19 de novembro de 2024

O LEITOR MAIS ANTIGO DA BIBLIOTECA MUNICIPAL DA COVILHÃ TAMBÉM LÊ “O OLHANENSE”

 

Entrei na Biblioteca Municipal para consultar uma obra, sem deixar de lado a curiosidade de ver a estante onde estão catalogados alguns dos meus primeiros livros que escrevi. Foi então que encontrei um amigo e companheiro de biblioteca dos velhos tempos, atento à leitura do jornal “O Olhanense”.

Sucedeu um avivar de memórias daqueles tempos, ainda na antiga Biblioteca Municipal, situada perto do Jardim Municipal. E não é que, palavra puxa palavra, ele me autoriza a fazer uma entrevista para este quinzenário, aproveitando a oportunidade para destacar uma figura simples, mas dedicada à leitura há mais de sete décadas?

Francisco Pereira de Sousa, natural de Caria, no concelho de Belmonte, mudou-se para a Covilhã com seus pais ainda em 1940, quando era criança (nasceu no dia 2 de setembro de 1937). Radicado na cidade desde então, aqui construiu a sua vida e segue ativo aos 87 anos. Tem três filhos.

Numa altura em que o ensino básico era quase a única opção disponível e o secundário praticamente inexistente na cidade, com dificuldades de acesso ao liceu ou à Escola Industrial, Francisco Sousa começou a trabalhar aos 12 anos no comércio local. Iniciou-se como empregado de balcão, tornando-se posteriormente encarregado de uma loja durante 20 anos. Mais tarde, atuou como vendedor ao longo de 37 anos, passando a trabalhar por conta própria com um armazém de tecidos, malhas e miudezas. 

Vivendo perto da antiga Biblioteca Municipal, encontrou nela o antídoto para a falta de entretenimento no dia a dia. Naquela época, o futebol aos domingos supria parte dessa carência para muitos, enquanto outros recorriam às tabernas ou passavam algum tempo nos Centros de Recreio Popular então existentes.

Quis o destino que sua atual morada se situasse também perto da nova Biblioteca Municipal, na parte moderna da cidade, onde deu continuidade ao seu gosto pela leitura, não só de livros, mas também de jornais. Foi assim que aconteceu com “O Olhanense”.

- “Olhe. Sr. Nunes, ainda me recordo de ver jogar pelo Olhanense, no Santos Pinto, na Covilhã, com o Sporting da Covilhã, de que era sócio, nomes como o Reina, Luciano, Madeira, Cava e o Parra, ou de ouvir falar deles”.

Pois é, os Leões da Serra jogaram na I Divisão com o Sp. Olhanense, nas épocas 1948/1949, 1949/50, 1950/51 e 1961/62, em tempos que já lá vão de boas memórias. E este facto já o reportei algumas vezes neste quinzenário.

Apesar da longevidade do entrevistado, ele mantém uma memória e gosto pela leitura invejáveis, contrastando com muitos que se deixaram envolver numa certa passividade cultural, muito fruto dos novos tempos que roubam um certo tempo ao tempo, como os canais de televisão e as redes sociais.

Deixo o amigo Francisco Sousa, que foi associado de várias coletividades e instituições antigas da Covilhã, algumas das quais ainda se mantém no ativo, como, por exemplo, sócio nº. 3 dos Leões da Floresta; integrou também os órgãos sociais de outras, como o Arsenal de São Francisco. Ele deixou uma interessante memória escrita que versa sobre a cidade naqueles tempos, altura em que o Sporting Clube da Covilhã atingiu o seu auge, com a subida à I Divisão, iniciando-se na época 1948/49, numa luta titânica com o Barreirense; a conquista da Taça “O Século”, recebida no Estádio da Tapadinha, em Alcântara, em 6/6/1948, onde foi disputar os 1/16 avos da final com o Atlético; e, posteriormente, um honroso 5º lugar na I Divisão, em 1955/56 e a final da Taça de Portugal, disputada com o Benfica, no dia 2 de junho de 1957, no Estádio Nacional. 

Hino que se cantava na cidade: “A cidade canta um hino que encanta/é uma animação, dando grandes vivas/, muitas alá-ribas/ao Sporting da Covilhã.

Que justo venceu/e assim mereceu/as festas que lhe fizeram/Honra lhe pertence/vence o Barreirense/honrando as barbas do pai.*

Na baliza, Ramalhoso tão bem se soube portar/E José Pedro, Pedro Costa e Roqui/homens de grande valor!/Fialho, Carlos Ferreira, Livramento, e Teixeira**/com Szabo*** o treinador (bis).”

*Sporting Clube de Portugal, do qual o SCC é a 8ª filial, o qual dominava na altura.

**Teixeira da Silva que mais tarde jogou no Belenenses

***Treinador e jogador do SCC.”

Francisco Sousa ainda quis recordar outros versos alusivos, e as janeiras que se cantavam na Covilhã na década de cinquenta do século passado, pela Banda da Covilhã, cuja receita era repartida a favor do Albergue dos Inválidos do Trabalho, hoje Lar de São José; e pela Creche do Menino Jesus, que se chamava na altura Florinhas da Rua. 

O nosso entrevistado aproveita esta oportunidade para desejar o renascimento do Sporting Clube Olhanense, dar os parabéns aos obreiros do Jornal Olhanense, merecendo-lhe a maior consideração por verificar que ultrapassa o âmbito desportivo, tem vários colaboradores com temas diferentes e gosta das gentes algarvias.


João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-11-2024)



6 de novembro de 2024

EM REDOR DE UM MONUMENTO CENTENÁRIO










 Já muito escrevi sobre o Monumento de Nossa Senhora da Conceição, da Covilhã, que foi inaugurado há 120 anos, longevidade completada no dia 10 de outubro deste ano de 2024.

Na minha crónica para o Notícias da Covilhã, em 19-03-2004, quando se aproximava o centenário, fiz referência a vários eventos que aconteceram em redor deste monumento, local aprazível e de silêncio, no recinto que é para muitos uma forma de encontrar um lenitivo, nas preces ou agradecimentos à Senhora da Conceição.

A imagem que se encontra no monumento está apresentada na configuração de Nossa Senhora de Lourdes mas é designada de Nossa Senhora da Conceição, tal como se encontra na paróquia da Covilhã com este nome. 

O engano deve-se ao facto de quando uma comissão de pessoas gradas da Covilhã resolveu mandar fazer a imagem de Nossa Senhora da Conceição, e a ter encomendado em França, aqui a confundiram com outra. Ao ser recebida a imagem encomendada, na Covilhã, verificaram então que a mesma se apresentava com as feições de Nossa Senhora de Lourdes, lapso devido ao facto de, para os franceses, o título de Conceição era para Lourdes, que apareceu a Bernardette Soubiroug, dizendo: “Eu sou a Imaculada Conceição”. Daí a confusão, que acabou normalmente por ser aceite.

Todos os acontecimentos solenes relacionados com o monumento agitaram o meio citadino, concelho e região. O ponto inicial era na Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Multidões de pessoas, em trajetos por várias ruas e caminhos, dirigiam-se para o monumento. 

Assim aconteceu por ocasião da inauguração em 10 de outubro de 1904, pelo Bispo da Diocese da Guarda, D. Manuel Vieira de Matos. 

Outros grandes eventos aqui ocorreram, como de 26 a 29 de maio de 1954, com o “Grande Congresso Mariano da Diocese da Guarda”, no centenário de definição dogmática da Imaculada Conceição. Segundo o Notícias da Covilhã, calcularam-se em 50 000 pessoas que assistiram à procissão para o monumento de Nossa Senhora da Conceição e tomaram parte no encerramento do Congresso.  A cidade estava artisticamente engalanada, com milhares de lâmpadas no exterior das casas particulares, nos edifícios públicos e nas igrejas, ao longo do percurso. Das janelas caíam chuvas de flores e os cânticos ecoavam por toda a parte.

Vieram gentes de perto do Douro e das vizinhanças de Castelo Branco, das terras fronteiriças do Sabugal e das mais afastadas nos recantos da Serra da Estrela. Foi uma forma de celebrar por antecipação o cinquentenário da fundação do monumento. 

