16 de dezembro de 2022

FIGURAS MEDIÁTICAS DOS PROGRAMAS TELEVISIVOS








 


Neste final do ano da graça de 2022, trago aos prezados Leitores do quinzenário “O Olhanense”, e não só, figuras que foram e continuam a ser mediáticas, ao longo do ano que agora finda, prazerosas para uns, contestadas por outros. 

Algumas delas têm proximidades das suas origens nas Beiras. Esta teimosia de me alongar demasiado reverte-se no prazer que dedico às páginas desta prestigiosa publicação, ao longo de um quarto de século. Por isso as minhas desculpas para todos quantos se sentirem lesados com a minha pertinácia, sem olvidar o precioso espaço que ocupo neste Jornal.

Poderia ter escolhido outro tema, mas não era a mesma coisa. Assim, vamos ao assunto em título:

Ricardo Artur Araújo Pereira: - Nasceu em Lisboa em 28 de abril de 1974, é um humorista, jornalista e comentador político. O seu percurso escolar e académico foi inteiramente realizado em instituições ligadas à Igreja Católica – fez o ensino básico e secundário em colégios de freiras vicentinas e padres franciscanos e jesuítas. Licenciou-se em Comunicação Social e Cultural, na Universidade Católica Portuguesa. Antes do jornalismo, já revelava o seu gosto pela escrita e, particularmente, pela escrita para humor. No final do ano 1990 foi descoberto por Nuno Artur Silva e chamado a colaborar com este na Produções Fictícias, de onde saíram os textos para programas de Herman José. Por volta de 2003, depois das primeiras aparições na televisão, designadamente no programa de humor stand-up comedy, Levanta-te e ri, na SIC, Ricardo Araújo Pereira começa a fazer, junto de Zé Diogo Quintela, Tiago Dores e Miguel Góis, várias rubricas no programa de Fernando Alvim e Nuno Markl, O Perfeito Anormal, na SIC Radical. Seria a partir dessa experiência que davam arranque para o projeto Gato Fedorento, na SIC Radical e na RTP1. Também na RTP1 apresentou Diz Que É Uma Espécie de Magazine em 2007. Escreveu semanalmente no jornal A Bola e atualmente na revista Visão. Na TSF, depois na TVI24 e atualmente na SIC, integra o painel de debate Governo Sombra, apresentado por Carlos Vaz Marques e os comentadores Pedro Mexia e João Miguel Tavares.

Catarina Cardoso Garcia da Fonseca Furtado: - Nasceu em Lisboa em 25 de agosto de 1972, é apresentadora de televisão e atriz. Como apresentadora, já trabalhou no canal SIC e na RTP. Ao longo da sua carreira tem abraçado diversos projetos como atriz. Desde 2000 exerce a função de Embaixadora de Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA). É fundadora e Presidente da Associação Corações com Coroa. É filha do conhecido jornalista Joaquim Furtado (Joaquim da Silva Furtado), natural da Beira Baixa (Penamacor), que foi diretor de programação da RTP na década de 1990. No Rádio Clube, onde Joaquim Furtado regressou ao fim de três anos, lá se encontrava na madrugada do golpe de 25 de Abril de 1974. Com a ocupação da estação pelos militares do Movimento das Forças Armadas, seria a Joaquim Furtado que caberia a leitura do primeiro comunicado oficial do movimento. Casado com Maria Helena Cardoso Garcia da Fonseca, natural da Beira Alta, Souto, freguesia do concelho do Sabugal.

Catarina Furtado, a convite de Maria Elisa, mudou-se para SIC, em 1992. Em 1993 foi convidada para apresentar “Chuva de Estrelas”, programa que se tornou um fenómeno de popularidade, tornando a SIC em líder de audiências pela primeira vez. Passou a ser um dos rostos mais populares da televisão portuguesa e ganhou o epíteto de “namoradinha de Portugal”. Efetuou outros programas, assim como apresentou algumas galas daquela estação como os “Globos de Ouro”. Voltou à RTP em 2003, para apresentar o programa “Operação Triunfo”. Além de variados programas, em 2014 foi a apresentadora do programa “The Voice Portugal”, tendo em 2015 e 2016, com Vasco Palmeirim, apresentado novas edições deste programa. Em 2018 apresenta o Festival Eurovisão da Canção juntamente com Daniela Ruah, Filomena Cautela e Sílvia Alberto.

Em 2010 foi convidada pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, para participar como Oradora na Cimeira do Milénio em Nova Iorque enquanto “Campeã dos ODM” e na Abertura Oficial do Ano Internacional da Juventude. Desde essa altura tem sido oradora convidada na Apresentação Pública do Relatório sobre o Estado da População Mundial, na Assembleia da República e no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Do namoro com o músico e compositor João Gil, natural da Covilhã, nasceram algumas letras de canções. Essa colaboração ficou registada em vários álbuns e projetos do músico, como a Ala dos Namorados e Filarmónica Gil. Foi também editado o álbum Perdidamente – As Melhores do João Gil.

Cristina Maria Jorge Ferreira: - Nasceu na Malveira em 9 de setembro de 1977, é apresentadora de televisão e empresária.

