19 de fevereiro de 2025

EUFEMISMOS

 

Muitas vezes, ao folhear antigas compilações, deparo-me com textos que despertam novas reflexões. Foi o que aconteceu recentemente, quando me veio à mão um artigo de Fernanda Sampaio, publicado no Jornal do Fundão há décadas, abordando o tema dos eufemismos. Embora o texto tenha sido escrito num outro tempo, a verdade é que a tendência de suavizar a realidade através da linguagem continua mais viva do que nunca. 

A sociedade sempre encontrou formas de amenizar as palavras para tornar certas verdades mais aceitáveis. Mas, se antes os eufemismos surgiam sobretudo por questões de pudor ou respeito, hoje parecem multiplicar-se para mascarar realidades desconfortáveis. As coisas continuam as mesmas, apenas disfarçadas por novas designações.

Nos dias de hoje, o simples ato de substituir uma palavra pode transformar completamente a perceção de um conceito. Já não há desempregados, mas sim pessoas “em transição de carreira”. As escolas degradadas passaram a ser “estabelecimentos de ensino em requalificação”. Até os bêbedos passaram a ser chamados de alcoólicos e os drogados, toxicodependentes. Os doentes nos hospitais e centros de saúde agora são utentes. Os trabalhadores foram dispensados em vez de despedidos. Parece que, ao alterar as palavras, suavizamos a realidade, mas será que mudamos verdadeiramente o que está por detrás delas?

Os eufemismos infiltraram-se em todas as áreas do quotidiano. Nos discursos políticos, os “ajustes fiscais” escondem aumentos de impostos, e “as medidas de contenção” significam cortes nos serviços públicos. No mundo empresarial, um “despedimento coletivo” é apresentado como “reestruturação organizacional”.

A linguagem burocrática também encontrou nos eufemismos uma forma de disfarçar a rigidez do sistema. Os idosos são “seniores”, os pobres são “economicamente desfavorecidos” e as crianças com dificuldades escolares são “alunos com necessidades educativas específicas”. No fundo, cria-se um vocabulário que, em vez de resolver os problemas, apenas os disfarça.

Com a revolução digital e o crescimento da Inteligência Artificial, os eufemismos ganham novas dimensões. Já se fala em “profissões do futuro”, quando, na realidade, muitas funções atuais simplesmente desaparecerão. A própria IA é apresentada como uma “assistência cognitiva”, quando, na prática, está a substituir cada vez mais a intervenção humana. 

Foi com bastante interesse sobre este tema que foi debatido o programa da RTP 1 “É ou não é”, com o jornalista e apresentador Carlos Daniel, na noite do passado dia 4 de fevereiro. Falou-se: “Novos empregos que vão surgir e outros que vão desaparecer” – “Futuro Trabalho: Há emprego para todos?”. E, na Antena 1, da manhã do dia seguinte, o debate no programa “Consulta Pública”, moderado pela jornalista Sofia Freitas, onde se referia também a criação do Chat GTP português “Amália”. Temas de grande relevância para os tempos atuais.

Como bem refere António Barreto, no Público, “o mundo sempre mudou, mas hoje muda a uma velocidade que não permite adaptação”. No meio deste turbilhão, resta-nos questionar: estamos apenas a mudar palavras ou a esconder realidades? Talvez seja tempo de refletir sobre o verdadeiro impacto dos eufemismos na forma como percebemos o mundo.


João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com


(In “O Olhanense”, de 15-02-2025)



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