Recordo-me de ter lá estado com a minha família, no meio de uma imensidão de gente, distribuída por todo o recinto e fora dele, durante longas cerimónias, sentados em mantas de ourelos e almofadas, na encosta dos terrenos, à sombra dos muitos pinheiros então existentes, e com as merendas levadas de casa. Tinha 8 anos e deslumbrava-me ao ver uma avioneta a lançar flores sobre o monumento.

De 27 a 29 de junho de 1958, celebraram-se as “Festas Comemorativas do Centenário de Lourdes”. As solenidades culminaram com a romagem das freguesias do Concelho da Covilhã e de toda a região ao monumento, promovidas pela Diocese da Guarda, onde tomaram parte cerca de 20 000 pessoas, conforme regista o Notícias da Covilhã. Teve a presença do Núncio Apostólico, Cardeal D. Fernando Cento. Todos os párocos, e até escolas primárias, prepararam este evento. Distribuíram-se muitas bandeirinhas com as cores do Vaticano, aguardando a vinda do Núncio Apostólico, que foi recebido apoteoticamente no limite do distrito pelo Governador Civil e pelo Presidente da Câmara da Covilhã, Dr. José Ranito Baltazar.

À noite, a cidade apareceu com um aspeto verdadeiramente deslumbrante: as torres das igrejas, os edifícios públicos e particulares, praças, ruas e jardins surgiam iluminadas através de muitos milhares de lâmpadas e focos de luz. Espetáculo maravilhoso e raro que chamou à via pública considerável multidão. Trabalho executado sob a égide e saber de Alexandre Galvão Aibéo.

No edifício novo da Câmara Municipal da Covilhã, que iria ser inaugurado em 11 de outubro do mesmo ano, encontrava-se uma expressiva silhueta de Pio XII, aureolado pelo artístico dispositivo de luz. 

Numa sessão solene na Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã, com a presença do Cardeal D. Fernando Cento, além da intervenção do seu Diretor, Engº. Ernesto Melo e Castro, e de outras pessoas, brilhava, num recital neste evento, com várias poesias, a antiga aluna Maria Ivone Manteigueiro (mais tarde, também Vairinho, pelo casamento), de 22 anos. *

No ano de 1961, numa impressionante romagem ao monumento, fazia-se a entrega e colocação no mesmo, duma réplica da espada de D. Nuno Álvares Pereira (hoje São Nuno Álvares Pereira), algum tempo depois da apoteótica receção das Relíquias do Santo Condestável, em 20 de maio desse ano, recebidas no largo de São João de Malta, pelo Bispo da Guarda, D. Policarpo da Costa Vaz, e demais entidades oficiais, e instituições, onde se encontrava um pelotão de militares que estavam, na altura, sediados na Torre (Serra da Estrela ) – Pelotão da Esquadra nº. 3 do Grupo de Deteção, Alerta e Conduta de Intercepção n.º 1, que  fizeram guarda de honra.  O andor, com as relíquias, que chegaram já noite avançada, fora então transportado por deputados e outras entidades oficiais, e foi objeto de uma grande saudação nos Paços do Concelho pelo Presidente da Câmara. 

Outros eventos ocorreram no Monumento de Nossa Senhora da Conceição, como a Bênção das Pastas dos finalistas da Universidade da Beira Interior (UBI). Ultimamente, face ao elevado número de finalistas, o evento tem sido transferido para o Complexo Desportivo da Covilhã.

Deixo deste local, fonte inspiradora de crónicas e de poesia para muitas gentes, a beleza de parte da que trago para os prezados Leitores, da grande poetisa covilhanense, escritora e mulher multifacetada que se radicaria em Lisboa, que já nos deixou, e que foi uma minha grande amiga, Maria Ivone Manteigueiro Vairinho:

“Covilhã, maio de 1958

Covilhã à Noite

É noite, noite de maio, calma e perfumada. Aqui do Monumento de Nossa Senhora da Conceição (local dos mais, senão o mais aprazível da cidade) contemplo a Covilhã de “fora para dentro” e, paradoxalmente, de “dentro para fora”. A imagem de Nossa Senhora ergue-se viva e suave na escuridão, olhando a cidade. Sigo o seu olhar… Espetáculo velho e sempre novo. De cada vez que a contemplo acho-lhe encantos novos, novos cambiantes, novas formas – nunca cansa. É um presépio enorme – pelo colorido e pela forma – que tenho ante os olhos. Pois se até tem o fundo habitual de qualquer presépio – serra levemente ondulada, talhada a pincel, onde um morro mais pronunciado põe um encanto especial. (…)” **

*Teve também um papel importante num recital realizado no Salão Nobre dos Paços do Concelho, no Dia da Cidade de 1998, recitando a poesia “Lua Branca em Céu Azul”.

Maria Ivone Manteigueiro Vairinho nasceu na Covilhã em 27-02-1936 e faleceu em Lisboa em 07-09-2012, encontrando-se as suas cinzas no Cemitério da Covilhã, onde já estão alguns dos seus familiares. Foi homenageada pela Câmara Municipal da Covilhã, no Dia da Cidade, a título póstumo, em 20-10-2014, com a Medalha de Mérito Municipal, categoria Prata.


**O remanescente do texto poético pode ser lido na sua obra “Livro da Dor e da Esperança”, em cuja apresentação tive o prazer de estar presente, no Salão Nobre da CMC, no dia 17-12-1999, tendo sido autografado com as sublimes palavras: “Para o querido amigo João Nunes, com um abraço grande. Maria Ivone Vairinho. 17.12.99”.

João de Jesus Nunes                                                                                            jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 06/11/2024)