Como acabou por não ficar na RTP, entrou no curso de apresentação lecionado por Emídio Rangel na Universidade Independente. Nos 6 meses de formação teve Manuel Luís Goucha e Júlia Pinheiro como seus professores. No final do curso fez castings e foi selecionada para o Extra, o programa diário do Big Brother, onde fez os seus primeiros diretos na televisão. Com menos de um ano de experiência na TV, foi convidada por Júlia Pinheiro e José Eduardo Moniz para apresentar, em conjunto com Manuel Luís Goucha, o programa Você na TV, talk show matinal transmitido pela TVI desde 2004 e que entre 2007 e 2019 foi o programa líder de audiências no seu horário de emissão. Em 2006 participou como concorrente no programa Canta Por Mim. Em 2009 teve uma pequena participação na novela da TVI Sentimentos, fazendo de si própria. Apresentou em 2011, também em conjunto com Manuel Luís Goucha, a 4ª edição do talent show Uma Canção para Ti. Em abril de 2011 foi considerada a melhor apresentadora da televisão do ano, na II Gala Troféus TV7Dias, sucedendo assim a Júlia Pinheiro que tinha sido a vencedora da 1.ª edição. Em 2012 voltou a apresentar um programa de horário nobre a um domingo, o talent show A Tua Cara Não Me é Estranha, ao lado de Manuel Luís Goucha, o mesmo acontecendo em 2013. Neste ano estreou-se a solo num programa de entretenimento ao domingo e em horário nobre na TVI, intitulado de Dança com as Estrelas, que decorreu durante o verão. De 1 de dezembro de 2013 até 2018, Cristina Ferreira foi Diretora de Conteúdos Não Informativos na TVI, em acumulação com o seu trabalho de apresentadora. A partir de março de 2017, passou a apresentar o concurso Apanha Se Puderes, que chegou a destronar o programa que era líder de audiências naquele horário (19h), O Preço Certo (RTP1). A 22 de agosto de 2018 é anunciada a mudança de Cristina Ferreira da TVI para a SIC. Após 16 anos na estação de Queluz de Baixo, a apresentadora mudou-se para a rival SIC, onde assume o comando do novo programa das manhãs e o cargo de Consultora Executiva da Direção-Geral de Entretenimento. Esta terá sido a contratação televisiva mais mediática da década de 2010 em Portugal. Assim, em agosto de 2018 Cristina Ferreira deixa de apresentar o “Você na TVI”. A 7 de janeiro de 2019, estreia na SIC “O Programa Cristina”, o primeiro programa apresentado por si desde a sua saída da TVI. Contudo, até dia 22 de fevereiro de 2019 ainda foram emitidos episódios de “Apanha Se Puderes” apresentados por Cristina Ferreira, criando assim uma situação pouco comum na TV portuguesa (em que uma personalidade televisiva de destaque aparece regularmente em dois canais rivais de TV, neste caso a SIC e a TVI). Tal situação prende-se com o facto de terem sido gravados vários episódios do concurso antes do anúncio da saída de Cristina Ferreira da TVI. Em 2019 também apresentou a Gala de premiação dos Globos de Ouro de 2019 no qual foi vencedora de uma das categorias a de “Personalidade do ano” na área de entretenimento. Durante a década de 2010, Cristina Ferreira passou a ser uma das figuras públicas mais mediáticas de Portugal. À data de 2017, Cristina Ferreira já era a profissional de apresentação de televisão mais bem paga em Portugal, mantendo esse mesmo estatuto aquando da mudança para a SIC, onde passou a receber um salário ainda maior.

A 17 de julho de 2020, Cristina Ferreira abandonou a SIC para voltar à TVI de onde saiu em agosto de 2018. Regressa à estação de Queluz de Baixo como diretora de entretenimento e ficção e como acionista da Média Capital, a detentora da TVI. A SIC pediu a Cristina Ferreira 20.202.501,21 euros pelo incumprimento do contrato de forma unilateral que vigorava até dezembro de 2022. No verão de 2021, Cristina Ferreira pôs fim à relação com António Casinhas. No mesmo ano foi considerada pelo Correio da Manhã através de uma votação feita pelo público, a mulher mais sexy de Portugal.






Filomena José Dias Fernandes Cautela: - Nasceu em Lisboa em 16 de dezembro de 1984, é atriz e apresentadora. Tem no currículo a participação em diversas telenovelas portuguesas e ainda a apresentação de programas de relevo na MTV Portugal e nos canais da RTP. Em 2003 participou na série infantil/juvenil “Morangos com Açúcar”. Participou no cinema e na televisão. Em 2005, vence o projeto MTV VJ Casting, lançado em junho com o objetivo de escolher o novo apresentador da MTV Portugal.

Após várias participações em programas e festivais, apresenta novamente o talk-show da RTP1, 5 Para a Meia-Noite, de 2015 a 2020. Em 2020 apresenta na RTP1 o concurso “Quem Quer Ser Milionário? – Alta Pressão”. Em 2021, apresenta na RTP1, um novo talk-show semanal com o nome “Programa Cautelar”. Este programa de 45 minutos junta informação com humor, bem como cada um dos seus episódios, abordando, com factos e análise, um tema importante do momento.

Sílvia Alberto: - Nasceu em Lisboa em 18 de maio de 1981. É apresentadora. Iniciou-se em televisão em 2000 como apresentadora do programa Clube Disney na RTP1, seguindo-se Clube da Europa na RTP2, em 2001. Simultaneamente apresenta o Programa da Manhã, na Mix FM, até 2002. Nesse ano, muda de estação e torna-se repórter da SIC. Popularizou-se como apresentadora do concurso musical Ídolos. Ainda na SIC, apresentou as edições de 2004 e 2005 dos Globos de Ouro com Herman José e Fátima Lopes. Regressou à RTP1 em 2006 com Dança Comigo. Entre outros programas de entretenimento esteve na apresentação de formatos como Operação Triunfo (2007/2008 e 2010/2011), Masterchef (2011), entre outros, bem como apresentou várias edições do Festival RTP da Canção. Desde 2015 até final de 2018 conduziu as entrevistas da Sociedade Recreativa. Apresentou o programa de talentos Got Talent Portugal na RTP 1.

Marco Paulo: - Nome artístico de João Simão da Silva, nasceu no Alentejo, em Mourão, no dia 21 de janeiro de 1945. É um dos mais populares cantores portugueses. Recebeu até hoje 140 galardões de platina, ouro e prata – e até um de diamante – por vender mais de um milhão de cópias, um recorde em Portugal. Marco é um dos músicos recordistas de vendas em Portugal, com vendas superiores a 5 milhões de cópias. Ficou em terceiro lugar no Festival da Canção da Figueira da Foz. Em 1967 participa no Festival RTP da Canção com “Sou Tão Feliz”. Foi depois para a Madeira cantar com Madalena Iglésias. A partir daí passou a profissional. É chamado para a tropa tendo ido para a Guiné-Bissau onde foi escriturário. No ano de 1972 fica em quarto lugar no concurso Rei da Rádio desse ano. O single “Eu Tenho Dois Amores”, editado em 1980 torna-se no seu maior êxito. Em 1981 é editado o single “Mais e Mais Amor” que atinge um disco de prata e dois de ouro, com 130 mil discos vendido. Em 1982 regressa ao Festival RTP da Canção com “Se Este Amor Acabar é o Fim do Mundo”. Disco de Ouro para o single “Anita”. Também é editada a coletânea “O Disco de Ouro” com os maiores êxitos dos primeiros 15 anos de carreira. O álbum vende mais de 140 mil exemplares (4 discos de ouro). Participou no Festival OIT com “Rosa Morena”. Na continuidade do seu sucesso, em 1990 é editado o álbum “De Todo o Coração”, com o grande sucesso desse disco nas canções “Um Amor Em Cada Porto”, “Ai Ai Meu Amor” e “O Amor é tudo”. Com o single “Taras e Manias”, de 1991, obtém cinco discos de platina (160 mil discos vendidos). É ainda lançada a coletânea “Maravilhoso Coração” com 25 sucessos. Em janeiro de 1993 é editado o álbum “Amor Total” que se torna em mais um campeão de vendas. A partir de abril de 1994 apresenta na RTP o programa de televisão “Eu Tenho Dois Amores” com grande sucesso. Desde 5 de junho de 2021 o artista tem um programa semanal na SIC, “Alô Marco Paulo”, apresentado por si e por Ana Marques.

