15 de janeiro de 2014

NADA NÃO

Comecei a escrever esta crónica no primeiro dia do Novo Ano, altura habitual da publicação de poucos jornais, não só em Portugal, onde surgiu nas bancas somente o Jornal de Notícias, como também pelo Planeta fora, exceção feita ao continente americano, pleno de imprensa escrita.
Na Ásia também a míngua se fez sentir no jornal em papel, no dia 1 de janeiro, com o The Japan Times, The Himalayan (Nepal), The Telegraph e The Nation (Índia), como também na Europa, paupérrima de comunicação social escrita, em meia dúzia de países (o Braunschweiger Zeitung (Alemanha), The Guardian (Reino Unido), Diário de Sevilha… e poucos mais.
No continente africano e na Oceânia nem pelos dedos de uma só mão se contavam os jornais deste primeiro dia do ano, destacando-se tão só o The Post, da Zâmbia.
Os brasileiros deram ênfase ao “Réveillon 2014 – um ano de fortes emoções”, no jornal O Globo. E, já agora, o “El Universo”, do Equador, surgiu na capa com a foto de uma menina desenhando, na areia molhada da praia, os anos 2013 (já parcialmente encoberto pelas ondas) e 2014, bem destacado.
De notar, sem qualquer admiração, que quase todos tinham as suas primeiras páginas alusivas ao Novo Ano 2014 – Happy New Year 2014 – enquanto poucos primaram, na mesma página, por chamar a atenção dos principais eventos do ano findo – 2013 in review.
Também altura propícia para acertar conversas entre familiares e amigos, veio, a talhe de foice de uma delas, o recordar um hábito de linguagem errónea, de alguns estudantes do meu tempo:
- Fulano – perguntava o professor –, você sabe o que é o “Anel do Fogo do Pacífico?”
- “Nada não, Stôr!” – respondia o aluno.
De tanta vez que esta resposta negativa surgia, certo dia, um professor portuense, estranho com a resposta, já depois de ter feito reparo pela estranheza da expressão, e pedido para corrigir, acabou por dizer – “Nada não?!” Que é isso? Ora bem, “nada não é sim…”
E não é que, embora nunca tenha pertencido ao léxico português, tal expressão, nos dias de hoje, vem de encontro às contradições e incoerências nas pessoas em quem devíamos confiar.
Vejamos algumas, sem qualquer intuito de alinhamento cronológico.
- Nada não! – A primeira mulher a ser segunda figura em Portugal – aquela simpática loira magrinha – na sua primeira intervenção inesquecível, enquanto presidente da Assembleia da República, quando estava há seis meses no cargo, em dezembro de 2011, queixou-se de cansaço. A revista 2, do Público, referia que “pode crescer o desemprego, faltarem os alimentos, pode haver austeridade em todo o lado menos nas comparações que envolvem Assunção Esteves”. As pessoas logo falaram: “Mas estás cansada como, se te reformaste aos 42 anos?... E não será ela a velhinha reformada mais nova de Portugal? E talvez a que ganhe mais? Como é que apela ao esforço e sacrifício de todos os portugueses quando escolheu a reforma vitalícia do Tribunal Constitucional? (7255 euros mensais, por dez anos de serviço da primeira mulher juíza conselheira do TC, mais 2133 euros de ajudas de custo, motorista, etc., em vez do salário da segunda figura do Estado, que paga menos)”.
- Nada não! – O ano de 1993 estendeu-se pelo resto da década por ter sido o começo de um período de disparates. A situação política estava estabilizada. Cavaco Silva, a liderar o segundo governo, com os dinheiros da CEE pensava que era então um maná. Dos muitos disparates, que não cabem neste apontamento, desde a demasiada facilidade na aquisição de casa própria ao grande aumento do número de funcionários públicos, contribuiu muito para a situação em que hoje nos encontramos. “Cavaco, abençoado seja, é um grande e inesgotável tema de comentário. Mas apresenta dificuldades: manter um registo publicável num jornal e atualizada a lista de todas as suas piruetas, contradições, sonsices e patifarias” – in DN de 3.1.2014, por Fernanda Câncio.
- Nada não! E que dizer dos “120 mil novos empregos “ de Passos Coelho quando foram apenas 22 mil? Pois é, esta cabecinha pensadora apontou a criação destes novos postos de trabalho em 2013 como sinal de sucesso, mas desde janeiro surgiram muitos menos!
- Nada não! Ainda este Passos Coelho, acusado de mentir na mensagem de Natal, com o conluio do Presidente da República, que acabou 2013 com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma, qual é a legitimidade do governo e deste primeiro-ministro que continua a praticar políticas e a aplicar medidas que não sufragou democraticamente?
- Nada não! O candidato beijoqueiro das feiras e mercados “assume uma atitude de grande responsabilidade” com a sua demissão irrevogável do governo. Nos vários dicionários que consultei não consegui encontrar o significado desta palavra, harmonizada com a atitude de Paulo Portas. E este “nada não” transformou-se de facto, naquele sentido do professor portuense, “nada não é sim”. Um sim que valeu oiro com a sua promoção a vice!
- Nada não! Já Vasco Pulido Valente escrevia no Público uma crónica com o título “Quem nos toma a sério?” quando antes, no Correia da Manhã, surgiu um texto que se intitulava “Será que  Durão Barroso também é cigano?”. Nem as instituições internacionais tratam o nosso país com algum respeito. Durão Barroso, ainda presidente da Comissão Europeia, deveria ser o primeiro a pôr na ordem alguns centros universitários em Bruxelas que insistem em qualificar-nos como fazendo parte dos “Porcos”. Mas um centro de estudos na Bélgica incluiu agora Portugal no grupo dos “Ciganos”. Primeiro, fazíamos parte dos chamados “PIGS” (significado de “porcos” em inglês), com as designações das iniciais dos países “Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (Spain em inglês)”. Estes animais foram usados em caricaturas para ilustrar as misérias económicas dos países. Apareceu agora a denominação de ciganos, ou “GIPSY”, em inglês, em que os cinco países do costume são incluídos. Será que Durão Barroso não consegue banir estes ultrajes?

- Nada não! E para colocar ponto final nesta crónica primeira do ano 2014, uma referência às palavras do antigo jornalista e atual escritor e comentador político, Miguel Sousa Tavares, na sua coluna de opinião, no semanário Expresso“2013 foi um ano inútil” e “o objetivo político da maioria governamental para a primeira metade do ano que entra é apenas o de prolongar o estado vegetativo que vivemos em 2013”.

(Texto completo, a publicar no jornal "O Olhanense")

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