CIDADE DA COVILHÃ E O DIA DA CIDADE





 O passado da Covilhã remonta aos tempos da romanização da Península Ibérica, quando foi castro proto-histórico, abrigo de pastores lusitanos e fortaleza romana conhecida por Cava Juliana ou Silia Hermínia. Quem mandou erguer as muralhas do primitivo castelo                                                                                      foi D. Sancho I que em 1186 concedeu foral de vila à Covilhã. E, mais tarde, foi D. Dinis que mandou construir as muralhas do admirável bairro medieval das Portas do Sol.
Era já na Idade Média uma das principais “vilas do reino”, situação em seguida confirmada pelo facto de grandes figuras naturais da cidade ou dos arredores se terem tornado determinantes em todos os grandes Descobrimentos dos séculos XV e XVI: o avanço no Oceano Atlântico, o caminho marítimo para a Índia, as descobertas da América e do Brasil, a primeira viagem de circum-navegação da Terra. Em plena expansão populacional quando surge o Renascimento, o sector económico tinha particular relevo na agricultura, pastorícia, fruticultura e floresta. O comércio e a indústria estavam em franco progresso. Gil Vicente cita “os muitos panos finos”. O Infante D. Henrique, conhecendo bem esta realidade, passou a ser “senhor” da Covilhã. A gesta dos Descobrimentos exigia verbas avultadas. As gentes da vila e seu concelho colaboraram não apenas através dos impostos, mas também com o potencial humano. 
A expansão para além-mar iniciou-se com a conquista de Ceuta em 1415. Personalidades da Covilhã como Frei Diogo Alves da Cunha, que se encontra sepultado na Igreja da Conceição, participaram no acontecimento. A presença de covilhanenses em todo o processo prolonga-se com Pêro da Covilhã (primeiro português a pisar terras de Moçambique e que enviou notícias a D. João II sobre o modo de atingir os locais onde se produziam as especiarias, preparando o Caminho Marítimo para a Índia), João Ramalho, Fernão Penteado e outros.
Entre os missionários encontramos o Beato Francisco Álvares, morto a caminho do Brasil; frei Pedro da Covilhã, capelão na expedição de Vasco da Gama para a Índia, o primeiro mártir da Índia; o padre Francisco Cabral, missionário no Japão; padre Gaspar Pais que de Goa partiu para a Abissínia; e muitos outros que levaram, juntamente com a fé, o nome da Covilhã para todas as partes do mundo. Os irmãos Rui e Francisco Faleiro, cosmógrafos, tornaram-se notáveis pelo conhecimento da ciência náutica. Renascentista é Frei Heitor Pinto, um dos primeiros portugueses a defender, publicamente, a identidade portuguesa. A sua obra literária está expressa na obra “Imagem da Vida Cristã”. Um verdadeiro clássico. 
A importância da Covilhã, neste período, explica-se não apenas pelo título de “notável” que lhe concedeu o rei D. Sebastião como também pelas obras aqui realizadas e na região pelos reis castelhanos. A Praça do Município foi até há poucos anos de estilo filipino. Nas ruas circundantes encontram-se vários vestígios desse estilo. No concelho também. Exemplos de estilo manuelino também se encontram na cidade. É o caso de uma janela manuelina da judiaria da Rua das Flores. É o momento de citar o arquiteto Mateus Fernandes, covilhanense, autor do projeto da porta de entrada para as Capelas Imperfeitas, no Mosteiro da Batalha.        
As duas ribeiras que descem da Serra da Estrela, Carpinteira e Degoldra, atravessam o núcleo urbano e estiveram na génese do desenvolvimento industrial. Elas forneciam a energia hidráulica que permitiam o laborar das fábricas. Junto a essas duas ribeiras deve hoje ser visto um interessante núcleo de arqueologia industrial, composto por dezenas de edifícios em ruínas. Nos dois locais são visíveis dezenas de antigas unidades, de entre as quais se referem a fábrica-escola fundada pelo Conde de Ericeira com 1681 junto à Carpinteira e a Real Fábrica de Panos criada pelo Marquês de Pombal em 1763 junto à ribeira da Degoldra. Esta é agora a sede da Universidade da Beira Interior na qual se deve visitar o Museu de Lanifícios, já considerado o melhor núcleo museológico desta indústria na Europa. A Covilhã foi, finalmente, elevada à categoria de cidade a 20 de outubro de 1870 pelo rei D. Luís I, por ser “uma da villas mais importantes do reino pela sua população e riqueza”.                         
Volvidos 154 anos, no dia 20 de outubro de 2024, foi, mais uma vez, o ensejo para se celebrar o Dia da Cidade, com as solenidades que os momentos impõem. Foi um programa que se iniciou no início deste mês de outubro e que se estendeu até ao dia 26 do mesmo mês, com homenagens, inaugurações, visitas a obras de investimentos, bem como outras iniciativas. 
Propriamente no Dia da Cidade, domingo, 20 de outubro, foram distinguidas 12 personalidades e três instituições.
Com a medalha de ouro de mérito municipal foram agraciadas a APPACDM da Covilhã (representada pelo Presidente, António Marques), a Casa da Covilhã em Lisboa que celebra este ano o centenário da sua fundação (representada pelo Presidente da Direção, Manuel Vaz), e a Escola Pêro da Covilhã (representada pelo Diretor da Escola, Dr. Jorge Crucho). 
Com a medalha de prata de mérito municipal foram agraciados o Engº. António Correia de Sá, administrador executivo das Minas da Panasqueira; o médico e professor universitário Carlos Casteleiro, que esteve na génese da criação do serviço de gastroenterologia na ULS da Cova da Beira; o professor e presidente da Direção dos Bombeiros Voluntários da Covilhã, Joaquim Matias; o Dr. Jorge Torrão, que foi quadro técnico superior do Inatel e Coordenador Desportivo para o Distrito de Castelo Branco; o Dr. José Curto Pereirinha (a título póstumo) que exerceu funções em várias empresas da indústria têxtil da Covilhã e foi administrador das Águas da Covilhã; José Fernandes de Lemos (a título póstumo) que foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Lanifícios, um dos obreiros da greve dos mil escudos e um resistente antifascista; o Dr. José Luís de Brito Rocha, licenciado em Farmácia e especialista em análises clínicas, presidente da direção do Lar de S. José, empresário, com um vasto currículo, incluindo no associativismo, com uma marca no Sporting Clube da Covilhã que o levou à Primeira Divisão Nacional; Luís Patrão (a título póstumo), licenciado em Direito, que foi Presidente do Turismo de Portugal, chefe de gabinete de dois primeiros-ministros e secretário de Estado; Manuel Carrola (a título póstumo), que foi dirigente e e presidente da Mesa da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal do Sindicato Têxtil da Beira Baixa e membro da União de Sindicatos de Castelo Branco; o Dr. Miguel Castelo Branco, médico, professor universitário e político, presidente da Faculdade de Ciências da Saúde e foi Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar da Cova da Beira; Rui Lourenço, empresário hoteleiro que criou a Residencial Santa Eufémia e a empresa de Construções Lourenço, Lda, construindo centenas de casas na Covilhã e Algarve, bem como o edifício do Centro Comercial do Sporting ou o Hotel Dona Maria; o Major-General Rui Tendeiro, natural da Covilhã, piloto-aviador e comandante Operacional da Madeira, tendo sido oficial de operações com ligação à Nato.
Muito, mas muito mais foi referido sobre as três instituições agraciadas e as ações desenvolvidas e currículos das 12 personalidades mencionadas, mas o espaço deste quinzenário é limitado, como de qualquer regular publicação. Fica o essencial e já muito se deve à deferência do diretor deste quinzenário para com o autor deste longo texto.

João de Jesus Nunes
jjnunes6200@gmail.com
(In “O Olhanense”, de 01-11-2024)

17 de outubro de 2024

O FADO

 
Domingo, 6 de outubro. Neste dia, a RTP 1 transmitiu em direto uma sessão especial do programa Em Casa D’Amália, marcando os 25 anos da morte da diva do fado. Não houve propriamente homenagens ou celebrações oficiais neste dia, ao contrário do que se passou no centenário do seu nascimento.

Vem a propósito, recordei o meu artigo “E Tudo Isto é Fado” publicado no Notícias da Covilhã, de 07-12-2011, e no Jornal do Fundão, de 15-12-2011, noutros contextos.

Nascido nos meios populares, o fado sempre soube cantar a crítica social – e aos regimes. Na noite em que a censura prévia riscava as letras que eram hostis ao Estado Novo, esse quase silêncio conduziu-o a uma forte hostilidade nos dois anos imediatos ao 25 de abril. Mas esse “triste fado” soube afastar-se e ser entendido como expressão artística que é, também associado à liberdade.

O fado é a canção melancólica de um povo que também celebra alegria. Na narrativa do quotidiano nas suas várias facetas, o fado não é uma canção triste. Tem melancolia e saudade mas também alegria e festa, e até um lado solar. Gerado nas tascas e bairros pobres de Lisboa oitocentista, foi no início a expressão de uma minoria urbana restrita, mas recebeu influências dos que foram chegando de todo o País. Há na história do fado, como na história de Portugal, uma presença constante: o mar.

Segundo fonte do Diário de Notícias, aqui reporto, cronologicamente, os primeiros e principais personagens que lhe terão estado na sua génese, e lhe deram forma e significado.  

1820 – 1846 – Maria Severa – Fadista.  Há quem considere Maria Severa uma das figuras fundadoras do fado. Nasceu no bairro da Mouraria, em Lisboa. Existem poucos dados sobre a sua vida que estejam devidamente comprovados, mas acredita-se que Severa cantava nos circuitos da prostituição no Bairro Alto e na Mouraria. Morreu bastante jovem, com apenas 26 anos de idade.

1883 – 1925 – Júlia Florista – Fadista. Foi uma das fadistas lendárias da cidade de Lisboa nos primeiros anos do século XX. Ficou conhecida como florista porque desde muito nova vendia flores para seu sustento. Era considerada uma fadista sentimental.

1891 – 1946 – Armandinho – Guitarrista. De seu nome, Armando Augusto Freire, foi uma figura fundamental na transição do fado de caráter marginal e popular do século XIX para o rosto mais contemporâneo do género no séc. XX. Alargou o vocabulário musical do fado, enquanto contrariou o protagonismo então dominante do “cantador” face à figura do guitarrista.

1888 – 1982 – Alfredo Marceneiro – Fadista. Nome incontornável na história do fado. Começou a cantar esta música ainda na adolescência, num baile popular. Profissionalizou-se no início dos anos 40.

1889 – 1973 – Edmundo Bettencourt – Poeta e Cantor. Referência incontornável na canção de Coimbra.

1895 – 1969 – António Menano – Fadista. Símbolo histórico do fado de Coimbra, foi também um cantor imensamente popular abaixo do Mondego, no fado e na canção ligeira.

1902 – 1985 – Ercília Costa – Fadista. Estreou-se a cantar o fado em 1927, no Teatro da Trindade.

1907 – 1993 – Hermínia Silva – Fadista. Ficou para a história como um dos grandes símbolos do fado “castiço”. A Casa da Mariquinhas foi o seu maior sucesso.

