24 de junho de 2023

OS QUE AINDA ESTAMOS NO MUNDO DOS VIVOS


 

Cada vez mais se vai reduzindo o número dos Antigos Combatentes. N’ O Combatente da Estrela, na página da necrologia, por vezes, surgem surpresas sobre os que terminaram a sua missão neste planeta. Muitos deles, senão todos, foram parte importante de algum tempo passado de confraternização, memorizando os tempos da guerra, mas também outros melhores períodos das nossas vidas, como da infância, juventude, tempo da vida escolar à profissional, as viagens, os de convívio fazedores de amizades, não esquecendo os familiares. Já não são só os filhos, mas também os netos.  Até que o prazo de validade humana termina mais cedo ou permanece mais tardio para outros Camaradas.

É a lei insofismável da vida. Esse diafragma que nos suporta mais ou menos tempo. O equador das nossas vivências. Aquele que divide os dois “hemisférios” do nosso corpo humano, embora não sendo esférico. Por um lado, o das memórias e do pensamento que nos direciona para decisões em prol do companheirismo. Por outro, aquele que nos traz o desconforto, o imprevisto, o fazedor de maleitas incontornáveis que se vão agudizando. Muitas vezes parece que nos colocam repentinamente em órbitra, e o nosso “corpo-planeta” perde o caminho a percorrer e vai-se desvanecendo.

Desde a existência do homem na Terra, sempre houve guerras. Ainda umas não acabaram já outras foram emergindo pelo território planetário.

Na última revista “O Combatente”, edição 403, de março de 2023, o diretor, Joaquim Chito Rodrigues, Tenente-General e Presidente da Liga dos Combatentes, no seu editorial, fala num “tema controverso e fraturante sobre o conflito armado que opôs Portugal aos chamados Movimentos que em Angola, Moçambique e Guiné lutaram pela independência!”. Colocou o título – “Guerra Colonial, Guerra do Ultramar, Guerra de África (1961-1975) ... ou Guerra de Libertação?” E desenvolveu o seu artigo dizendo que “Vai-se ao ponto de se considerar que quem utiliza o termo guerra do ultramar é politicamente de direita, quem utiliza o termo guerra colonial é de esquerda! Alguns historiadores tentam mesmo encostar os combatentes do ultramar politicamente, à extrema-direita”. Importante assinalar que a designação oficial de Províncias Ultramarinas durou legal e constitucionalmente 102 anos (de 1838 a 1920 e de 1951 a 1974); e a designação de colónias e de império colonial durou apenas 31 anos (de 1920 a 1951, dez anos antes da guerra do ultramar, embora houvesse Ministro das Colónias depois de 1911).

Na Liga dos Combatentes usamos genericamente a terminologia ultramar e guerra do ultramar e por vezes face à análise do universo envolvente acrescentamos ou guerra colonial se assim lhe quiserem chamar!... “Somos inclusivos – diz Chito Rodrigues. Hoje mantemos relações institucionais com as Associações de Combatentes dos países que fizeram as guerras que denominam ‘Guerras de Libertação’”.

No dia 1 de abril, realizou-se o “Dia do Combatente” e o 105º Aniversário da Batalha de La Lys.

Sobre a secretária do meu escritório, fui encontrar o livrinho de 84 páginas, ano 2012, numa 4ª edição, de Jaime Froufe Andrade, da Coleção Memória Perecível, da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.  O seu título: “Não Sabes Como Vais Morrer”. São 7 mais 1 histórias de guerra deste autor, e regresso atribulado no Vera Cruz.  Da página 67, transcrevo parte da narração do alferes miliciano Dinis Martins: “Depois da noite em claro, fui até ao bar dos oficiais. Encontrei-o vazio. Não tardou a entrar lá um homem alto, magro, vestido de branco. Era o Comandante do Vera Cruz. Ofereci-lhe a minha mesa e falei-lhe do susto. Lembro-me de ele comentar que poderia ter sido a maior tragédia desde que Portugal se lançou nos Descobrimentos. Comentou ainda que, se tivesse surgido uma terceira vaga, a proa não conseguiria recuperar, e o Vera Cruz mergulharia no oceano para sempre. Dito isto caímos os dois em silêncio”.

Não será demais recordar a primeira parte de um artigo do politólogo, Raul de Almeida, inserido no Jornal Económico, de 07-04-2021, sobre Os Combatentes do Ultramar:

Por todo o mundo, e por muitos pontos de Portugal, há monumentos e toponímia em homenagem aos diferentes combatentes, que em diferentes guerras deram o melhor de si pela pátria, tantas vezes a própria vida. O fenómeno da guerra defensiva liga-se ao longo dos tempos a uma forte ideia de patriotismo. O soldado é por natureza alguém pronto a lutar e morrer pela pátria. Tal condição, independente de ser ou não voluntário, é premissa de coragem e heroicidade.

Os Combatentes portugueses da Guerra do Ultramar, nas suas diferentes frentes, foram homens de enorme coragem e heroicidade. Com risco da vida, a maior parte das vezes distantes das suas famílias, enfrentaram anos da sua vida à defesa de Portugal, que à altura era do Minho a Timor. Aos combatentes não cabe a decisão da guerra ou das fronteiras da nação, apenas o cumprimento da missão que esta implica.

Portugal tem uma dívida de gratidão com todos os combatentes na sua longa história. De Ourique ao Ultramar, a História e as diferentes dimensões de Portugal foram sempre garantidas por combatentes valorosos. As diferentes mudanças territoriais, as poucas derrotas, foram sempre fruto de decisões políticas, nunca podendo ser imputada ao soldado português.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “O Combatente da Estrela”, nº 131-JUL/2023)

Sem comentários: