Neste início de um novo ano vamos esperar que haja algum
lenitivo no que concerne aos sacrifícios suportados pelos portugueses no ano
findo, mas estamos um pouco céticos em relação a isso.
Que as contrariedades e as inverdades dos nossos governantes
se dissipem de vez!
Nos fracassos surge a justificação da culpabilidade dos
governos anteriores. É sempre a mesma lábia. Mas, na realidade, quase nenhum
governante escapa.
E, o atual governo, adornado de alguns betinhos, que, da
vida desconhecem as dificuldades, nada sabem, integram o rol de dirigentes
deste País, no ano em que se comemoram 40 anos da Revolução de abril de 1974.
Vejamos o quanto tantos iluminados da governação, nestas
quatro décadas, nos trouxeram de esperança, com todos nós a vê-la sempre
adiada.
Enquanto a “gaivota
voava, voava”, a tranquilidade de espírito e bem-estar social iam sofrendo
convulsões, ao mesmo tempo que “uma papoila crescia, crescia”, acabando por ir
murchando por não suportar os ventos do exterior, nas suas intenções
reformadoras.
Num olhar para o passado, as crises internacionais que
interrompiam ciclos de crescimento económico podiam ser menos violentas se este
nosso Portugal não tivesse; principalmente nas últimas décadas, para além da incompetência
de artífices da ladroagem, esses gatunos profissionais; a aquiescência dos
líderes da governação, quantas vezes num camuflado conluio.
Segundo a Pordata, entre 1961 e 1973 o PIB per capita
aumentou fortemente e Portugal foi deixando de ser uma economia com
predominância rural. Houve um crescimento da indústria transformadora e da produção dos serviços
públicos, como o fornecimento de eletricidade, gás e água. Por exemplo, na
Covilhã, no auge da sua indústria rainha, de então – os lanifícios -, com
centenas de empresas a proporcionar emprego para formigueiros humanos a caminho
das fábricas, havia os Serviços Municipalizados que se encarregavam da
eletricidade, água e saneamento.
O forte incremento da emigração, com as suas remessas para
Portugal, manteve a balança com o exterior sem se agravar, mas é obra que entre
1966 e 1973 saíram do país quase 2% da população em cada ano, registando uma
taxa de crescimento anual média de 7%.
Sou testemunha do fluxo de emigrantes que diariamente se
dirigiam à Câmara Municipal da Covilhã para tratarem da sua documentação, com
as cartas de chamada, a fim de rumarem a França, principalmente, e Alemanha,
mas também para outros países europeus, ainda com a “cortina de ferro” a
perdurar nessa Europa então dividida politicamente, sob o domínio soviético.
Enquanto as funcionárias municipais se arregalavam no
atendimento dos munícipes que pretendiam emigrar, sim, porque eram fortemente
recompensadas, para além de dinheirinho vivo em mão fechada, ou envelope
sorrateiro, também uns cabazes confiados ao porteiro, tinham assim mais um
complemento do trabalho que as mesmas funcionárias faziam brilhar àqueles
rostos rudes, de uma vida rural em que, nas suas terras, muitos comiam o pão
que o diabo amassou. Sabiam que iam tornar-se uns “novos-ricos”, regressando
depois, temporariamente, com as expressões meio afrancesadas misturadas com um
mau português.
E, assim, no regresso de férias, até já podiam ir, numa de
sobranceria, ao Café Montalto, onde só viam entrar os seus patrões, e pedir uma
bière fraiche.
Até o porteiro, guarda-portão em termos oficiais, conseguiu
que lhe fosse conseguida autorização para ir a França “tratar dumas heranças familiares” (na altura os funcionários
públicos viam-se obrigado a pedir uma autorização para sair do País). O
passaporte de turista lá foi conseguido mas o porteiro acabou por ficar e
arranjar trabalho em França, fintando os seus chefes, deixando os velhos Matias
e Lança a expelirem impropérios pela astúcia do “malfeitor”…
Mas há 40 anos, logo em 1973, surgiram sintomas de fim de
ciclo económico. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo iniciaram um
embargo com cortes na produção de crude, originando no Planeta a mais grave
crise petrolífera de sempre.
Recordo-me de, em Portugal, haver um tempo em que não se
podiam abastecer as viaturas de combustível aos sábados e domingos, ainda no
tempo de Marcelo Caetano, e já por alturas de 1974. E, outras vezes, eram filas
que se formavam num ápice, logo que era anunciado um aumento nos combustíveis.
Mas os efeitos negativos desta crise em Portugal, entre os
anos 1973 e 1974 acabaram por se confundir com os problemas de intranquilidade
surgidos na política emanada da Revolução do 25 de abril. Em 1975 o PIB viria a
cair 4,3%, segundo a Pordata, que não viria a ser superado. Mas, em 1993,
Portugal vê-se sair dum período com taxas de crescimento do PIB superiores a
3%. A economia tinha estabilizado depois do princípio dos anos 80 e da
intervenção do FMI. É aqui que, com a adesão à Comunidade Económica Europeia em
1986, e a entrada dos fundos europeus, se vê a economia aberta ao exterior e a
apetência de mais investimento estrangeiro.