1907 – 1969 – Carlos Ramos – Fadista. Estreou-se em 1944 com um tema de Marceneiro, Senhora do Monte. Acompanhava-se a si próprio à guitarra.

1911 – 1997 – Berta Cardoso – Fadista. Fez carreira a cantar o fado no teatro de revista, mas também em casas de fado. Teve também um papel na internacionalização desta música.

1918 – 1993 – Maria Teresa de Noronha – Fadista. Figura que se afirmou como o paradigma do fado aristocrata.

1919 – 2008 – Fernanda Baptista – Fadista. Construiu a sua carreira cantando o fado no teatro de revista.

1919 – 1998 – Lucília do Carmo – Fadista. Veio a tornar-se uma das vozes emblemáticas do fado corrido. Era mãe de Carlos do Carmo.

1920 – 1999 – Amália Rodrigues – Fadista. É ainda nos dias de hoje considerado o maior nome do fado, tendo sido a grande responsável pela sua internacionalização. Foi também Amália Rodrigues a primeira fadista a cantar poemas de nomes como David Mourão Ferreira, Ary dos Santos e até de Luís de Camões. Também teve uma carreira no cinema como atriz. Encontra-se sepultada no Panteão Nacional.

1920 – 2000 – Alberto Ribeiro – Fadista. Ator de cinema, tenor e fadista. Atuou ao lado de Amália Rodrigues no clássico filme Capas Negras.

1920 – 2021 – Joel Pina – Violista/Guitarrista. Um dos fundadores do Conjunto Raul Nery (com Nery, Fontes Rocha e Júlio Gomes), que acompanhou Amália Rodrigues. Joel Pina, natural do Rosmaninhal, Idanha-a-Nova, acompanhou a fadista durante mais de 30 anos. Começou aos 8 anos a tocar bandolim e distinguiu-se no violão baixo.

1921 – 2012 – Raul Nery – Guitarrista. Um dos maiores nomes da guitarra portuguesa no fado, formou em 1959 o Conjunto de Guitarras Raul Nery, quarteto de elite que acompanhou Amália Rodrigues durante os seus anos dourados. Fora do conjunto, tocou também com Hermínia Silva e Maria Teresa de Noronha, numa carreira que contou mais de seis décadas. Era pai do musicólogo e historiador do fado Rui Vieira Nery.

1922 – 1995 – Manuel de Almeida – Guitarrista. Figura de renome nos retiros e casas de fado lisboetas.

1923 – 2018 – Celeste Rodrigues – Fadista. Fadista tradicional e irmã de Amália Rodrigues.

1924 – 2015 – Deolinda Rodrigues – Fadista. Estreou-se no teatro de revista em 1947, ao lado de Hermínia Silva.

1925 – 2004 – Carlos Paredes – Guitarrista.

1926 – 2019 – Argentina Santos – Fadista.

1926 – 2011 – José Fontes Rocha – Guitarrista.

1928 – 1999 – António Brojo – Guitarrista.

1928 – 2016 – Vicente da Câmara – Fadista.

1928 – 1988 – Fernando Farinha – Fadista.

1933 – 2003 – Fernando Maurício – Fadista.

1933 – 2012 – Luiz Goes – Fadista. Expoente do fado de Coimbra.

1934 – 2015 – Fernando Alvim – Violista

1934 – Frei Hermano da Câmara – Fadista. É um cantor e monge beneditino português. Defende o apostolado através da música para edificar a civilização do amor e promover a cultura da paz.

Muitos mais poderíamos nomear, como Carlos do Carmo, já falecido, João Braga e Nuno da Câmara Pereira, mas a lista já vai longa, pelo que ficamos por aqui.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-10-2024)



9 de outubro de 2024

TEMPOS DE OUTROS TEMPOS

 

Iniciei esta crónica na manhã do último dia de setembro, ainda sem saber como lhe inserir um conteúdo que não fosse pessimista face aos tempos que correm, mas antes encontrar uma dose de otimismo mais adequada no caminho daquele lenitivo que necessitamos para os acontecimentos que nos chegam todos os dias.

Sobre a minha secretária, n’ “O Mensageiro”, de outubro 2024, na rubrica Sessão com Arte, Isabel Maria Mónica em “Tecer de Verão o Tempo”, escreve “quando damos por nós já estamos em modo de repetição desenfreada mal pensando nas nossas ações e decisões diárias. Face a este ritmo acelerado, importa recordar o verão com o coração agradecido e disponível”.

“O Papa Francisco foi o primeiro a dizer-nos que vivemos uma terceira guerra mundial aos pedaços” – escreve a jornalista Rosário Salgueiro. O mês de agosto alertou-nos que a crise atual ‘parece permanentemente imparável’. Estamos todos cansados desta tensão, destes conflitos que, mais ou menos longínquos, nos atingem a todos. Há nestes dias negros de guerras, um claro “fracasso da política e da humanidade”.

Este verão começou lindo e tranquilo, terminou violentamente, transformado em luto e trauma para várias famílias.

Olhando para a paisagem do mês de outubro, é este marcado pela mudança da cor das folhas, que começam lentamente a cair com a chegada do outono. Vai haver mudança de hora, marcando a diminuição das horas de sol. Como a vida é feita de ciclos, alguns são de declínio, de debilidade e de fim.

Das memórias que vou trazendo para os prezados Leitores, quer sejam da região serrana, com destaque a Covilhã, quer de formulada opinião, podem ser lidas nos jornais ou online.

Folheando ocasionalmente uma das minhas compilações, vieram-me à mão, do ano 1943, notícias de alguns acontecimentos marcantes na vida da cidade laneira.

No dia 1 de maio de 1943, o Notícias da Covilhã publicava no seu semanário, destacando o título “IGREJA DE SANTA MARIA”: “Estão já em curso as obras de reparação de que carecia a sua Igreja Paroquial”, que “bem se pode chamar a Igreja Matriz da Covilhã”. No entanto, no mesmo semanário de 18-07-1943, a primeira página dava conta em grandes parangonas –“Horrível Tragédia – A Covilhã Inteira de Luto –, que, no passado dia 13, no preciso momento em que se concluía a Missa em honra de Nª Sª de Fátima, desabou uma parte do teto da Igreja de Santa Maria, sepultando nos escombros uma parte dos fiéis que assistindo ao piedoso ato, uma imprevidência incompreensível e inexplicável do empreiteiro que tem a seu cargo as obras em curso na dita Igreja, provocou grande desgraça que já custou a vida a sete mulheres, havendo muitas dezenas de feridos mais ou menos graves. O pânico dos feridos e o pânico muito maior das famílias que tinham membros na Igreja era indiscritível na natural ansiedade em os procurar”.

No dia 17 de janeiro de 1943, o Notícias da Covilhã dava notícia, na primeira página, que “O Exm.º Sr. Engenheiro Duarte Pacheco é cidadão da Covilhã. O Sr. Ministro das Obras Públicas aprovou o projeto da Praça do Município, e para a sua realização concedeu a verba de 812 contos”. Entretanto, este ministro veio a falecer de acidente de viação, em Setúbal, em 16 de novembro do mesmo ano. Em 28-11-1943, a Câmara Municipal da Covilhã dignou-se promover os sufrágios que se realizaram na Igreja da Misericórdia, no 7º. Dia do passamento do desventurado ministro. O malogrado estadista louletano tratava a Covilhã com carinho e devoção inexcedíveis, de que são expoentes as obras em curso, da Praça do Município, os Bairros Económicos, a nova Cadeia e, no zénite de todas elas a Praça Fechada (designa-se atualmente Mercado Municipal, tendo sido inaugurado no dia 08-12-1943). Este Praça Fechada foi a primeira do País que o ilustre finado não teve tempo de inaugurar.

Neste ano de 1943 (*) deu-se também um grande incêndio no Tribunal Judicial, onde atualmente se situa a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, mais conhecida por Igreja de S. Tiago, o qual foi devorado pelo fogo a 27 de novembro de 1942 (**). Recuperado pelos Jesuítas em 1947, o novo edifício reabriu ao culto a 10 de fevereiro de 1952.

