Nasceu dois meses antes de mim. Desde a minha adolescência e juventude, logo que comecei a ler o primeiro jornal, ainda uma criança, por sinal, um diário, acompanhei o que se escrevia no Jornal do Fundão. Foi então na Biblioteca Municipal da Covilhã, situada frente ao Jardim Público, para onde ia estudar. Estava ávido de notícias novas sobre a Covilhã e região, onde se falava também muito das vedetas do meu clube de sempre. Com o passar do tempo, temas marcantes começaram a captar a minha atenção: a Região Beirã, a Serra da Estrela e a vida citadina da época. Acompanhava de perto a atividade académica do Liceu, da Escola Industrial e Comercial Campos Melo e do Colégio Moderno, bem como as festividades da sede e das aldeias do concelho. Não faltava falar das Feiras Popular, de São Tiago e de São Miguel. Também os acidentes rodoviários, e de aviação, como a queda da avioneta onde ia o Matos Soares; e os dois autocarros que, por duas vezes, bem distanciadas as datas, se despenharam na Serra da Estrela. Sem esquecer as mensagens dos que se encontravam nas guerras do Ultramar; o sentimento nostálgico dos emigrantes, e, mais tarde, o flagelo dos incêndios na Serra da Estrela.
Em tempo de ditadura, as notícias, possíveis, sobre as candidaturas à presidência da República, onde ressaltou a do general Humberto Delgado. Mas também a visita ao Jornal do Fundão do então ex-presidente da república brasileira, Juscelino Kubitschek de Oliveira, em janeiro de 1963, a convite do Diretor do Jornal, António Paulouro. O ditador Salazar ficou furioso e nunca mais esqueceu a partida que o grande estadista e o grande jornalista lhe pregaram, ordenando a censura de qualquer referência à visita.
Depois o grito pungente perante o problema da silicose nas Minas da Panasqueira. Vim a conhecer os efeitos nefastos desta doença profissional já na minha então nova profissão, pagando pensões de viuvez a várias viúvas, mulherzinhas pobres vindas das aldeias do Couto Mineiro.
Sem esquecer a persistência para que se abrisse um túnel na Serra da Gardunha – o Túnel da Gardunha; assim como a defesa da necessidade de renovar a linha da Beira Baixa, da eliminação do serpentear de estradas escabrosas do acesso rodoviário a esta região, com a construção de uma via rápida do Portugal Sul para o Portugal Interior e vice-versa, não faltando as terras com a necessidade de um regadio, donde viria a surgir o Regadio da Cova da Beira. E por aí fora.
Numa retrospetiva, durante o meu serviço militar, e por períodos um pouco mais longos de ausência da Covilhã, pedia para me enviarem o Jornal do Fundão.
Acompanhei também a suspensão deste semanário pelo Estado Novo quando, à saída da Câmara Municipal da Covilhã, onde então me encontrava a trabalhar, o porteiro mostrava o jornal onde vinha a notícia sobre o Grande Prémio de Novela atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores ao escritor Luandino Vieira que se encontrava detido no Tarrafal por atividades consideradas subversivas pelo regime. Soube-se então que esse “crime” de divulgação pelo Jornal do Fundão lhe custaria uma longa suspensão – seis meses. Estávamos no mês de maio e, nessa altura, eu participava pela equipa do Estrela de São Pedro, no Torneio Primavera, em andebol, no Pavilhão do Clube Desportivo da Covilhã, nos Penedos Altos. Num dos intervalos recordo-me da preocupação que envolvia colaboradores do Jornal do Fundão, como os falecidos António José Martinho Marques e Francisco Marques Portela, assim como o José Pinheiro da Fonseca, com a suspensão deste semanário, sugerindo uma subscrição para colmatar este problema grave originado pela ditadura salazarista.
Seria demasiado extenso enumerar todas as ações do Jornal do Fundão ao longo do tempo, mas não posso olvidar as páginas culturais na leitura de crónicas de Arnaldo Saraiva, Baptista Bastos, já falecido, ou Carlos Esperança, e muitos outras ilustres figuras da Cultura portuguesa, que me encheram de interesse pelas mesmas.
Acompanho com interesse os textos de Nuno Francisco, Maria Antonieta Garcia e Luís Pereira Garra, assim como, quando em vida, acompanhava os de Fernanda Sampaio, José Pedro Machado e Ernesto de Melo e Castro. Não nomeio todos, mas respeito diferentes estilos, mesmo aqueles que não são da minha preferência.
Embora não seja o periódico onde tenho mais textos publicados, ainda assim registo sete dezenas de páginas onde tive o privilégio de ver colaboração que me diz respeito.
Está de parabéns o Jornal do Fundão. Desejo que se mantenha mesmo neste mar encapelado a prosseguir entre a revolução do papel e do digital, em prol dos interesses deste interior beirão.
João de Jesus Nunes
jjnunes6200@gmail.com
(In “Jornal do Fundão”, de 13-02-2025)
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