Sempre gostei de escrever,
influenciado pela vivência na antiga Biblioteca Municipal, junto ao Jardim, onde
passei grande parte da minha meninice e adolescência. Era aí que o meu Pai trabalhava,
com a responsabilidade de abrir e encerrar a biblioteca, atender os leitores – procurando
perceber o que pretendiam, numa época marcada por forte iliteracia –, entregar
os livros e jornais solicitados, gerir o arquivo e desempenhar outras tarefas
inerentes. Muitas vezes, substituía a primeira bibliotecária que conheci – a
Drª. Maria José Borges, nos anos 50 do século passado. Mais tarde, surgiu a Drª.
Maria Celeste de Moura.
As novas tecnologias nem se sonhavam.
O ensino universitário existia apenas em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. Na
Covilhã havia a Escola Industrial e Comercial Campos Melo, com cursos vocacionados
para a indústria local e para os serviços comerciais, e o Liceu, que só mais
tarde passou a ser Nacional. Quem pretendia seguir o ensino superior precisava de
ter os bolsos bem recheadas para se poder estudar fora. Existia ainda o Colégio
Moderno, que permitia prosseguir os estudos até ao antigo 7º ano, enquanto o
Liceu e a Escola Industrial apenas iam até ao 5º ano ou equivalente.
O meu Pai, que fora anteriormente
professor primário, ensinou-me a ler e escrever. Quando entrei para a Primária,
no Asilo, fui diretamente para a 2ª classe. Terminei a 4ª classe (então o
último grau obrigatório de escolaridade) e fiz o exame de admissão ao ensino secundário,
na Escola Industrial, onde fui aprovado. Iniciei o Ciclo Preparatório e concluí
o Curso Geral do Comércio e o Exame de Aptidão Profissional.
Os meus pais tiveram uma família
numerosa, como era comum à época. As dificuldades económicas eram enormes. Desconhecíamos
o que era ter férias e as algibeiras andavam sempre vazias – nem se sonhava com
uma semanada. Incuti no meu Pai a ideia de arranjar um emprego e estudar à
noite. Assim sucedeu. Fiz um exame de transição e tive de estudar, sozinho e
sob o calor do verão, o programa completo de História Geral e Pátria do 2.º ano,
além de Francês – tudo num mês e meio. Tudo isto para não perder um ano, já que
o curso noturno durava mais tempo.
Os jovens de hoje não imaginam estas
dificuldades. Como se costuma dizer, comi o pão que o diabo amassou.
A minha paixão pela escrita nasceu
do ensino do meu Pai, da vivência na biblioteca e da atenção que dedicava aos estudantes
que por lá passavam e que hoje, com cursos superiores e já aposentados, recordo
com estima. Também ali via figuras notáveis que conversavam com meu Pai, por
quem tinham grande consideração. Ele foi professor do falecido Cónego José de
Almeida Geraldes, antigo diretor do Notícias
da Covilhã (NC), e do poeta, escritor e professor universitário Prof. Dr.
Arnaldo Saraiva, além de dois padres jesuítas. Tive professores de excelência a Português, que
me ajudaram a desenvolver o gosto e a habilidade pela escrita – as minhas
redações costumavam ter notas elevadas.
Mesmo nas poucas horas vagas do serviço na
biblioteca, o meu Pai lecionava cursos de Educação de Adultos e preparava alunos
para os exames de admissão ao secundário. Foi-lhe criado, pela primeira vez, um
curso de adultos na Cadeia Comarcã da Covilhã, onde foi o primeiro professor a
lecionar.
Com 17 anos, já era
administrativo na Câmara Municipal da Covilhã. Concorri mais tarde a outro cargo
superior, tirei a nota mais alta e pouco depois chegou o Serviço Militar
Obrigatório. Fui para Tavira, para o Curso de Sargentos Milicianos, acompanhado
por colegas da Escola Industrial. Eram três que, infelizmente, já faleceram.
Depois segui para Leiria, (RAL 4), onde fui colocado e formei outros soldados
em datilografia – não havia computadores nem telemóveis.
