15 de janeiro de 2014

NADA NÃO

Esta é a minha primeira crónica de 2014, depois de ter havido, na época natalícia, uma altura propícia para acertar conversas entre familiares e amigos, e, assim, veio, a talhe de foice de uma delas, o recordar um hábito de linguagem errónea, de alguns estudantes do meu tempo:
- Fulano – perguntava o professor –, você sabe o que é o “Anel do Fogo do Pacífico?”
- “Nada não, Stôr!” – Respondia o aluno.
De tanta vez que esta resposta negativa surgia, certo dia, um professor portuense, estranho com a resposta, já depois de ter feito reparo pela estranheza da expressão, e pedido para corrigir, acabou por dizer – “Nada não?!” Que é isso? Ora bem, “nada não é sim…”
E não é que, embora nunca tenha pertencido ao léxico português, tal expressão, nos dias de hoje, vem de encontro às contradições e incoerências nas pessoas em quem devíamos confiar.
Vejamos algumas, sem qualquer intuito de alinhamento cronológico:
- Nada não! – O ano de 1993 estendeu-se pelo resto da década por ter sido o começo de um período de disparates. A situação política estava estabilizada. Cavaco Silva, a liderar o segundo governo, com os dinheiros da CEE pensava que era então um maná. Dos muitos disparates, que não cabem neste apontamento, desde a demasiada facilidade na aquisição de casa própria ao grande aumento do número de funcionários públicos, contribuiu muito para a situação em que hoje nos encontramos. “Cavaco, abençoado seja, é um grande e inesgotável tema de comentário. Mas apresenta dificuldades: manter um registo publicável num jornal e atualizada a lista de todas as suas piruetas, contradições, sonsices e patifarias” – in DN de 3.1.2014, por Fernanda Câncio.
- Nada não! E que dizer dos “120 mil novos empregos “ de Passos Coelho quando foram apenas 22 mil? Pois é, esta cabecinha pensadora apontou a criação destes novos postos de trabalho em 2013 como sinal de sucesso, mas desde janeiro surgiram muitos menos!
- Nada não! Ainda este Passos Coelho, acusado de mentir na mensagem de Natal, com o conluio do Presidente da República, que acabou 2013 com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma, qual é a legitimidade do governo e deste primeiro-ministro que continua a praticar políticas e a aplicar medidas que não sufragou democraticamente?
- Nada não! O candidato beijoqueiro das feiras e mercados “assume uma atitude de grande responsabilidade” com a sua demissão irrevogável do governo. Nos vários dicionários que consultei não consegui encontrar o significado desta palavra, harmonizada com a atitude de Paulo Portas. E este “nada não” transformou-se de facto, naquele sentido do professor portuense, “nada não é sim”. Um sim que valeu oiro com a sua promoção a vice!
- Nada não! Já Vasco Pulido Valente escrevia no Público uma crónica com o título “Quem nos toma a sério?” quando antes, no Correia da Manhã, surgiu um texto que se intitulava “Será que Durão Barroso também é cigano?”. Nem as instituições internacionais tratam o nosso país com algum respeito. Durão Barroso, ainda presidente da Comissão Europeia, deveria ser o primeiro a pôr na ordem alguns centros universitários em Bruxelas que insistem em qualificar-nos como fazendo parte dos “Porcos”. Mas um centro de estudos na Bélgica incluiu agora Portugal no grupo dos “Ciganos”. Primeiro, fazíamos parte dos chamados “PIGS” (significado de “porcos” em inglês), com as designações das iniciais dos países “Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (Spain em inglês)”. Estes animais foram usados em caricaturas para ilustrar as misérias económicas dos países. Apareceu agora a denominação de ciganos, ou “GIPSY”, em inglês, em que os cinco países do costume são incluídos. Será que Durão Barroso não consegue banir estes ultrajes?
- Nada não! E para colocar ponto final nesta crónica primeira do ano 2014, uma referência às palavras do antigo jornalista e atual escritor e comentador político, Miguel Sousa Tavares, na sua coluna de opinião, no semanário Expresso“2013 foi um ano inútil” e “o objetivo político da maioria governamental para a primeira metade do ano que entra é apenas o de prolongar o estado vegetativo que vivemos em 2013”.

(In "Notícias da Covilhã", de 16.01.2014)

2 comentários:

Jorge Correia disse...