Tânia Ribas Dias de Oliveira: - Nasceu em 18 de junho de 1976, em Lisboa. É apresentadora de televisão. É casada pela Igreja desde 25 de julho de 2009, sendo católica praticante. O seu primeiro trabalho televisivo foi como repórter de exteriores da Sport TV, no ano 2000. Estagiou na RTP em 2002-2003, canal onde se encontra atualmente no programa Bom Dia Portugal, como repórter de exteriores na Volta a Portugal em Bicicleta, na Operação Triunfo, no programa Praça da Alegria. Além de outros, desde o dia 17 de setembro de 2007 até janeiro de 2013 apresentou o programa “Portugal no Coração” (talk show da tarde), com João Baião, e depois sozinha. Apresentou também Fatura da Sorte, e desde 22 de setembro de 2014, “Agora Nós”, também na RTP. Em 2018 apresentou juntamente com Sónia Araújo, a segunda semifinal do Festival da RTP da Canção 2018. O novo programa das tardes da RTP, talk show “A Nossa Tarde”, apresentado por Tânia Ribas de Oliveira que se estreou em 22 de abril de 2019, substituiu o “Agora Nós”. Foi pensado a partir da essência da apresentadora. Tem, por isso, um lado mais emocional, com base em histórias com final feliz, e um lado muito divertido, ou não fosse a nossa Tânia uma pessoa que gosta de dar umas belas e sonoras gargalhadas.

Mental Samurai: - É um concurso de televisão apresentado por Pedro Teixeira e transmitido nas noites de sábado na TVI. Até final da 3ª. temporada, apenas 1 concorrente arrecadou o primeiro lugar, tendo respondido acertadamente a 20 perguntas e vencido os 50.000 euros. O episódio ocorreu na 2.ª temporada, no dia 18 de janeiro de 2020, no momento em que Beatriz Albergaria se tornou a primeira Mental Samurai de Portugal.

Circulatura do Quadrado: - É um programa de televisão, emitido na TVI24 por volta das 23 horas de quinta-feira, que anteriormente passava na SIC Notícias com o nome de Quadratura do Círculo, que se dedica a comentar questões de caráter político, social e económico. O programa esteve no ar na SIC entre 2004 e janeiro de 2019, e na TVI24 desde 2019. Desde 2020, o elenco é o historiador José Pacheco Pereira, Ana Catarina Mendes e o advogado e gestor de empresas António Lobo Xavier, com a moderação do jornalista Carlos Andrade. Na sua última versão antes de mudar de canal fazia parte do elenco o gestor de empresas e ex-ministro Jorge Coelho, entretanto falecido. O programa é retomado na T&VI24, a 7 de fevereiro de 2019, mas comn outro nome, “Circulatura do Quadrado”. Entretanto, ainda antes de falecer, o comentador Jorge Coelho foi substituído por Ana Catarina Mendes.

Geometria Variável – Antena 1 e RTP Play: - É um programa matinal, diário, da jornalista Maria Flor Pedroso, com Nuno Severiano Teixeira e Carlos Coelho. Geometria variável, um nome que encerra um conceito: pode ter convidados e emissões especiais.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-12-2022 e 15-12-2022)


14 de dezembro de 2022

QUANDO O MENINO SUCEDEU AO SOL

 


Aproximamo-nos da Quadra Natalícia, este ano, da tarde do sábado de 24 de dezembro até à tarde de quinta-feira, 5 de janeiro de 2023, nesta sucessão de datas comemorativas que acontecem no final do ano e início do ano gregoriano. Engloba quatro cerimónias importantes na maioria das igrejas cristãs, sendo os eventos que ocorrem nesta época, o dia de Natal (25 de dezembro), Ano Novo (31 de dezembro), Paz (1º de janeiro), a Epifania do Senhor/Dias de Reis (6 de janeiro). O Natal, a Paz e a Epifania do Senhor são duma forma geral cerimónias cristãs, sendo que as restantes são de comemoração coletiva, quer nos crentes católicos quer noutros não crentes. É assim que a junção destas quatro cerimónias dão origem À Quadra Festiva ou Quadra Natalícia.

Poderia vir falar de variadíssimos temas de que o ano 2022 foi rico, mas direcionei-me para a vertente natalícia, tão desejoso do encontro de perspetivas de paz, de que este período é favorável.

Conforme refere Helena Neves num artigo no Público, de há dúzia e meia de anos, antes do Menino foi o Sol, esta estrela que é fonte e símbolo de vida que, ciclicamente desaparecia cada vez mais cedo no horizonte e tardava cada vez mais a nascer. O mistério das noites tornadas mais longas inquietava os povos como ameaça à vida. Havia sempre a esperança de que o sol crescendo de novo, sucedesse a esse tempo de trevas teimosas que os romanos denominariam de solstício – do latim sol e de stare, parar – de inverno, mas também o temor de que assim não fosse. Daí os rituais de todos os lugares, desde o período do Neolítico. Apelando a um outro ciclo de luz, porque luz é, por excelência, o símbolo da vida. Em todas as manifestações cósmicas, a luz sucede às trevas. Por isso, o parto é designado como “dar á luz” a vida que vem do interior, sombrio e húmido, do corpo da mulher. Em contraste, as trevas, associadas à morte, representam um universo misterioso, temível. É na noite que despertam os nossos medos. É neste contexto de medos e de esperança, de ultrapassagem da terra nua e sombria para a terra prometida, que nasce o Natal. Enraizando-se nos cultos mais remotos, depois da Igreja instituída ter compreendido que somente integrando o simbolismo inerente aos rituais do solstício de inverno, transformando-o num sentido cristão, poderia neutralizar toda a energia pagã e utilizá-la na expansão do cristianismo favorecida por condições políticas e sociais específicas: a conversão do imperador Constantino, consagrando-o como religião do Estado, o desenvolvimento do comércio entre os povos e o proselitismo dos missionários, essencialmente a partir dos séculos XV e XVI, com as descobertas e o início da colonização europeia.