Mas Cavaco Silva, com duas maiorias absolutas contava
convictamente com um forte desempenho económico positivo, com taxas de
desemprego próximas de 4%, mas, entretanto, em 1993 verificou-se que tal não
foi possível. Entretanto a economia europeia entrou em recessão e Portugal foi
um dos países mais afetados, pois o PIB viria a cair 2% em 1993. Cavaco Silva
perde popularidade e surge a vitória do Partido Socialista nas eleições
legislativas de 1995.
Em 2011, em troca dos empréstimos dos parceiros europeus e
do FMI, Portugal comprometeu-se com uma política de forte austeridade com
impacto muito negativo na atividade económica. Atingiu-se o terceiro ano
consecutivo com uma contração do PIB, com 4,8 pontos percentuais do mesmo, o
pior resultado registado em Portugal nos últimos 60 anos.
Ainda em 1973, havia uma média de três filhos por cada mãe,
ou seja, nasciam o dobro das crianças de hoje. No entanto, a mortalidade
infantil era a mais elevada da Europa. Numa centena de casamentos, poder-se-ia
verificar apenas um divórcio. E hoje? Quase que não há casamentos. O número de
emigrantes ultrapassava, em grande número, o de imigrantes. Levou assim ao
despovoamento de muitas zonas do interior do país. Também o país estava ainda
em guerra, desde 1961. Entre 1960 e 1974, a economia crescia a bom ritmo (com
uma taxa anual de 6,5%), jamais se vendo o PIB crescer desta maneira. O
desemprego era quase inexistente, mas poucos tinham as condições de
habitabilidade, como água canalizada, eletricidade e saneamento básico.
Ainda me recordo de, na escola do meu tempo, durante a
instrução primária, ver um ou outro aluno ir descalço para a sala de aula,
contra a vontade do professor.
E essa massa de gente que emigrava, na sua maioria, e muitos
outros que por cá ficavam, eram analfabetos, pois em 1973 havia, nessa
situação, 35%, com Portugal, nesta altura, a ser o país mais atrasado da
Europa, e, lamentavelmente, ainda o é da União Europeia a 27.
De 1974 a 1998, o PIB cresceu lentamente, 3,3% ao ano,
segundo a Pordata, tendo, no entanto, as despesas com as funções sociais do Estado
aumentado assustadoramente. A agricultura e as pescas deixaram de empregar
maioritariamente a população.
No ano 1993 começaram a regressar definitivamente muitos
emigrantes, até 2008. E já o Sistema Nacional de Saúde havia sido criado em
1979 e a Lei de Bases da Segurança Social em 1984. Recordo-me que os
funcionários públicos, durante anos, não tinham direito a assistência médica, o
que criou, quantas vezes, situações aflitivas, nalguns casos a terem que ser
tratados com o selo de indigentes.
Com o surgimento das novas tecnologias, começando a Internet
em 1993, a entrada em vigor do espaço Shengen em 1995, e a adoção do euro em
2002, o país forçosamente teve que mudar.
Com a globalização da economia, as indústrias tradicionais,
como na Covilhã o têxtil e de lanifícios, sofreram com isso.
Até 2013 Portugal não conseguiu ainda respirar com
tranquilidade e é, vergonhosamente, o país mais envelhecido da Europa,
chegando, no ano 2000, o número de idosos a ultrapassar o de jovens. E onde há
mais idosos a trabalhar, em relação aos países da UE.
Nos últimos 40 anos, apesar de Portugal ter mudado muito
rapidamente, face ao seu enorme atraso, não conseguiu, até aos dias de hoje,
viver afastado das crises e nelas se mergulhou fortemente. Desde 2012, Portugal
entrou num ciclo de dependência externa prejudicando a sua reputação
internacional, provocou uma depressão económica e o desemprego em larga escala.
É que, a crise ainda não acabou mesmo na Europa, e Portugal,
nesta altura, é um país a esvaziar-se, como o era em 1973 ou em 1993, ainda
que, há vinte anos, não parecesse face à vinda de muitos imigrantes.
As universidades abriram com o 25 de abril e em 2012 a taxa
bruta de escolaridade no nível superior era de 54,6%. A educação avançou assim
a um ritmo diferente da economia. Portugal não está a conseguir manter a
mão-de-obra qualificada, partindo, mais de metade para outros países,
aproveitando assim os cérebros portugueses, ao contrário do que se havia
verificado na década de sessenta. E, assim, em Portugal não se pode sonhar!
(Texto completo, a publicar no jornal "O Olhanense")
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