Ainda o Notícias da Covilhã de 04 de janeiro de 1943 dava a notícia do novo Pároco de S. Pedro: “Sem receio de contradita, podemos dizer, afoitamente, e até alegremente, que foi um acontecimento citadino a posse do novo pároco de S. Pedro, Sr. Padre José Domingues Carreto, aparentado como ilustre Reitor dos nossos seminários, Monsenhor Santos Carreto, cujas virtudes herdou. A cerimónia estava marcada para as 11,30 vendo-se a essa hora repleta de fiéis a pequena capela de S. João de Malta, servindo atualmente de Paroquial”. Substituiu o Arcipreste, Padre Gregório Lopes Arroz.

Por último, e porque falei da Igreja de S. Tiago, recordo que no dia de Todos os Santos, um domingo de 1 de novembro de 1953, faleceu, quando celebrava a Santa Missa, no momento da homilia, o Padre Jesuíta José Moreira da Cunha, com 67 anos.

Também muitos ainda se devem recordar do Irmão Tobias Gaspar (Jesuíta), falecido em 14-01-1996, com 85 anos. Esteve na Companhia de Jesus 66 anos, e a maior parte deles vividos na Covilhã (S. Tiago), durante quase 49 anos.

(*) Reportado no livro “Vida e Obra dos Bombeiros Voluntários da Covilhã”, pág. 321, cujo ano do incêndio não coincide com o referido no livro “História Urbana em Postais e Fotografias da Freguesia de São Pedro da Covilhã (1890-2000)” (**), pág. 61, pelo que carece de mais informação, para o cabal esclarecimento.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 09-10-2024)

4 de outubro de 2024

OLIVENÇA E A “REAL POLITIK”


 


Vem este texto a propósito das enérgicas palavras que disparou o Ministro da Defesa, Nuno Melo, no dia 13 de setembro, aquando da sua participação na cerimónia comemorativa do Dia do Regimento de Cavalaria nº. 3 (RC3), em Extremoz, onde passou parte do serviço militar. O seu pecado foi ter tido a coragem de lembrar que Olivença é portuguesa, “de jure” e não “de facto”, desde o tratado de Alcanizes em 1297. Só que Espanha, na sua chico- espertice anexou Olivença mantendo-a integrada na província de Badajoz. No entanto, deve ser devolvida a Portugal, conforme tratado do Congresso de Viena de 1815, e que em 1817 a Espanha reconheceu a soberania portuguesa. Por isso mesmo, aquela unidade militar portuguesa é também conhecida por Dragões de Olivença.

Não é que eu tenha qualquer simpatia por Nuno Melo, penso, contudo, que poderia ter tido um pouco mais de moderação nas suas palavras. Mas também discordo em parte das de Pedro Nuno Santos, líder do PS, bem como das de Sérgio Sousa Pinto, comentador político do mesmo partido, vindo logo a assustar com possíveis represálias de Espanha. Foram na onda do alcaide de Olivença Manuel José González Andrade, tendo dito que os discursos que procuram “separar através das fronteiras, no século XXI, foram mais que esquecidos e pertencem a séculos passados”.

Enfim, conforme refere o Público, de 13-09-2024, “apesar da diplomacia portuguesa continuar, sem reconhecer a soberania espanhola sobre Olivença, o tema chega a ser ‘não-assunto’ entre os dois Estados, não perturbando as relações”. O que é certo é que Olivença celebra o Dia de Portugal e a população continua a procurar preservar o legado português, desde a língua à nacionalidade.

Para Carlos Luna, historiador e membro do Grupo dos Amigos de Olivença, as declarações de Nuno Melo não fazem mais do que chamar à atenção para uma posição que Portugal tem mantido há dois séculos e que continua por resolver.  “Creio que o Estado português poderia pressionar Madrid, pelo menos no sentido de autorizar que os oliventinos conhecessem a sua própria história logo na escola”. Este ativista da causa de Olivença considera que a ação espanhola na localidade “só pode ser considerada como colonizadora”.

Olivença tinha 11 871 habitantes em 2021. Esta cidade dista 23 Km de Elvas, 24 Km de Badajoz, 236 Km de Lisboa e 424 Km de Madrid. Pertenceu a Portugal desde a sua fundação, no século XIII após a reconquista cristã, e foi integrada no território português pelo Tratado de Alcanizes, em 1297, conforme inicialmente referido, durante o reinado de D. Dinis. Em 1801, durante a chamada Guerra das Laranjas, Olivença foi ocupada por Espanha, e a sua posse foi confirmada pelo tratado de Badajoz, assinado nesse mesmo ano, embora Portugal nunca tenha oficialmente reconhecido a anexação. A 14 de agosto de 1805 era lavrada a última ata da Câmara e Olivença em língua portuguesa. Longe da ameaça de Napoleão, em 1 de maio de 1808, o príncipe regente D. João (futuro D. João VI) publica no Rio de Janeiro, então capital do Império Português, um manifesto no qual repudia o Tratado de Badajoz. Em 1811, Olivença é temporariamente ocupada por contingentes luso-britânicos sob o comando de Lord Beresford. Após o Congresso de Viena de 1815 que sucedeu às Guerras Napoleónicas, as potências europeias decidiram que Olivença deveria ser devolvida a Portugal, mas a Espanha nunca implementou essa restituição, e a cidade permaneceu sob administração espanhola até hoje. Em 1821, a partir do Brasil, Portugal ocupou a Província Cisplatina (atual Uruguai). Este facto serviu de justificativa espanhola para interromper as conversações sobre a devolução que decorriam. Paralelamente, Espanha argumentou (e continua a argumentar) que o Tratado de Badajoz de 1801 continua válido e que o Tratado de Viena não tem força legal suficiente para obrigar à entrega de Olivença a Portugal. Entretanto, em 1840 passou a ser proibido o uso da língua portuguesa no território, incluindo nas igrejas, conforme narrado na Wikipédia.

Na segunda metade do século XX, o general Humberto Delgado e o almirante Pinheiro de Azevedo foram fervorosos adeptos da recuperação de Olivença, tendo ambos desempenhado funções de destaque no Grupo dos Amigos de Olivença, fundado em 1944.

A Covilhã tem uma rua com o nome Rua de Olivença, que substituiu a antiga denominação de Rua do Vigário. Foi inaugurada no início do ano 1956, de harmonia com o deliberado pela edilidade covilhanense, sob a presidência do coronel António Matoso Pereira, em cuja ata da sessão camarária de 24-01-1956, referia: “Rua de Olivença – Datado de 12 do corrente, do secretário-geral do Grupo Amigos de Olivença, solicitando à Câmara que a uma das artérias desta cidade seja dado o nome de ‘Olivença’. Informo ainda que, gostosamente, o Grupo Amigos de Olivença levaria a efeito uma conferência desta cidade sobre o elevado significado do nome da nova artéria, no dia da sua inauguração. A Câmara considerou este pedido e deliberou que à atual Rua do Vigário seja dado o nome de Rua de Olivença, o que deverá ser comunicado ao Grupo dos Amigos de Olivença”.

Ora bem, recordo-me perfeitamente desta inauguração, cuja data exata desconheço pois não consultei mais atas da Câmara Municipal da Covilhã ou do Arquivo Municipal. Tinha 9 anos e andava na 3ª. Classe (hoje 3º. Ano), no Asilo – Associação Protetora da Infância Desvalida, como se designava. Nesta escola pertencíamos à Mocidade Portuguesa e entregavam-nos uma farda para os dias festivos, como participar nas comemorações do 1.º de dezembro e Procissões do Senhor dos Passos e Enterro do Senhor, como também em outros eventos que recordo: receção aos militares que regressavam da Índia Portuguesa, junto à Câmara Municipal, no Pelourinho.

Outro dos eventos seria (mas não foi da minha parte) participar fardado da Mocidade Portuguesa, junto ao local onde foi a inauguração da Rua de Olivença. Não me desloquei porque estava uma tempestade, chovia torrencialmente, e a conselho de meu Pai, não saí de casa.

Na situação atual, embora Olivença esteja sob controle espanhol, a questão permanece formalmente não resolvida. Portugal mantém a sua reivindicação, embora o assunto não cause tensões diplomáticas significativas nos dias de hoje. A cidade e a sua cultura refletem uma mistura de influências espanholas e portuguesas, com muitos dos seus habitantes falando ambos os idiomas e com tradições culturais que unem os dois países. Na atualidade, Portugal não reclama abertamente Olivença, mas também não renuncia à sua pretensão.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-10-2024)


ASSOBIAR PARA O LADO

 

Neste mês de setembro temos o término das férias da generalidade das gentes das nossas gentes, e das outras gentes a viver por este país fora, quer seja no Continente ou nas Regiões Autónomas, depois de um calor abrasador, apesar de flores coloridas que nos foram rodeando.

