenas tragédias, a banda continua a tocar, indiferente às histórias que se cruzam no seu caminho.
Finalmente:
“Mas para meu desencanto/O que era doce acabou/Tudo tomou seu lugar/Depois que a banda passou. / E cada qual no seu canto/Em cada canto uma dor/Depois da banda passar/Cantando coisas de amor”.
João de Jesus Nunes
jjnunes6200@gmail.com
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 05-02-2025)
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