Gosto e leio sempre os escritos deste me Amigo.No entanto gostaria de apontar algumas falhas de memoria ao artigo em questão:1º de facto tivemos demasiadas facilidades nos governos do prof.Cavaco Silva.Só que infelizmente os beneficios foram na sua maioria para os publicos e,para os privados,nada.Todos os beneficiados ficaram "bué" de contentes e todos o apoiaram,nessa altura que estavam a usufruir dessas regalias especiais.2ºO articulista esqueceu-se,penso que involuntariamente antes destes 120.000 empregos anunciados já o Sr.Socrates tinha prometido o mesmo e,NADA cumpriu.!3º o actual 1º Ministro ,se quisermos ser honestos,não enganou ninguem pois foi verdade que foram criados esses postos de trabalho.A diferença que a oposição menciona deve-se ao facto de que entretanto se perderam tambem bastantes o que faz com que no apuramento liquido fossem contabilizados 22.ooo liquidos.Sejamos coerentes e não facsiosos.4º Quanto a legitimidade do Governo ou 1ºMinistro qualquer pessoa de bom senso e, que ,no minimo profece a democracia existente ,nunca será capaz de por essa legitimidade em causa ou então,teremos só um olho para ver e,não dois.Em tempos o Amigo disse ,em questão a um comentario meu ,neste mesmo lugar que só respondia a quem tinha consideração.Eu,penso o mesmo e,por essa razão permito-me comentar tambem o presente.Um abraço do Jorge.

João de Jesus Nunes disse...

Caro Amigo Jorge Correia,
Ao escrever as minhas crónicas e textos de opinião, não o faço levianamente, ainda que, eventualmente possam existir algumas omissões. Uma das coisas que tenho sempre presente, e disso jamais prescindo, é pensar sempre pela minha cabeça, ainda que me socorra da ajuda do que muito leio na diversa imprensa. Muito haveria a dizer, o que não cabe neste espaço, assim como no dos jornais (por exemplo, estes dois últimos textos estão mais completos na versão anterior que não foi para a publicação em papel, e pode ler neste mesmo blogue). Escrevo, obviamente, porque sei que tenho leitores, e muitos, felizmente, caso contrário não perdia tempo com o raciocínio e pesquisas. Depois, não é minha pretensão que todos sejam de opinião unânime, é bom que haja pontos de vista diferentes, como alguma do meu Amigo Jorge. Caso não se verificasse é tal como uma equipa de futebol que ganha sempre e não dá oportunidade de criar aquele frenesim porque já se sabe à partida quem é a vencedora, tornando-se, a meu ver, enfadonho...
Concordo plenamente consigo na parte em que refere que Cavaco Silva (desculpe, mas para mim foi o pior Presidente da República de todos os tempos até aos dias de hoje)beneficiou mais os funcionários públicos, e de que maneira! Mas isto são contas para outro rosário. Que o 1.º Ministro não enganou ninguém, isso não concordo como meu Amigo, pois ele enganou desde o início, ao prometer que fazia uma coisa e depois surgia sempre outra. Então não se recorda? É só consultar os jornais anteriores, e não só. Enquanto estão na Oposição têm a obrigação do conhecer todos os "dossiers" para poderem argumentar que vão fazer melhor! Depois, depois, a culpa é sempre, sempre dos governos anteriores. Não sou faccioso porquanto tanto "aprovo" como "reprovo" decisões da mesma figura do Governo ou de quem nos deve defender na saúde, no ensino,na justiça; e tão só lamento que não haja um Presidente da República imparcial. Bendito seja Ramalho Eanes!
Também não sou filiado em nenhum partido e, por isso, estou à vontade para poder opinar livremente, sem ter que me vergar sob o peso do "partidarista". Olhe que há muita gente que vê, como o Amigo diz, só com um olho, mas eu vejo bem, há muitos anos, com quatro... Quanto ao Sócrates foi um homem que eu gostei, no seu primeiro Governo, e de início, de fazer a "Revolução" que se impunha, e, por isso, falei a contento sobre ele, mas que, desde logo que o vi tomar os rumos dos habituais governantes, foi de imediato um homem da minha repulsa, que ainda se mantém. Vou terminar e agradecer-lhe o seu comentário, despedindo-me como um abraço. João Nunes