Tornada impulso estratégico neste processo, a celebração do Natal como nascimento de Cristo ultrapassaria as fronteiras originárias pagãs e religiosas, impondo-se como uma festa universal.

A míngua dos dias levava os povos a temerem as noites do solstício de inverno e a ascenderem fogueiras e madeiros, chamas vivas de luz, apelando à aurora. E, finalmente, quando passava a noite mais longa e a manhã nascia, os povos saudavam o sol. Para os judeus, era a Festa das Luzes, e os fenícios chamavam-lhe o “Despertar de Hércules”. Em Roma celebravam-se as saturnais, festas em honra de Saturno, deus das sementeiras. As festas celebravam-se de 19 de dezembro a 1 de janeiro assinalando 12 dias e 14 noites, intervalados entre ciclos opostos da lua. A pressão dos cultos pagãos e de correntes no seio da Igreja levaria, no entanto, a Igreja a assumir como celebração o nascimento de Cristo no mundo. Mas como datá-lo? Os textos evangélicos que o referem, os Evangelhos de S. Lucas e de S. Mateus são omissos. S. Lucas fala dos pastores e dos seus rebanhos vindo saudar o Menino (S. Lucas,II.8), o que obviamente se enquadra na primavera. E, efetivamente, foram fixados o dia 25 de março, equinócio da primavera e até o dia 20 de maio. O que não resolvia a continuidade dos rituais ancestrais. Daí que a Igreja se aproprie de datas de interiorizado simbolismo no imaginário popular, escolhendo-as para assinalar o nascimento de Jesus, que passa a ser festejado a partir do século IV, depois de o cristianismo ser declarado religião oficial do Estado pelo convertido imperador Constantino. Todavia não se verificará unanimidade no universo cristão que se divide em duas datas. A Igreja do Oriente escolhe para nascimento e simultaneamente para adoração dos Reis Magos e batismo de Jesus, o 6 de janeiro, Dia da Epifania. A Igreja do Ocidente escolhe o 25 de dezembro, nascimento de Cristo, dia fixado definitivamente em 354 pelo calendário fitocaliano, e, a partir de 379, imposto por Roma a todo o Império. O Sol cede assim o lugar ao Menino. Santo Agostinho, admitindo, implicitamente, a origem pagã da data natalícia, exorta os cristãos a festejarem a 25 de dezembro não o Sol, mas aquele que criou o Sol.

Aproveito esta oportunidade para desejar ao Fórum Covilhã as maiores felicidades para a continuidade do seu sucesso editorial, após os seus onze anos de vida, celebração ocorrida em 29 de novembro.

Votos de um Feliz Natal para todos os prezados Leitores do Jornal Fórum Covilhã, Diretor e todos os seus Obreiros e Familiares.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 14-12-2022)

             

12 de dezembro de 2022

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA JOÃO JOSÉ DE JESUS PEREIRA

 






Neste número trazemos as memórias do antigo combatente na Guiné, covilhanense sobejamente conhecido, que estudou na Escola Industrial e Comercial Campos Melo (EICCM), onde tirou o Curso Geral do Comércio e depois os complementares, tendo aí desempenhado funções docentes como professor de grafias e datilografia. Era então o tempo em que ainda não existiam os computadores nem a Internet mas tornava-se imperativo para certos domínios, nomeadamente nas empresas, no âmbito das contabilidades, os conhecimentos da utilização das letras francesa, inglesa, a cursiva (e alguns chegavam ainda à letra gótica).

Nasceu em 5 de dezembro do ano da graça de 1948. É casado, tem três filhos e quatro netos.

Iniciou o serviço militar com a sua incorporação no dia 14 de julho de 1969, no Curso de Sargentos Milicianos (CSM), por obrigação, na Escola Prática de Artilharia (EPA) em Vendas Novas, onde fez a recruta, e a especialidade de Atirador. Terminada a especialidade, e consequentemente o CSM, seguiu para o RAL 5, em Penafiel, no dia 5 de janeiro de 1970. Aqui, já como 1º Cabo Miliciano, foi mobilizado para a Guiné, tendo embarcado em Lisboa, no Uíge, em 18 de julho de 1970, tendo então já sido promovido a Furriel Miliciano.

Chegou a Bissau onde desembarcou, tendo ficado mais de um mês em Comuré (perto de Bissau) conjuntamente com mais companhias que, entretanto, se juntavam. Seguiu depois para Geba onde fez a sua comissão. Aqui os pelotões iam rodando pelos vários destacamentos, que distavam entre si, de 15 a 20 quilómetros da sede da Companhia – Geba. O Furriel Miliciano João Pereira logo foi destacado para Sarebanda onde esteve dois meses, regressando por imposição do Comando à sede da companhia a fim de substituir o vagomestre que não desempenhou bem o seu cargo, tendo sido punido e passado a atirador. Daqui beneficiou João Pereira desta substituição, que veio a desempenhar o cargo, para o qual não estava inicialmente indicado, com toda a competência e honestidade.

Sendo certo que a zona onde se encontrava (bastava referir-se à Guiné) era toda perigosa, várias vezes ia fazer reabastecimentos, mormente a Bafatá. Teve ainda a sorte de o primeiro ataque que o inimigo (IN) fez à sede da Companhia, em Geba, se encontrar no gozo férias na Metrópole, ou seja na sua Terra – a Covilhã.

Face às funções que então lhe haviam sido atribuídas, passando a não sair da sede da Companhia para o mato, teve, no entanto, o ataque do IN a um destacamento da mesma, necessitando de se socorrerem os seus camaradas. Os que iam em socorro, pelo caminho foram emboscados, a meio do percurso, tendo sofrido seis mortes e vários feridos graves. Nesta altura, o Furriel João Pereira encontrava-se na sede da Companhia.

Cumpriria o seu tempo de serviço militar obrigatório, regressando à Metrópole em 23 de junho de 1972, com passagem à disponibilidade em 16 de julho do mesmo ano.

Na sua situação de vida civil, regressou à E.I.C.C.M, na Covilhã para continuar a sua atividade docente, mas, após o 25 de Abril de 1974 seria colocado em várias escolas, nomeadamente Amora, Lisboa e Alverca. Em Lisboa, na Escola Ferreira Borges, encontrou-se com o seu antigo professor de grafias da EICCM, Joaquim Passas, passando a desempenhar a mesma função, agora como colegas. Por volta do ano 1980 deixou o ensino, regressou à Covilhã, ingressando no Instituto dos Têxteis. Com a sua extinção, ingressou na Universidade da Beira Interior (UBI), onde se aposentou.

 

 

(In “O Combatente da Estrela”, nº. 129, DEZ/2022)

DO MEU PONTO DE VISTA

 

Chegámos a mais uma etapa das nossas vidas neste planeta, atingindo o último mês do ano. Certamente que os prezados leitores quando lerem este editorial já terão deixado o equinócio do outono e passado para o solstício de inverno. É sinal de que estamos muito perto do Natal, período muito familiar de todos nós.

É também ensejo de se fazer uma retrospetiva do que se passou durante o ano que agora finda. Numa altura em que se vira mais uma página da nossa vivência na desejada direção de podermos contar mais 365 dias.

Depois de uma pandemia, que ainda ameaça persistindo com outras variantes, veio o terror beligerante da Rússia a invadir a Ucrânia, um país independente, qual lobo esfaimado.

Pelo caminho tivemos eleições na Itália e no Brasil, com efervescência nas hostes de cada país, paradoxalmente com o sentido de governar entre duas personalidades de campos opostos.

A rainha Isabel II terminou a sua longevidade de monarca e o mundo assistiu a vários dias de luto britânico e dos Reinos da Comunidade de Nações.

E talvez o Brexit tenha sido uma má aposta, com a demissão de Boris Johnson a provocar uma aceleração de sucessores, com Liz Truss (a quem Isabel II ainda deu posse) a governar apenas 49 dias, passando o testemunho a Rishi Sunak.

No retângulo à beira-mar plantado sopram ventos de alguma indefinição na maioria absoluta de António Costa, com Marcelo Rebelo de Sousa a querer equilibrar as forças, tentando algumas vezes querer agradar a Deus e ao Diabo.

E, como a banda vai passar, viajo para outro capítulo.

Na revista Combatente, de setembro de 2022, Joaquim Chito Rodrigues, Tenente-general e Presidente da Liga dos Combatentes desenvolve uma narrativa sob o título “Quando Viajar Significa Trabalhar”, respeitante a algumas críticas nas redes sociais sobre um convite a respeito de uma sua viagem a Timor-Leste, sendo que, no referido texto, também diz “Não esquecemos África, onde as ‘viagens’ de elementos da DC, à Guiné, Angola, Moçambique, Cabo Verde e S. Tomé significa, percorrer picadas, descobrir campas, levantar e lavar ossadas de camaradas caídos durante a guerra, dignificar áreas cemiteriais, construir ossários, trasladar restos mortais a pedido das famílias e lutar pela conservação do trabalho feito”. E termina: “Enfim, vividos num exigente período da Vida de Portugal que a História não vai esquecer”.

Não contesto as palavras do Presidente da Liga dos Combatentes, e de todos os elementos da Direção Central, e dos Núcleos, que viajam em prol das tarefas de apoio aos antigos combatentes e familiares, numa ação humanitária digna de alto registo. Mas não posso omitir  estar ao lado daqueles que, tendo sido obrigados a deixar as suas famílias (a mãe do sócio nº 1 deste Núcleo faleceu ao despedir-se do filho que foi mobilizado para S. Tomé e Príncipe), fizeram as suas viagens, de longas horas, de muitos dias, quantas em situações deploráveis, também para Cabo Verde e Timor, esta de 50 dias de ida, e outros tantos de regresso, como me relataram antigos camaradas, e serem excluídos da qualidade de “Combatentes” por força do famigerado artigo 2º do Estatuto do Antigo Combatente. Nestas então designadas Províncias Ultramarinas, hoje Colónias, em muitas lugares não havia nada, mas havia a grande saudade e ausência das famílias, cujas viagens eram impossíveis de efetuar para uma breve visita durante as férias.. E, em algumas das colónias de Angola, Moçambique, e mesmo Guiné, alguns Combatentes tiveram a dita de não sair das cidades (geralmente as mais importantes ou capitais), ou dos gabinetes dos Comandos.

A minha dúvida subsiste em se foi feito algum esforço no sentido de se fazer justiça, ou julgar por manter uma aparente injustiça, com o Estatuto do Antigo Combatente inalterável.

Deixo este assunto à reflexão de quem de direito.

Votos de um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo.                 

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “O Combatente da Estrela”, nº. 129, de DEZ/2022)

4 de dezembro de 2022

A PADROEIRA DA COVILHÃ (Já publicado no “Notícias da Covilhã”, em 27-10-2016)



 

“Qual a razão de Nossa Senhora da Conceição ser a padroeira da Covilhã, ou seja, qual a justificação histórica, religiosa, cultural ou outra que levou a essa atribuição específica à nossa cidade?” É uma pergunta que me foi colocada por um covilhanense, radicado em Lisboa.

Não é fácil encontrar essa razão, duma forma particular para a Covilhã, porque as fontes consultadas são escassas e não conduzem a uma clareza, mas antes a uma suposição, sendo que também era nosso desiderato conhecer verdadeiramente a sua génese, assim como a da Paróquia da Conceição, considerada padroeira Nossa Senhora da Conceição mas cujo patrono é S. Francisco de Assis, e, por isso, a Igreja é mais conhecida por Igreja de S. Francisco.

 Várias têm sido as festas e peregrinações de Nossa Senhora (sem especificar o título, mas mais referenciadas com o de Fátima), que passaram pela Covilhã, com pompa e circunstância, nas décadas de 40, 50 e 60 do século passado, a que já fiz referência em artigos publicados no Notícias da Covilhã, em 2004, 2008 e 2012, relacionados mais com o Monumento a Nossa Senhora da Conceição. Já no atual século surgiram duas peregrinações de Nossa Senhora no Arciprestado da Covilhã: 4 de janeiro a 1 de fevereiro e 2009; e no dia 9 de outubro de 2015.

A devoção a Nossa Senhora é uma história secular e glorificante que arrancou logo nos primórdios da Nacionalidade. Sedimentou-se e alargou sobretudo com a Restauração no século XVII. A maior parte das catedrais, como a da diocese da Guarda, criada em 1203, e grande número de igrejas paroquias, tomaram a Virgem Maria para padroeira das suas catedrais. Já o Conde D. Henrique e D. Teresa, a 12 de abril de 1120, doaram o couto de Braga “à Virgem Maria, em cuja honra estava fundada, na cidade de Braga, a igreja metropolitana”. D. Afonso Henriques, ao tomar as rédeas do governo, elegeria Santa Maria de Braga para padroeira e rainha de Portugal nascente. D. João I que tinha grande devoção à Virgem Maria, particularmente à sua Assunção, cuja vigília coincidia com a da grande vitória de Aljubarrota, fez a promessa, que cumpriu, quando da batalha de Aljubarrota, de ir a “pé a Santa Maria da Oliveira, que era na vila de Guimarães”.
Todas as catedrais portuguesas foram dedicadas, em 1394, ao mistério da Assunção, por bula de Bonifácio IX. Este ambiente assuncionista levou os fiéis a tomarem a Senhora da Assunção como sua protetora e padroeira de Portugal. O Santo Condestável Nuno Álvares Pereira, como grande devoto da Virgem, ia haurir forças para os combates diante da sua imagem, andando a peregrinar de igreja em igreja, às vezes a “pé e descalço em romaria a Santa Maria”. Conquistada Ceuta, a 21 de agosto de 1415, o Infante D. Henrique enviou uma imagem de Santa Maria, mandando-lhe pôr o nome de Santa Maria de África. Assim como mandou levantar no Restelo, na margem direita do Tejo, um templo a Santa Maria de Belém. Antes de embarcarem para a viagem da descoberta do caminho marítimo para a Índia, Vasco da Gama e outros capitães passaram em vigília, nesta capela do Restelo, a noite de 7 para 8 de julho de 1497.

Encontrando na Virgem uma proteção sempre pronta, os portugueses foram levados a considerá-la como padroeira da Nação. Este padroado, embora não se conheça proclamação oficial anterior à de D. João IV em 1646, já era reconhecido desde o século XIV, pelo menos, como o demonstram vários documentos.

Mas porque também à Covilhã diz respeito, a Virgem Maria foi ainda chamada Santa Maria de Agosto, em vez de Assunção, como o fizera D. Afonso III, ao fixar, em 1260, a feira da Covilhã.
O século XIX foi também um século marcadamente mariano, e o patrocínio de Maria, nas horas amargas da descristianização de muitos, e desânimo de tantos, aparecia como uma tábua de auxílio e salvação.

Mas se Portugal tinha já uma especial e oficial devoção e crença na Imaculada Conceição (provisão do rei D. João IV, de 25/3/1646), elas ampliaram-se com a definição desse dogma (8/12/1854).

Quanto à Covilhã, enquanto que em 13 de maio de 1946 era coroada a imagem de Nossa Senhora de Fátima, da Capelinha das Aparições (coroa oferecida pelas mulheres portuguesas); em 13 de maio do ano seguinte, o pároco de S. Pedro da Covilhã, padre José Domingues Carreto, impulsionava com grande entusiasmo a coroação da imagem de Nossa Senhora de Fátima da freguesia de São Pedro, com a coroa em ouro, objeto de oferta voluntária de senhoras daquela freguesia, cujas cerimónias, com grande brilhantismo, tiveram lugar no Pelourinho.

Mas já antes, no dia 10 de outubro de 1904, era inaugurado na Covilhã o monumento a Nossa Senhora da Conceição (imagem que, tendo sido mandada construir em França, veio vestida de Nossa Senhora de Lourdes, por lapso dos franceses), fruto duma comissão de pessoas gradas da Covilhã que resolveu consagrar a Cidade a Nossa Senhora, nas comemorações das bodas de ouro da proclamação dogmática da Imaculada Conceição de Maria. Dessa comissão faziam parte, entre outros, os padres João Rodrigues Mouta, Gregório Lopes Arroz, José Costa Tavares e Oliveira Pinto. Para além da Câmara Municipal da Covilhã também integrou a comissão o 1.º Conde da Covilhã, Cândido Calheiros; o Dr. João Ferraz de Carvalho Megre e Gregório Baltazar.

Não conseguimos encontrar qualquer referência concreta à origem de Padroeira da Covilhã. No entanto, na parte final da ata n.º 19 da Reunião Ordinária da Câmara Municipal da Covilhã, de 12 de maio de 1943, o Vereador Dr. António Pereira Espiga Júnior “falou acerca do grande êxito espiritual que foi a Solene Consagração do Concelho da Covilhã a Nossa Senhora da Conceição, realizada por promoção da municipalidade, no passado dia 9. A romagem ao Monumento à Virgem foi impressionante de beleza e de fé e nela se incorporaram perto de dez mil pessoas. A consagração escrita pelo Senhor Presidente (Dr. Luís Victor Tavares Batista) e lida por ele, estando rodeado de todas as Juntas de Freguesia do Concelho, é um belo documento cristão (…)”.

No “Notícias da Covilhã” de 16 de maio de 1943 fazia grande referência à “Consagração do Concelho da Covilhã ao Imaculado Coração de Maria”: “Na Colina Sagrada do nosso Monumento à Imaculada Padroeira de Portugal, tem este lugar sido teatro de atos religiosos e patrióticos da maior grandeza e solenidade; desde a sua inauguração em 1904 têm-se ali juntado milhares de pessoas implorando a proteção da augusta Padroeira da nossa Terra. Julgamos porém poder afirmar que a romagem do passado domingo foi a mais importante de todas pela sua projeção nacional e pelos efeitos que deve ter em benefício da Covilhã. A resolução corajosa do Exm.º Presidente da Câmara de consagrar o concelho ao Imaculado Coração de Maria transcende, na ordem moral todos os empreendimentos que o seu consulado camarário tem realizado e está realizando no progresso material da Covilhã. (…) Ora, o Senhor Presidente da Câmara da Covilhã (…) quis ter a nobreza de, antecipando-se a outras regiões do país, seguir atrás do Santo Padre Pio XII e dos Venerandos Prelados Portugueses, entregando-nos e confiando-nos à proteção daquela que sendo Mãe de Deus é, tem sido e será a amada Padroeira de Portugal. (…) Com as nossas felicitações ao Senhor Presidente da Câmara, só nos resta fazer votos por que a Virgem Imaculada se tenha benigna e maternalmente dignado receber os destinos do nosso Concelho”.

A única vez que se falou no termo “Padroeira” foi aquela acima, “Padroeira da nossa Terra”, pelo que é natural que, de todos estes eventos solenes, saísse, de forma intrínseca, o reconhecimento de que Nossa Senhora passara a ser também designada Padroeira da Covilhã, como já o era do país, e de tantas outras cidades, com as várias denominações: Fátima, Assunção ou Conceição.

