Em pleno estio, a parte cognitiva
traz-me alguma dose de preguiça. Daí que, por mero acaso, no dia 5 de julho, li
algures que se tratava do Dia do Bikini.
Penso mesmo que há um exagero nestas celebrações. Será que também existe o Dia
do Sutiã, do Vestido, das Calças,
das Cuecas, do Fato-Macaco, do
Cinto e dos Suspensórios? Mais acertado seria o Dia do Cão,
do Gato, da Galinha ou do Porco – também chamado suíno, cevado
ou bácoro.
Entre a tristeza e a hilaridade,
opto pela segunda. A história do biquíni remete ao seu lançamento em 5 de julho
de 1946. Tinha eu acordado para este planeta havia menos de quatro meses. Ainda
não podia dar-me ao prazer de apreciar como essa peça de vestuário revolucionava
mentes – quem sabe, na imaginação de Eva no Jardim de Éden.
Pois bem, foi em França que tal
aconteceu – e não no paraíso terrestre. O
primeiro modelo foi desenhado por Louis Réard nesse ano de 1946, embora só
tenha ganhado popularidade nos anos 60.
O nome desta ousada invenção
deriva de uma ilha do Pacífico – Bikini – onde se realizavam testes nucleares.
A intenção era clara: sugerir que esta pequena peça teria um efeito
“bombástico” na sociedade.
E teve. A sociedade tentou
resistir, até que atrizes ousadas começaram a usá-lo. Brigitte Bardot foi pioneira
no filme E Deus Criou a Mulher.
Com o tempo, a peça
popularizou-se e tornou-se ainda mais arrojada, até que, nos anos 80, uma
modelo brasileira lançou o famoso “fio dental”.
No Dia do Biquíni, marcas
e lojas aproveitam para lançar novos modelos e fazer promoções. Enquanto isso,
as mulheres compram ou desfilam os seus prediletos, na praia, na piscina ou até
mesmo no jardim desde que haja sol.
Segundo a Vogue, o fato de
banho – ultra minimalista para a época – foi apresentado na piscina do Hotel Molitor,
em Paris, no corpo da dançarina exótica Micheline Bernardini, do Casino de
Paris, a única que aceitou usá-lo. Com o slogan “O Bikini, a primeira bomba
anatómica”, rapidamente começou a ser comercializado e a conquistar fãs entre
as figuras públicas.
Em 1953, durante o Festival de
Cinema de Cannes, a jovem Brigitte Bardot, com apenas 18 anos, atraiu todos os
olhares – não na passadeira vermelha, mas na praia, com um biquíni reduzido e
florido. Relembrava o papel que havia interpretado no filme Manina, the Girl in the Bikini (1952),
de Willy Rozier.
Proibido inicialmente em diversas
praias europeias, o biquíni foi ganhando popularidade graças às revistas de
moda, imagens de pin-ups, e ao impulso da música e do cinema. Foi o caso de Ursula
Andress emergindo das águas em James Bond
007 vs Dr. No (1962), Sue Lyon
deitada na relva em Lolita
(1962), ou Raquel Welch com o seu biquíni de padrão animal em One Million Years BC (1966).
Em 1968, o movimento feminista francês
contribuiu decisivamente para a democratização da peça.
As tendências de moda demoravam a
chegar até nós. Viam-se nas revistas, mas uma sociedade conservadora torcia o
nariz às ousadias dos estilistas franceses. A ideia de separar o já ousado fato
de banho em duas peças surgiu em Paris, após a Segunda Guerra Mundial. Em maio
de 1946, Louis Réard, gerente de uma loja de lingerie, anunciou “o mais
reduzido fato de banho do mundo”. Quase em simultâneo, Jacques Heim apresentou
um modelo ainda menor, mas tal era a ousadia que nem encontrou modelos dispostas
a desfilá-lo. Recorreu, então, a artistas de cabaré de Pigalle, que comentaram:
“Este fato de banho vai ser mais explosivo do que as bombas de Biquíni”.
Nos anos 50, o biquíni esteve
proibido em diversos países. Por cá, era tema apenas de curiosidade jornalística.
Mostrar o umbigo era impensável. As jovens mais atrevidas chegaram a ser
multadas – quase excomungadas. Foi preciso a ousadia de algumas atrizes
estrangeiras para mudar mentalidades.
Nunca vi freiras, judias ou
muçulmanas de biquíni. Mas em duas viagens a Israel, observei muçulmanas a
banharem-se vestidas no Mar Morto e judias a realizarem batismos no rio Jordão
com túnicas próprias.
Na viragem da década, atrizes
como Ava Gardner, Ursula Andress e Brigitte Bardot seduziram meio mundo com os
seus biquínis.
Nos anos 60, os umbigos passaram
a ver a luz do sol – o biquíni tornara-se símbolo do movimento pop.
Recordo um excerto de Eduardo
Prado Coelho, num excelente artigo publicado no Público em 2004,
intitulado O umbigo dos sonhos:
“As calças femininas descem
vertiginosamente abaixo da cintura, deixando por vezes entrever uma peça mais
íntima de roupa. Se se trata de figuras de grande elegância, o efeito da beleza
é incontestável. Nos casos mais prudentes, há uma zona do corpo que ora aparece
coberta, ora se descobre ousadamente”.
Na década seguinte, o biquíni já era
vulgarizado. Poucos anos depois, surgiram o topless e o fio dental, prontos
a provocar síncopes nas senhoras do tempo do fato de banho até aos joelhos.
Mas as modas não esperam – e até
os mais conservadores acabam por se habituar.
Hoje, o biquíni já não é
escândalo – é acessório, é símbolo, é liberdade. E embora a moda continue a
girar, umas vezes recatando, outras ousando, este pequeno pedaço de tecido
continua a lembrar-nos que, por vezes, basta muito pouco para mudar tudo.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 15-07-2025)
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