Referi-me a última vez sobre este
assunto para as páginas dum semanário, em 16-06-2011, então sob o título “O 10
de Junho e a alma de um Povo”. Foi num período conturbado da nossa história
democrática, em que, pela primeira vez em Portugal, no dia 10 de junho de 2011,
na sessão solene de Estado, em Castelo Branco, reuniu dois primeiros-ministros:
o do ainda Governo de gestão, José Sócrates, e o eleito nas urnas há menos de
uma semana, Passos Coelho. Cavaco Silva, o então presidente da República, falou
sobre o momento delicado que se vivia e parafraseou o médico albicastrense, do
século XVI – Amato Lusitano: “Não há cura para aquele que não quer ser curado”.
Antes de passarmos ao presente,
por curiosidade, recordo que houve várias datas de algum relevo, nos dias 10 de
junho, sendo que, no ano 1943 foi patenteada a caneta esferográfica, substituindo
a caneta-tinteiro, invenção do jornalista húngaro Lászio Biró.
Para além do falecimento de Luís
Vaz de Camões, em 10 de junho de 1580, também houve o falecimento de Alexandre
III da Macedónia, o Grande ou Magno, em 10 de junho de 323 a.C., na Babilónia,
com 32 anos; foi em 10 de junho de 1940 que o líder italiano, Mussolini, declarou
guerra à França e à Grã-Bretanha, e, nesse mesmo dia, o Canadá declarava guerra
à Itália. Mas também, no dia 10 de junho de 1967, foi o fim da Guerra dos Seis
Dias, ganha por Israel; foi ainda o acordo no Conflito do Kosovo, em 10 de
junho de 1999, com a Jugoslávia a assinar o mesmo para encerrar o conflito.
Este ano de 2023, as Comemorações
do 10 de Junho realizaram-se na África do Sul, com a comunidade portuguesa, e
no Peso da Régua, no Douro.
A primeira referência ao caráter
festivo do dia 10 de Junho é no ano 1880, por um decreto real de D. Luís I que
declara “Dia de Festa Nacional e de Grande Gala” para comemorar apenas
nesse ano os 300 anos da morte de Luís
Vaz de Camões.
Até ao dia 25 de Abril de 1974, o
10 de Junho era conhecido como o Dia de Camões, de Portugal e da Raça, este
último epíteto criado por Salazar. A partir de 1963, o 10 de Junho tornou-se
uma homenagem às Forças Armadas Portuguesas. Com uma filosofia diferente, a
Terceira República, converteu-o no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades
Portuguesas, em 1978.
A Covilhã já foi palco da
celebração desta data, em 1988, era então presidente da República, Mário
Soares.
Pouco se sabe com certeza da vida
de Luís de Camões. Frequentou a corte de D. João III e iniciou a sua carreira
como poeta lírico envolvendo-se, como narra a tradição, em amores com damas da
nobreza e possivelmente plebeias. Levou ainda uma vida boémia e turbulenta. Foi
preso várias vezes, combateu ao lado das forças portuguesas, onde perdeu o olho
direito. Escreveu a sua obra mais conhecida, a epopeia nacionalista Os
Lusíadas. Recebeu uma pequena
pensão de D. Sebastião pelos serviços prestados à Corte. A sua obra
lírica foi reunida na coletânea Rimas, tendo deixado também três obras
de teatro cómico. Enquanto viveu queixou-se várias vezes de alegadas injustiças
que sofrera e da escassa atenção que a sua obra recebia. Boa parte das
informações sobre a biografia de Camões suscita dúvidas. Viveu seus anos finais
num quarto de uma casa próxima da Igreja de Santa Ana, num estado, segundo foi
narrado, da mais indigna pobreza. Manteve mesmo assim o escravo Jau que trouxe
do Oriente. Depois viu-se amargurado pela derrota portuguesa na Batalha de
Alcácer-Quibir, onde desapareceu D. Sebastião, levando Portugal a perder a
independência para Espanha. Consta que Camões acabou por adoecer e vir a
falecer de peste. Segundo Faria de Sousa, foi enterrado numa campa rasa na
Igreja de Santa Ana, ou no cemitério dos pobres do mesmo hospital, segundo
Teófilo Braga. A sua mãe, tendo-lhe sobrevivido, passou a receber a sua pensão
em herança. Depois do terramoto de 1755 que destruiu a maior parte de Lisboa,
foram feitas tentativas para se encontrar os despojos de Camões, todas
frustradas. A ossada que foi depositada em 1880 numa tumba do Mosteiro dos
Jerónimos é, com toda a probabilidade, de outra pessoa.
Camões viveu na fase final do
Renascimento europeu, um período marcado por muitas mudanças na cultura e
sociedade, que assinalam o final da Idade Média, o início da Idade Moderna e a
transição do feudalismo para o capitalismo.
A produção de Camões divide-se em
três géneros: o lírico, o épico e o teatral. A sua obra lírica foi desde logo
apreciada como uma alta conquista. “A sua produção épica está sintetizada N’Os
Lusíadas, uma atentada glorificação dos feitos dos portugueses, não apenas
das suas vitórias militares, mas também a conquista sobre os elementos do
espaço físico, com recorrente uso de alegorias clássicas”.
O amor e a mulher – Dos temas
mais presentes na lírica camoniana, o do amor é central e ocorre de modo notável
também n’Os Lusíadas.
Muito haveria a desenvolver dos
vários Cantos que constituem esta
belíssima obra. Apraz-me, nestas Comemorações, deixar este soneto, em Rimas,
muito conhecido:
“Amor é fogo que arde sem se
ver;/É ferida que dói e não se sente;/É um contentamento descontente/E dor que
desatina sem doer: /É um querer mais que bem querer;/É solitário andar por
entre a gente;/É nunca contentar-se de contente;/É cuidar que se ganha em se
perder;/É querer estar preso por vontade;/É servir a quem vence, o vencedor;/É
ter com quem nos mata lealdade./Mas como causar pode seu favor/Nos corações
humanos amizade,/Se tão contrário a ai é o mesmo amor?”
Camões e a sua obra principal, Os Lusíadas, são os símbolos da nação
portuguesa, e esta obra parece datar, como acredita Vanda Anastácio, do início
da monarquia dual de Filipe II de Espanha, I de Portugal, que entendeu seria de
interesse prestigiá-los como parte da sua política para assegurar a
legitimidade do seu reinado sobre os portugueses.
Três anos depois da Revolução de
abril de 1974 Camões foi associado publicamente às comunidades portuguesas de
além-mar, tornando-se a data da sua morte o “Dia de Portugal, de Camões e das
Comunidades Portuguesas”, no intuito de dissolver a imagem de Portugal como um
país colonizador e se criar um novo senso de identidade nacional que englobasse
os muitos emigrantes portugueses espalhados pelo mundo.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 15-06-2023)
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