Seja como for, ainda que de forma consuetudinária, Nossa Senhora jamais deixará de ser a Padroeira da Covilhã e da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, na fé de todos os Covilhanenses.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Notícias da Covilhã”, de 27/10/2016)

21 de novembro de 2022

PEDRA, PAPEL OU TESOURA

 

Longe vão os tempos em que os da minha geração, aí por meados dos anos cinquenta do século passado, em plena rua, de piso térreo ou então já com calcetamento em paralelepípedo, que se iniciara na Rua Vasco da Gama, Avenida Salazar (hoje Avenida 25 de Abril), junto à Escola Industrial e Comercial Campos Melo, e quintas onde viviam as famílias Carrola e, mais abaixo, os irmãos Lobo, onde hoje existe o antigo Liceu (Escola Frei Heitor Pinto) e também junto à Cadeia, se jogava com uma bola de farrapos ou de borracha. Fazia-se uma paragem sempre que surgisse a polícia, ou, outras vezes, quando tivesse de passar uma viatura, uma motorizada, ou mesmo uma carroça. As balizas eram então feitas com duas pedras e árbitro não havia, o que gerava muitas vezes discussão sobre a dúvida de a bola ter entrado ou não na idealizada baliza.

Havia então que escolher os jogadores (cinco ou mais para cada equipa), seguindo-se, quando não houvesse entendimento, ou assim se julgasse oportuno, o método do jogo de mãos, recreativo e simples entre dois ou mais dos que pretendiam jogar à bola, que não requeria qualquer equipamento ou mesmo habilidade. Era esta uma forma de seleção, que se baseava exclusivamente em sorte, e assim “pedra-papel-tesoura” poderia ser jogado com um pouco de habilidade se este se estendesse por vários turnos com o mesmo jogador, podendo o mesmo reconhecer e explorar a lógica do comportamento do adversário, percebendo e antecedendo as suas jogadas. Os jogadores tinham que simultaneamente esticar a mão, que era colocada atrás das costas e puxada para a frente em simultâneo, através da qual cada um formava um símbolo que significa pedra (mão fechada), papel (mão aberta) e tesoura (os dois dedos da mão, indicador e médio). Os jogadores comparam então os símbolos para decidir quem ganhou, da seguinte forma: a pedra ganha da tesoura (amassando-a ou quebrando-a), a tesoura ganha do papel (cortando-o), e o papel ganha da pedra (embrulhando-a). Este método para escolher os companheiros para um jogo, podia também ser utilizado para saber quem iniciaria outra brincadeira qualquer.

Durante os intervalos das aulas do Ciclo Preparatório, um dos colegas começa a dizer muito rapidamente a palavra otorrinolaringologista e desafiava os outros colegas para que conseguissem pronunciá-la rapidamente. Na mesma altura, no filme português A Canção de Lisboa, com o ator Vasco Santana, no seu exame da faculdade, estabelece um diálogo bastante icónico com os examinadores, ao responder à pergunta, “Qual é o principal músculo latro-flexor do pescoço?”, com a resposta: “É o esternocleidomastóideo”. Estes filmes só se viam nos vários Centros Recreativos da FNAT (hoje INATEL) que existiam na Covilhã, já que a televisão só viria a surgir em Portugal em 1957.

Vem assim a propósito trazer algumas das maiores palavras da língua portuguesa, a saber:

- Inconstitucionalissimamente (27 letras) – Sinónimo de anticonstitucionalissimamente.

- Oftalmotorrinolaringologista (28 letras) – Profissional especializado nas doenças dos olhos, ouvidos, nariz e garganta.

- Anticonstitucionalissimamente (29 letras) – Maior advérbio da língua portuguesa, significa o mais alto grau de inconstitucionalidade.

Entre outras, a maior palavra da língua portuguesa, registada no dicionário Houaiss em 2001, com 46 letras, é a Pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico, que descreve o indivíduo que possui doença pulmonar causada pela inspiração de cinzas vulcânicas.

Apesar do tamanho, está longe de ser uma das maiores palavras do mundo.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-11-2022)


 

16 de novembro de 2022

OS JUROS SOB O OLHAR DA IGREJA DOUTRORA



 

Vivemos tempos difíceis. Mas parece avizinharem-se tempos ainda mais difíceis. Estes caraterizados por uma crescente incerteza e com tendência para gerar uma crise acentuada a curto prazo. A diretora-geral do FMI declarou recentemente que a situação económica mundial “ainda vai piorar antes de melhorar” e que “os riscos em torno de uma estabilidade financeira estão a crescer”. Foi um acumular dos impactos das crises pandémica, climática, energética, política (Brexit, guerra na Ucrânia), económica (inflação, aumento das taxas de juro, disrupções nas cadeias de abastecimento, crise do Banco Crédit Suisse, etc), que “está a conduzir para um possível cenário económico de estagflação prevendo que se possa estender pela próxima década”.

Foi noticiado há poucos dias que o Banco Central Europeu (BCE) sobe as taxas de juro em mais 0,75 pontos percentuais. A ideia do BCE é controlar a inflação, mas o risco de recessão na zona euro e em Portugal agrava-se.

Ora bem, o juro era, nos primeiros tempos da Igreja, e mesmo antes de Cristo, condenado, mormente quando se direcionava para a usura. Por isso mesmo os cobradores de impostos eram homens mal vistos e odiados pelos contribuintes da época. Recordemos o episódio do Evangelho do 31º Domingo do Tempo Comum quando Jesus atravessava a cidade de Jericó (já lá estive por duas vezes) e Lhe surge um homem, de pequena estatura, chamado Zaqueu, chefe dos publicanos e rico (cobrador de impostos), sentindo necessidade de subir a um sicómoro (de facto, existem lá muitos), que prometeu a Jesus, recebendo-O alegremente em sua casa, dar metade dos seus bens aos pobres e, naquilo que tiver defraudado alguém, restituir-lhe o quádruplo.

A condenação da usura prolongou-se por muitos séculos. A preocupação muito antiga de proibir ou limitar a remuneração (juro) do mutuante explica-se pela natureza particular dos empréstimos em tempos mais recuados, geralmente destinados a fazer face aos gastos entre duas colheitas. Se o juro não fosse limitado, os camponeses ficavam à mercê dos usurários que podiam, com as suas exigências, levar os mutuários ao extremo de se venderem como escravos para pagar dívidas.