É o regresso às tarefas profissionais para uns, enquanto, para outros, além do retorno às aulas nas escolas, é também a azáfama de encontrar casas ou quartos para os que entram pela primeira vez nas universidades.  As preocupações económicas com os gastos acrescidos, são agora mais patentes, enquanto as ações governativas tendentes a serem encontradas, em devido tempo, soluções para estes problemas, é, mais uma vez, numa de assobiar para o lado.

Os partidos políticos, em vez da sua união em prol dos verdadeiros interesses dos cidadãos, vão-se guerreando, na pretensão de fazer desfraldar as suas bandeiras mais que as outras, aproveitando a agitação de alguns ventos, assobiando para o lado quando o grito de revolta dos prejudicados, e dos mais necessitados, se faz sentir.

Mas isto já não é de agora, é de sempre. As promessas vãs, entre as quais se sobressaem a irrevogabilidade das palavras ditas, cujo substantivo, certamente saído traiçoeiramente da voz de quem o pronunciou, acaba, quantas vezes adornado de outra forma de anular a decisão tomada. Basta assobiar para o lado.

Recentemente foi a fuga de cinco reclusos perigosos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, um local considerado altamente seguro, mas, talvez em situações de assobiar para o lado nas decisões ou cautelas acrescidas a tomar, vimos que “de alta segurança” transformou-se numa escada “de alta descida” dos presos que assim se aproveitaram da “incompetência” e “cadeia sucessiva de erros e falhas” nas palavras da ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice.

E que dizer da corrupção que cada vez mais portugueses a consideram como prática comum no nosso país? Se não se assobiasse tanto para o lado e se de frente se enfrentassem os problemas com eficácia, numa severidade na aplicação das penas, em tempo célere como noutros países e não naquele coçar da cabeça, deixando que os processos sejam anulados por terem ultrapassado o prazo, certamente tudo seria mais fácil, mandando à fava a nossa peculiaridade dos brandos costumes.

Não estou a incitar à violência, nem a olvidar a tolerância, mas o que é certo e verdade é que a paciência tem limites quando aos nossos olhos se nos depararam com tanto casos de rebeldia profissional numa só de exigência de direitos ocultando os deveres para com o cidadão, muitas vezes envoltos na manta da vitimização.

Fico por aqui, neste âmbito, para evitar más interpretações. No entanto, na edição de 2023 do Índice de Perceção da Corrupção, publicado anualmente pela Transparency International, revela que o combate à corrupção em Portugal continua a não avançar e tem falhas ao nível da integridade na política. Portugal, que é avaliado no conjunto dos países da Europa Ocidental e União Europeia, obteve 61 pontos, fixando-se na 34ª posição em 180 países.

A corrupção é vista como prática generalizada no nosso país por parte de 96% dos portugueses, um número que coloca Portugal como o segundo país da União Europeia (UE)  onde a perceção deste crime é maior, de acordo com o mais recente Eurobarómetro.

Terminado o mês de agosto, os emigrantes viram chegar o fim das suas visitas à terra, familiares e amigos. Fizeram-no numa época em que o termo migração é mais europeu e atual do que nunca. Porém, na memória coletiva, as experiências migratórias permanecem abafadas, naquele assobiar para o lado. O silêncio em torno do 60º aniversário do tratado laboral entre Portugal e a Alemanha, assinado a 17 de março de 1964, que serviu de enquadramento legal para a emigração de milhares de portugueses para um dos principais destinos diaspórios do pós-guerra é sintomático disso, segundo nos narra Clara Ervedosa, no Público de 23-8-2024. “A Alemanha e Portugal são países com uma geografia, história e cultura distintas: Portugal fica no extremo sudoeste da Europa e as suas fronteiras são as mais antigas do continente. Possui uma identidade nacional estável e absorve facilmente o que é estrangeiro. A Alemanha define-se como país situado ‘no coração da Europa’, está rodeada de nove países com quem disputou fronteiras, tendo a última alteração territorial ocorrido há apenas 33 anos”, com a reunificação alemã em 1980, que marcou o fim da divisão entre Alemanha Ocidental (República Federal da Alemanha) e Alemanha Oriental (República Democrática Alemã) que existiam separadamente desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. A reunificação oficial aconteceu em 3 de outubro, após a queda do Muro de Berlim em novembro de 1989. Como se devem recordar, este processo trouxe a integração dos territórios da Alemanha Oriental à República Federal da Alemanha, resultando no que hoje é o território unificado da Alemanha.

E porque desta vez quis salientar a apatia que vai existindo em muito boa gente deste país, naquele de assobiar para o lado, qual Lucília Gago, atual Procuradora-Geral da República, no final do seu mandato, mas na saudade da recentemente falecida, Joana Marques Vidal, não posso deixar de recordar um meu artigo publicado no Notícias da Covilhã, em 24-12-2004, já lá vão 20 anos, sob o título “O ‘OH!’ E O ‘AH!’”, sobre a corrupção.

Para ultimar este texto, que já vai longo, e pegando exclusivamente nas duas interjeições atrás referidas, quero com elas retificar o último parágrafo do meu artigo do último número d’ “O Combatente da Estrela’”, nº. 135, JUL/2024, sob o título “Tempo de férias mas também de reflexão”, numa mea culpa pelo lapso ocorrido sobre Luís de Camões, onde referi: “E assim termina a vida de Luís de Camões, mas fica na imortalidade de Portugal e do Mundo, em que o seu linguajar literário foi sempre reconhecido como erudito. Ele não escrevera para ignorantes”. Deveria ser, mais ou menos neste sentido, que aquela parte deverá substituir: “E assim termina a vida de Luís de Camões, mas ele permanece na imortalidade de Portugal e do mundo, onde sua linguagem literária sempre foi reconhecida como erudita. Ele não escrevia para ignorantes”.

(Este texto foi escrito na noite do dia 12-09-2024)

 

João de Jesus Nunes

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA ANTÓNIO MANUEL LOPES MOREIRA



 

Inserimos neste número d’O Combatente da Estrela uma figura da sociedade covilhanense, Homem bom que dedicou toda a sua vida em prol do humanismo, multifacetado em várias vertentes como o associativismo, onde a sua terra – a Covilhã – é o cerne de todo seu bem fazer.

Tive o privilégio de o conhecer muito cedo e de ter passado por duas unidades militares aquando do serviço militar obrigatório onde ambos estivemos temporariamente: primeiro, viemos a encontrarmo-nos no RAL 4, em Leiria, onde o António Moreira tirava a especialidade de escriturário (fez a recruta em Beja, no RI 3) e eu, aí colocado, então promovido a 1º. cabo miliciano, dando formação de datilografia, viemos a partilhar um quarto, nos fins de semana, onde muitos outros covilhanenses e de outras paragens vieram a ficar, numa zona a caminho do hospital, atravessando uma ponte sobre o Rio Liz. Posteriormente, cada um foi obrigado a seguir o seu destino, tendo o António Moreira depois de frequentar o Curso de Operador Cripto, no BRT da Trafaria, seguido para o RI 12, na Guarda, onde foi mobilizado para Angola, em rendição individual. Também eu, acabei o meu serviço militar obrigatório no RI 12 – Guarda (tive a sorte de não ter sido mobilizado para o Ultramar), não tendo aqui oportunidade de me encontrar com o António Moreira. Acabei por passar à disponibilidade como furriel miliciano e já, na disponibilidade, promoveram-me a 2º. sargento miliciano.

Mas, afinal, quem é o António Moreira, tão falado, tão conhecido, dinâmico toda a sua vida, e que agora pretende repousar um pouco da sua frenética atividade empresarial na área das funerárias, que passou para seu filho? Aproveitámos uma altura em que o filho lhe pediu para o substituir a fim de poder gozar uns dias de férias, e é neste período que entrevistámos o António Moreira, memorizando um pouco do muitíssimo que tinha para nos contar que, segundo o mesmo referiu, não caberia numa página de jornal.

E é verdade! Não sei se na Cidade da Covilhã existe figura tão abrangente no associativismo.