A distância da Covilhã, da
família e do namoro levou-me a pedir transferência para mais perto de casa.
Assim, rumei à Guarda (RI 12), “sem
despesas para a Fazenda Nacional”, onde encontrei muitos covilhanenses, como o
Eduardo Prata, o Nuno Rato, do Teixoso, o Bicho Nogueira e o José Marques
Abrantes entre outros. Também se encontrava o António José Fazenda, já falecido,
que tal como o Eduardo Prata, jogavam no Sporting Clube da Covilhã. Foi também
aqui que escrevi o meu primeiro artigo fora da Covilhã, no boletim daquela
unidade militar – Fronteiros da Beira.
Após 42 meses de vida militar regressei
à Câmara Municipal. Mas, escrevendo para o Notícias da Covilhã, algumas
críticas que fiz obrigaram-me a ser cauteloso, temendo a PIDE. Fui trabalhar
para uma empresa no Soito, freguesia do concelho do Sabugal, e depois fui
convidado a chefiar a área administrativa e comercial da Companhia Europeia de
Seguros, nos distritos de Castelo Branco e Guarda. Mais tarde, tornei-me
empresário no setor segurador, representando a Liberty Seguros e outras
Seguradoras.
A escrita, porém, nunca me
abandonou. Continuei a publicar em vários jornais regionais e nacionais pro
bono. Até hoje já publiquei 890 crónicas. No âmbito da APAE Campos
Melo - Associação de Antigos Professores, Alunos e Empregados da Escola Campos
Melo – que ajudei a fundar – consegui que fosse promovida a homenagem aos
antigos atletas, treinadores e dirigentes do Sporting Clube da Covilhã (SCC) que
jogaram na Primeira Divisão.
Convidei a imprensa nacional, com
destaque para o Record e A Bola,
e entidades e instituições oficiais do desporto e, apesar das dificuldades
financeiras da associação que representava como um dos dirigentes, o evento
teve um grande sucesso. Estávamos no dia 28 de setembro de 1991. Assumi o
compromisso de escrever o primeiro livro sobre a história do SCC, publicado em
1992.
A imprensa nacional deu destaque
ao evento e aos livros que se seguiram. O Jornal O Jogo anunciou um dos
meus livros, e o jornal espanhol El Adelanto, de 14 de agosto de 1993,
também se referiu a outra obra minha.
Na altura, a ausência de
tecnologias dificultava muito: escrevia à máquina e as tipografias ainda não
estavam evoluídas. A cor das páginas implicava várias chapas. Hoje, tudo é mais
simples e acessível.
Seguiram-se várias publicações,
umas por iniciativa própria em datas comemorativas, outras a pedido de
associações, coletividades e instituições. Fazia tudo pro bono. Foram centenas
de horas de trabalho, conciliadas com a vida profissional, muitas vezes com
grande desgaste mental, mas nunca desisti.
Depois dos três livros sobre o
SCC (mais tarde surgiu um quarto), publiquei a história dos Bombeiros
Voluntários da Covilhã, em dois volumes, a convite da Direção, onde eu era
Vice-Presidente do Conselho Fiscal.
Mas o maior desafio foi aceitar o
convite – feito apenas com um aperto de mão, no Restaurante Sangrinhal – para
escrever a História dos Seguros em Portugal. Depois de alguma
resistência, aceitei e produzi O Documento Antigo – Uma Outra Forma de Ver
os Seguros, obra inédita que combina
narrativa histórica, romance e antologia documental. Está presente em mais de
150 bibliotecas municipais, bem como em universidades e outras instituições.
Em 2022 publiquei os meus dois
últimos livros: Da Montanha ao Vale, e Recordar é Viver – este baseado em textos iniciados a 2 de julho de
1967, há já 56 anos.
Dos 12 livros publicados, o
primeiro foi apresentado há 33 anos (1992). O meu primeiro artigo surgiu há 61 (1964). Escrevi em mais de 30 periódicos regionais e nacionais.
Sinto orgulho em saber que que a
minha ação cultural e escrita se encontram presentes em várias universidades e
em mais de 150 bibliotecas municipais do país.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de
23-07-2025 – digital)
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