14 de janeiro de 2005

A GÉNESE DO NATAL

Quando estas linhas forem lidas já passou o Natal. O bulício dos preparativos para a grande noite, em alternância com os votos de Festas Felizes; o encontro dos familiares e amigos; a alegria de juntar os filhos e os netos; mas também o inconformismo por um salário ainda por receber; o não ter podido comprar tudo o que desejava; o emprego perdido ou ainda não conseguido; o familiar doente; a cadeira que perpetuamente ficou vazia; tudo isto não altera o sentido da quadra natalícia.
É também a altura mais propícia para a solidariedade, procurando-se auxiliar um pouco mais os carecidos de bens materiais, não só os duma perene indigência, mas todos quantos foram envolvidos numa pobreza envergonhada, ou apanhados na rede de uma doença.
A pobreza não reside somente na falta de recursos para a subsistência física, é também na insuficiência de meios para participar na vida humanizada da comunidade: falta de casa, falta de trabalho, falta de educação, falta de saúde, falta de desenvolvimento sustentado. E, em contraste, pode ser pobre quem tem tudo, mas vive no desespero da solidão.
A par das carências materiais, outros males emergem e ressaltam neste período natalício, de maiores dificuldades – que, há três ou quatro décadas era de inexistente preocupação – como a droga e um acentuar da profissão mais velha do mundo, a par de problemas de índole psíquica, difíceis de solucionar.
O dilúvio de divórcios, por dá cá aquela palha, em tempos duma modernidade muitas vezes não adaptável ao sentido da condição humana, reduz drasticamente os anos de uma união a dois, de tal forma que cada vez há mais Natais em que os dias 24 e 25 estão possuídos do forte desejo para que surja bem depressa o dia seguinte.
Se é certo que, felizmente, vemos surgir com alguma frequência quem procure dar um pouco do seu tempo em prol de instituições de solidariedade social, impregnados dum verdadeiro espírito de ajuda a outrem, alguns há que não passam duns verdadeiros mercenários da caridade, no evidente desejo do protagonismo, com actos farisaicos, pondo em xeque as próprias instituições onde se encontram inseridos.
O Natal de outrora tinha outros cambiantes; o Natal de hoje virou num festival de consumo, onde as crianças se vêem rodeadas de inúmeros brinquedos, que bem depressa os colocam de lado.
Mas, afinal, quais as origens do Natal?
As versões são variadas, mas tudo gira à volta do solstício de Inverno, como anúncio do Sol triunfante sobre a noite e o frio. O Sol era então a fonte e símbolo de vida que, ciclicamente, desaparecia cada vez mais cedo no horizonte. Segundo o Diário de Notícias, em tempos remotos os povos temiam a estação do Inverno e, ignorantes dos movimentos da natureza, interrogavam-se se não mais voltasse o verde que dá vida aos campos; e se não mais acordasse o Sol, estendendo-se uma eterna noite? Com ansiedade os povos buscavam um sinal de esperança no renascer da vegetação, da vida.
A míngua dos dias levava os povos a temerem as noites do solstício de Inverno e a acenderem fogueiras e madeiros, chamas vivas de luz, apelando à aurora. Quando passava a noite mais longa e a manhã nascia, os povos saudavam o sol. A pressão dos cultos pagãos, e de correntes no seio na Igreja, levou esta a assumir como celebração o nascimento de Cristo ao mundo, havendo a dificuldade da sua data. É então estabelecida a data de 25 de Dezembro, por volta do século IV, num desejo de dar um sentido cristão a uma festa pagã. Somente S. Lucas fala dos pastores e dos seus rebanhos, vindo saudar o Menino, o que, obviamente se enquadraria na Primavera. Foram fixados o dia 25 de Março, equinócio da Primavera e até o dia 20 de Maio. Adaptando como estratégia contra a popularidade do culto de Mitra, a Igreja apropriou-se do simbolismo do imaginário popular e escolheu para assinalar o nascimento de Jesus, que passa a ser festejado a partir do século IV, depois do cristianismo ser declarado religião oficial do Estado pela conversão do Imperador Constantino. Não houve unanimidade nos cristãos que se dividiram em duas datas, ambas cobrindo o calendário das festas pagãs. A Igreja do Oriente escolhe para nascimento e simultaneamente para adoração pelos Reis Magos e baptismo de Jesus o 6 de Janeiro, Dia da Epifania, data que, no calendário juliano, encerrava o solstício de Inverno. A Igreja do Ocidente escolhe o 25 de Dezembro, fundamentando esta opção na data considerada como concepção de Cristo a 25 de Março, o que perfaz exactamente nove meses. E, assim, no ano 336 surge a primeira referência escrita ao Natal – 25 de Dezembro, nascimento de Cristo, dia fixado definitivamente em 354 pelo calendário fitocaliano, e, a partir de 379, imposto por Roma a todo o Império. O Sol cedia assim o lugar ao Menino. Santo Agostinho, admitindo, implicitamente, a origem pagã da data natalícia, exortou os cristãos a festejarem a 25 de Dezembro, não o Sol, mas aquele que criou o Sol.

(In “Notícias da Covilhã”, de 14/01/2005)

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