Dois anos antes da Revolução do 25 de abril, troquei a minha vida
profissional de funcionário público pela privada. Passagem de um ano por uma
empresa do Sabugal. Entretanto, foi a anuência
a um convite de uma Seguradora, com uma delegação sediada na Covilhã. Gestão
administrativa e comercial foram da minha responsabilidade. Então para os
distritos de Castelo Branco e da Guarda. Também neste distrito a norte, houve momentos
interessantes quão importantes no contacto com muita gente. Eu que deixara a vida sedentária. Passei a ter
cada vez mais gente da minha gente. Nesses tempos iniciais, tudo era muito
difícil. Quase como o dia e a noite. Sem novas tecnologias, nem vias de acesso
modernas e rápidas, quer de comunicações telefónicas quer de transportes. A necessidade
de recorrer ao automóvel próprio ou da empresa. Facilmente compreensível. O
tempo em que, para os agricultores, ainda lhes rendiam o cultivo de searas.
Para além do trigo, centeio e aveia, também as amendoeiras em Figueira de
Castelo Rodrigo.
As searas ainda só se podiam segurar através do seguro de incêndio. Mais
tarde surgiu o Seguro de Colheitas, onde se incluíam já, entre outras culturas,
as árvores de fruto.
José Fernandes Paixão orientava-me então pelas pequenas propriedades
rústicas – as quintas – do concelho da Covilhã. Pela primeira vez iniciei o preenchimento de
uma proposta de incêndio agrícola. Então por aquelas quintas da Olivosa,
Polito, Mata Mouros, Amieiro Longo, Grila, Campo de Aviação e outras que se
estendiam pelas freguesias do Ferro e Peraboa. As propostas mencionavam o
número de quilos de cereal a segurar.
- Quantos quilos semeou?
- Tantos alqueires de centeio, tantos de aveia e tantos de pão.
- Então e de trigo?
- Ao trigo nós chamamos pão.
- Alqueires, alqueires.... Então quantos quilos são?
- Nesta região o alqueire corresponde mais ou menos a 15 ou 16 quilos.
Feitos os cálculos manualmente (ainda sem a utilização da calculadora
portátil), havia ainda que adicionar 10% para segurar a palha.
Fiquei habilitado a segurar alqueires de cereais e respetivas palhas
para os animais.
Agora, chegava a vez da zona da Guarda, com o José Maria Guerra
Caseira, que fora funcionário da Câmara Municipal de Figueira de Castelo
Rodrigo, e antigo guarda-redes do Vilar Formoso. Percorremos freguesias daquele Concelho e do de
Almeida. Algodres, Vilar de Amargo, Almofala, Escarigo, Castelo Rodrigo,
Reigada, Vilar Torpim. Escalhão, Freixeda do Torrão, Quintã de Pêro Martins,
Penha de Águia, Mata de Lobos e Vermiosa.
César Espinho, informou então que tinha semeado tantas fanegas de
trigo.
- Fanegas?
- Sim, uma fanega são 50 quilos nesta região.
Deixei de ficar perplexo. Sempre a aprender. E cá no meu pensamento
ficou a ideia de um dia escrever sobre estas peripécias da minha vida
profissional, e não só.
Mas, nesta de clientes, ficou-me gravada na memória a simpatia geradora
de amizade de Trigo Benedito, da Vermiosa. Colocou-me à disposição o seu
telefone (ainda não havia telemóveis) para, cerca das 23 horas poder entrar em
contacto com a minha esposa, sossegando-a de que chegaria mais tarde à Covilhã.
Embora com as cautelas devidas, lá vinha eu com uns obrigatórios copos
bebidos. Ainda não havia controle antidoping... Preferia deslocar-me pela estrada antiga de
Vilar Formoso – Guarda. Ainda não havia ali as autoestradas. Evitava as perigosas curvas de Pinhel, àquelas
horas da noite.
Depois de uma paragem para um chichi, à beira da estrada, ouvia o
cantar dos grilos, e um ou outro pássaro que esvoaçava. Lá seguia a caminho da
Covilhã. Uma das vezes, com uma lebre que, encandeada, atravessava a estrada
quando passava com o carro, na vinda da Vermiosa.
Muito mais poderia contar por entre amigos dessa zona, como o meu
antigo camarada de armas, na Guarda, e também funcionário da Câmara de Figueira
e Castelo Rodrigo, Francisco Pereira. Ou, então, na Cidade da Guarda, através
do amigo colaborador Francisco Vieira, funcionário do Montepio Egitaniense.
Algumas vezes pernoitei na Pensão Aliança, com uma visita obrigatória ao
proprietário da Loja das Meias. E ao quiosque para adquirir jornais da Guarda.
Tempos que já lá vão.
João de Jesus Nunes
(In Jornal “A Guarda”, de 29-06-2023)
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