Foi presidente da direção de vários Clubes, entre os quais o Grupo Educação e Recreio Campos Melo, o Grupo Desportivo da Mata, Banda da Covilhã, da qual atualmente é o seu presidente da assembleia geral há mais de 20 anos. Mostrou-me uma lista de 25 coletividades covilhanenses do qual é sócio (com quotas pagas), nalgumas das quais fez parte do seu elenco diretivo.

Foi jogador de basquetebol no Clube Desportivo da Covilhã (CDC), conjuntamente com antigos atletas de futebol do Sporting Clube da Covilhã, como os falecidos Nartanga, João Lanzinha, Espírito Santo, e outros conhecidos covilhanenses, já fora do mundo dos vivos, como o “Pena Branca” (funcionário bancário), o Manecas, o Bichinho, e alguns que felizmente ainda estão entre nós como o Francisco Trindade, João Lobo e Jojó.

Depois de uma conversa que se prolongou para além do tempo previsto, tal o entusiasmo que esta entrevista despertou, respigo algo que obtive deste camarada de outros tempos, a saber:

“As voltas que a vida dá” – António Moreira, pessoa bem conhecida na Covilhã e Região. Com várias distinções a nível regional e nacional: Medalha de Mérito Municipal (Prata), Medalha de Benemérito da Santa Casa da Misericórdia (Prata) e vários diplomas de mérito. Este ex-Combatente realça que muito ficou a dever à vida militar, onde aprendeu a ser Homem e a lutar por uma vida melhor, sempre com objetivos como na tropa. Cedo começou a vida militar com dificuldades: recruta em Beja. Depois, com alguma sorte tirou a especialidade de escriturário, como já referimos, sem que, no entanto, nunca tivesse visto uma máquina de escrever. A sua profissão era tecelão na indústria covilhanense – Fábrica Alberto Roseta. A sua surpresa foi ter ido para a sua segunda especialidade – Operador Cripto, terminando este curso com uma boa classificação, ficando em 32º lugar num universo de 220 instruendos. Lutou para não ir para o Ultramar mas quando não esperava, eis que é mobilizado para Angola, em rendição individual, sendo colocado no RI 20 de Luanda. Após três meses seguiu para o norte com uma companhia angolana, onde só estavam o António Moreira e mais outro operador do Continente. Foi uma vida nova. Era uma companhia com muitos jovens negros e mulatos. Para além desta surpresa conseguiu arranjar bons amigos, alguns dos quais ainda hoje se contactam.

Tendo regressado à Metrópole já na década de 70, emigrou para a Alemanha onde arranjou algum dinheiro com que adquiriu a funerária na Covilhã que fora de seu pai. Passou a nova empresa a adotar o nome de Agência Funerária Moreira tendo-lhe dado um cunho de desenvolvimento, sobejamente conhecido dos covilhanenses, tendo criado uma outra agência, com o mesmo nome, no Tortosendo.

Para além da empresa funerária, abriu também a Taberna Laranjinha, local muito concorrido na zona histórica da Covilhã.

Amante do desporto e da cultura, este carola covilhanense, do qual muito, mas muito mais haveria a narrar, foi ainda dirigente do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, juntamente com o atual presidente da Direção, João Azevedo, desde que em setembro de 1985 houve necessidade de renovação da Direção por impossibilidade da continuidade do Major Teixeira Lino. Este Núcleo da Covilhã foi inaugurado em 1926 e a nova Direção, então eleita, deslocou-se a Lisboa, que também integrou o António Moreira, naquele ano 1985, para falar com o Presidente da Liga dos Combatentes, General Almeida Viana, grande amigo deste Núcleo, dando luz verde para uma sede condigna. No entanto, esta acabou por se ir situando em vários locais, até aos dias de hoje.

O António Moreira, de 77 anos, casado e com dois filhos, é um autêntico Homem de ação e um exemplo a seguir.

J.J. Nunes

(In "O Combatente da Estrela", nº. 136-OUT2024)

18 de setembro de 2024

O SERMÃO DA MONTANHA E REBECA

 



Dando seguimento a uma minha publicação de 01-02-2023, num quinzenário algarvio, achei por bem, neste período dum estio quentíssimo, voltar a reunir memórias bíblicas do que escreveu Andrea Tornielli sobre a Vida de Jesus, com a concordância do Papa Francisco.

Estávamos então em agosto do ano 28 d.C. Os seus discípulos, uma dezena, procuravam estar com Ele quando saía, quando encontrava as pessoas, quando pregava. Ninguém era ainda capaz de dizer quem fosse verdadeiramente, de onde Lhe vinha tanta força. Jesus, que olhava para eles com um olhar cheio de amor, de compaixão, de amizade, naquele dia percebeu que chegara finalmente o momento de dizer mais, de anunciar o Reino de Deus. A todos, não apenas aos Seus. Por isso, depois de chamar os doze e de ficar algum tempo com eles, decidiu falar às multidões que O esperavam.

Era de manhã e o sol brilhava já alto, iluminando com reflexos brilhantes as águas, naquele dia calmíssimas, do mar da Galileia. Um dia de verão, mas sem calor intenso.

Toda a natureza ao seu redor parecia predisposta a acolher aquilo que Ele estava para dizer. Por trás, o “monte”, uma colina verdejante, do cimo do qual começara a descer uma brisa que teria ajudado a que as Suas palavras chegassem aos que estavam mais longe. Diante dele uma impressionante vastidão de pessoas, vindas não apenas de Cafarnaum e de outras cidades galileias, mas também de Jerusalém, de Sídon, de Tiro.

Estavam acampados procurando repousar à sombra de algum arbusto um pouco mais alto. Alguns estavam vestidos apenas com farrapos, outros pareciam em melhores condições. Mas o rosto de cada um exprimia mais do que as túnicas, os trapos, os alforges. Em cada um deles havia uma pergunta, uma angústia reprimida, uma dúvida, uma pena, um desejo, uma preocupação, uma ferida. Nenhum deles se podia definir saciado ou em paz. Eram estas multidões que conseguiam sempre provocar a compaixão de Jesus, uma compaixão visceral, divina e humana ao mesmo tempo.

Depois de observar por longo tempo a multidão, fez sinal a todos para se sentarem de modo a ouvirem melhor. Foi então que começou a gritar aquela palavra, repetindo-a muitas vezes: “Bem-aventurados! Bem-aventurados! Bem-aventurados!”

Um silêncio irreal cobria a colina, desde as margens do lago até ao cume. Mesmo os soluços e o choro dos mais pequenos se tinham calado. Do lado direito do planalto, à sombra de uma oliveira, estava uma mulher que fora repudiada pelo marido quando ficara grávida dele. Chama-se Rebeca. Era ainda muito bonita, não obstante a vida de privações a que estava constrangida. Mantinha o olhar baixo pela vergonha, não tinha coragem de o levantar em direção a Jesus, nem sequer ao longe como se temesse cruzar o d’Ele. O seu filho, Yehoshua, antes que ela conseguisse retê-lo, subira a correr para se aproximar do Nazareno. Queria ouvi-Lo melhor. Enquanto o Mestre começava a falar, ele sentara-se quase ao lado dos seus pés. Não chegara a tocar-lhe apenas porque Pedro o agarrara. Yehoshua tinha seis anos, dois olhos vivos e caracóis castanhos empastados de areia e suor. No pequeno ficaram impressas apenas umas poucas palavras de Jesus. “Bem-aventurados os que choram porque serão consolados”. “Os que choram…” como sua mãe, ela que não tinha de que viver e passava os dias à procura de qualquer coisa para comer em troca de um qualquer serviço humilde, envergonhando-se da sua condição de repudiada. O pequeno levantou-se bruscamente e, antes que Pedro conseguisse detê-lo, precipitou-se para ao pé da mãe. Jesus seguiu-o pelo canto do olho. Sim, falara também para ele, para aquela criança, também para ela, por aquela mãe…

“Mãe, imma…” O pequeno aproximara-se dela para lhe dizer: “És bem-aventurada também tu, porque choras… Foi Ele que disse! Disse que serás consolada!”

As lágrimas tornaram-se alegria, a pobreza riqueza. O Reino era prometido aos perdedores, aos mansos, aos misericordiosos, aos esfomeados, aos que tinham o coração ferido e sangrante, aos rejeitados, aos perseguidos, aos descartados, aos não apresentáveis.

“Não há nada de verdadeiramente errado em mim”, pensou Rebeca. “Não sou maldita…”, repetia, procurando reter as palavras de Jesus que eram uma só com o seu olhar misericordioso. Só contemplando aquele olhar é que as palavras assumiam o seu significado libertador e revolucionário. É verdade, as bem-aventuranças prometiam algo para o futuro. Mas a consolação já podia experimentar-se no ser olhada por Jesus. Rebeca ganhou finalmente a coragem e sentindo-se amada e compreendida como nunca o fora até àquele momento na sua atormentada vida, levantou os olhos para contemplar o Mestre que falava. Falava também para ela, mesmo para ela.

Jesus retomou a palavra, convidava todos os que estavam a ouvi-l’O a ser sal da terra e luz do mundo. E depois disse aquilo para que viera.

A Rebeca, abraçada ao seu pequeno Yehoshua, daquelas palavras chegaram-lhe apenas fragmentos. Mas também desta vez percebeu que estava a falar com ela e para ela, que falava dela, mulher e mãe repudiada sem ter culpa.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 18-09-2024)

 

PARADOXALMENTE

 


Por razões que se prendem com uma conversa de amigos que se manifestaram interessados em trazer à baila um artigo que publiquei num semanário covilhanense, cuja publicação remonta a 27-02-2004, ou seja, há vinte anos, então sob o título “O Paradoxo”, vou reportar-me a esse texto, uma vez que os interessados são conhecedores das personagens no mesmo inseridas e das facetas que envolveram a situação da emigração dos anos 60 do século XX.

Naquela altura, meados dos anos 60, vivíamos numa pobreza e falta de liberdade a todos os títulos devastadora, onde nem sequer se pensava no desenvolvimento do ensino, perspetivando algumas boas almas remar contra a maré na criação do ensino superior para além de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. Não se conheciam nem estavam para tão rápido a implantação das novas tecnologias e sistemas digitais, que se desconheciam no país, e que só, a pouco e pouco foram surgindo, muito lá para a frente.

Faz-me muita confusão e até estranho que na Beira Baixa, distrito de Castelo Branco, só agora tenha chegado, finalmente, o ensino secundário, no concelho de Vila Velha de Ródão, que era o único deste distrito em que não havia esta oferta (JF de 08-08-2024).

O resultado de dois estudos recentes da empresa de cibersegurança NordVPN mostra como as pessoas utilizam os smartphones em dois dos espaços mais privados. Os dados revelaram que uma maioria significativa (83%) leva os dispositivos inteligentes para a cama, 65% usam os smartphones na casa de banho. Estas informações ilustram como os telemóveis se tornaram indispensáveis em muitos contextos das nossas rotinas diárias. Embora estas pessoas realcem o papel significativo que os smartphones passaram a desempenhar no dia a dia, mesmo em ambientes privados, há muitas pessoas que ainda não estão sensibilizadas para os hábitos de segurança online.

Já num outro meu artigo, inserido noutro semanário covilhanense, em 09-01-2018, sob o título “O Paradoxo de Portugal em 2017” referia que “o ano que findou mostrou-nos duas facetas bem distintas na sua rotação dos 365 dias. E entre o copo meio cheio e o copo meio vazio não podemos deixar de nos firmar na realidade dos acontecimentos surgidos, uns, excessivamente otimistas, outros, justificadamente pessimistas”. O ano de 2017 foi o ano em que a economia cresceu mais do que o privado, o desemprego continuou a baixar e os juros da dívida caíram a pique. Portugal conseguiu dar um pontapé nas agências de rating e saiu do lixo. Foi ainda o ano em que Portugal foi eleito como o melhor destino turístico do mundo. Ainda neste ano António Guterres subiu ao mais alto duma organização mundial, como secretário-geral das Nações Unidas, onde ainda se mantém e Mário Centeno, hoje Governador do Banco de Portugal, havia sido eleito para presidente do Eurogrupo.

No contraste sentimos a amargura dos famigerados incêndios em Pedrógão Grande, que ceifou muitos cidadãos e destruiu imenso património principalmente florestal.

Mas vamos ao assunto a que no início faço referência para o contexto do que me propus escrever.

Os imigrantes, há vinte anos, já eram 5% da população portuguesa, tendo atingido 500 mil no final do ano 2003, com supremacia para os brasileiros.

Por todas as cidades e aldeias do nosso país se instalaram, e muitos vieram a ser acolhidos, cidadãos de diferentes nacionalidades, num cosmopolitismo e multiculturalismo jamais visto até finais da década de sessenta do século XX. Deixámos de estranhar os trajes e modos de vida dos muçulmanos, dos indianos, africanos, e outros, por essas ruas, becos e travessas fora, o que não acontecia há 60 anos em que um homem de cor geralmente só se via integrado numa equipa de futebol.

Hoje, felizmente, são milhares e milhares de homens e mulheres, geralmente fugindo das guerras e da fome, que encontram no nosso país aquele paraíso com que sonharam, contribuindo, desta forma, para que o défice de demografia não seja mais elevado, se ocupem nos trabalhos de subsistência, que, em muitos casos, os portugueses rejeitam, sendo, inclusive, os maiores contribuidores, com os descontos nos seus salários, para a sustentabilidade do sistema da Segurança Social.

Portanto, o que se passa atualmente, e há já uns anos atrás, é exatamente paradoxal ao que aconteceu nos finais da década de 50 e início da de 60 do século XX, onde um forte índice de emigração surgiu, preferencialmente para França, Alemanha, Suíça e Luxemburgo.

Nas Câmaras Municipais era o andar num rodopio diário, para os que pretendiam sair do país legalizados, ao contrário dos que partiam de assalto, muitas vezes em condições infra-humanas, na esperança de encontrar o eldorado, ultrapassando assim dificuldades e sacrifícios.         

O concelho da Covilhã também não ficou incólume a essa avalanche de gente a contribuir para a desertificação das suas terras, mas, por outro lado, a avolumar a remessa dos emigrantes que caíam muito bem nos cofres do Estado Novo.  

Este formigueiro humano vinha principalmente das freguesias rurais, a norte e a sul do Concelho: Minas da Panasqueira, S. Jorge da Beira, Casegas, Sobral de S. Miguel, Unhais da Serra, Tortosendo, Paul, Ourondo, como também de Vale Formoso, Orjais, Teixoso e Aldeia do Carvalho.         

As funcionárias da Câmara Municipal da Covilhã, e um funcionário, naquela época, batiam incessantemente as teclas das máquinas de escrever, tratando da documentação dos que pretendiam emigrar, os quais algumas vezes faziam fila pelo corredor do município, ao tempo dos presidentes da Câmara, Dr. Baltazar e Eng.º Vicente Borges Terenas. Cá fora, havia a recompensa, dos que pretendiam emigrar, para as incansáveis funcionárias, pelo menos algumas…, geralmente com produtos das suas terras, onde não faltavam alguns animeis de capoeira. Os queijos e os presuntos também compunham alguns cabazes, contribuíam para que pudessem ver o adiantamento e informação, sobre a sua documentação, na frente, bem depressa, que o país das patacas ou a terra prometida estava à espera.

 Essas recompensas davam ânimo e um certo dinamismo às senhoras funcionárias administrativas do município, encarregadas da emigração, enquanto o chefe da contabilidade, apesar da escolaridade obrigatória, conhecido influencer da edilidade, na sua popularidade, passava parte do tempo, numa salinha ao lado dos gabinetes do Presidente da Câmara e do Chefe da Secretaria, com os empreiteiros que participavam em concursos de obras municipais, principalmente quando havia Sessões de Câmara.

O Terceiro Oficial da edilidade que fora guarda-redes dos primórdios do Sporting Clube da Covilhã, aos domingos rumava ao Santos Pinto para fazer os comentários do clube serrano que depois, como correspondente do Record e d’A Bola, fazia o seu serviço via telefónica, para os jornais, após os jogos, utilizando o seu telefone da edilidade, mas a expensas dos clubes, obviamente.

Hoje, paradoxalmente, em substituição de uma emigração que agora é de cérebros, subsiste a imigração a rodos, com que as instituições de solidariedade social se veem confrontadas nos pedidos de ajuda em todas as vertentes para além da indigência propriamente dita.

Ficamos por aqui.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-09-2024)