Os filósofos gregos começaram por se manifestar contra o juro. Aristófanes desaprovou-o, Platão (428 a 347 a.C.) e Aristóteles (384 a 322 a.C.) consideravam o juro contrário à natureza das coisas. Os Romanos tomaram posições idênticas. Catão (234 a 149 a.C.) equiparou o juro ao homicídio; Séneca (3 a.C. a 65) e Plutarco (35 a 120) condenaram igualmente o juro. Mas as posições dos filósofos nem sempre foram as definidas nas leis ou as seguidas na prática corrente. Mais tarde, a Lei das Doze Tábuas (449 – 479 a.C.) limitou o juro máximo dos empréstimos a 12% ao ano. É que houve mesmo épocas em que os especuladores romanos chegavam a cobrar 48% ao ano. Marcus Julius Brutus (84 a 42 a.C.), líder político militar romano, um dos assassinos de Júlio César, foi um dos prestamistas que emprestava a este juro.

Para a Igreja, usura era toda a operação que implicava o pagamento de um juro. Assim sendo, o comércio e a banca intimamente relacionado com o juro, eram atividades interditas, ficando os mercadores e os banqueiros sujeitos à excomunhão, o que na Idade Média era uma penalização muito mais temida pelos cristãos do que seria mais tarde. Consideravam o juro contrário à misericórdia e ao humanismo. A situação acabou por mudar depois dos Concílios de Arles, Niceia e Elvira e era condenável apenas um juro cobrado por clérigos. Só a partir do Terceiro Concílio de Latrão (1170) e de Lyon (1274) é que a repreensão era também aplicada a leigos. A Igreja partia de dois pressupostos: um ligado à noção de tempo e outro ligado à profissão de comerciante. Quanto ao primeiro, considerava a Igreja que sendo o tempo pertença de Deus não era suscetível de ser vendido. E como juro era associado à ideia da venda de tempo, tinha de ser condenado. O segundo pressuposto estava relacionado com o conceito em que eram tidos os comerciantes. Os pensadores cristãos consideravam o comércio como associado à fraude e à avareza, fonte de contacto com mercadores e estrangeiros. Os jurisconsultos da época terão especulado acerca dos contornos do conceito de usura, permitindo depois chegar às soluções que justificaram uma flexibilização das posições da Igreja. Haviam-se já começado a ouvir as primeiras vozes discordantes. Assim, para essa flexibilização contribuíram também as opiniões de São Tomás de Aquino quanto á usura e aos comerciantes. Este homem de excelentes qualidades intelectuais, em 1274 foi pessoalmente convocado pelo Papa Gregório X a participar no II Concílio de Lion, como principal objetivo remediar a cisão entre as igrejas grega e romana. Adoeceu durante a viagem e morreu em 7 de março de 1274. Tomás de Aquino mostrou que entre fé cristã e razão subsiste uma harmonia natural. O motivo que mais determinou a mudança de posições da Igreja foi que os mercadores a financiavam largamente quando disso tinham necessidade. E, assim, a partir de determinada altura, vemos os mercadores a serem considerados pela Igreja como bons cristãos. A Igreja acabou por tolerar a usura e mais tarde admiti-la desde que não houvesse excessos.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In Jornal Fórum Covilhã, de 16-11-2022)

19 de outubro de 2022

ELEIÇÕES E CONTRADIÇÕES


 

“O mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança” – assim termina a Pedra Filosofal de Manuel Freire. Mas também inicia com as letras “Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer”.

Este mundo está cada vez mais nas mãos de muitos senhores que fazem deste Planeta uma bola de farrapos, que se vai desfazendo com tantos pontapés sem sentido, retirando-lhe todos os cambiantes do bem-estar de todos os humanos. Aos outros senhores, que deveriam ser respeitados, que cumprem os acordos internacionais em prol da Casa Comum, já não lhes dão ouvidos, não passam cavaco, embirram como crianças quando lhes retiram a bola colorida.

Que mundo este sem sentido da vida! Mas, mesmo assim, existe o sonho que é uma constante da vida. Estamos atravessando um longo período que, não obstante uma pandemia ainda não terminada, uns quantos pensantes, julgando-se iluminados, são banhados no seu sonho que os irá conduzir para uma tremenda escuridão.

E neste avançar do mundo, repleto de boas intenções para uns, mas nas contradições de outros, assim vão surgindo ledos e tristes dias.

As últimas semanas foram repletas de acontecimentos se bem que relevantes também preocupantes. Faço referência, por exemplo, às eleições em Itália avançando para a extrema-direita na cena política europeia. Isto depois das vitórias alcançadas na Hungria, na Polónia e na Suécia, para além dos avanços ocorridos em França.

Pois é, já estávamos esquecidos do lema salazarista de “Deus, Pátria e Família”, quando surge agora o mesmo de Benito Mussolini, da terceira maior economia do euro e a segunda potência industrial da União Europeia.

Esperemos agora que, no Brasil, Lula da Silva, apesar de algumas contradições, possa levar de vencida, na segunda volta, em 30 de outubro, o ultra direitista Jair Bolsonaro.

Na Guerra da Ucrânia têm surgido importantes desenvolvimentos, quer no terreno quer nos bastidores. A relevância no terreno vai para as vitórias das forças ucranianas com o registo de significativos avanços, recuperando perto de 5.500 quilómetros quadrados.  Os invasores russos mostram já o seu grande nervosismo em face da humilhação provocada por estas vitórias ucranianas.

Depois, as muitas contradições entre responsáveis da Igreja Católica no encobrimento dos casos de pedofilia. Não fosse a persistência dos denunciantes e vítimas deste contexto, em casos que, muitos deles, já prescreveram, estes homens do “divino” ficavam no segredo dos deuses, muitos dos quais sem punição. Lamentáveis os encobrimentos desses desvios sexuais por homens da Igreja, que deveriam ser os primeiros a dar o exemplo, como o Bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, como dantes já haviam sido o Patriarca de Lisboa, Cardeal D. Manuel Clemente. E nesta envolvente de casos até o bispo de Timor, Prémio Nobel da Paz, viria a ser apanhado na rede, há já bastante tempo, com o ar de espanto dos portugueses perante D. Ximenes Belo.

E, para completar o ramalhete de casos deploráveis nestas circunstâncias, faltavam as palavras de agradar a Deus e ao Diabo, do Presidente da República, a tentar deitar água na fervura quando se referiu que “Haver 400 casos não me parece que seja particularmente elevado porque noutros países e com horizontes mais pequenos houve milhares de casos”. Os 424 testemunhos foram recolhidos pela designada Comissão Independente para Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, uma estrutura constituída por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa e coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht.

Face à avalanche de críticas sobre as palavras do Presidente da República, este viu-se constrangido a pedir desculpa: “A minha intenção não foi ofender as vítimas, se ofendi, peço desculpa”.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In quinzenário “O Olhanense”, de 15-10-2022)

12 de outubro de 2022

SURPRESAS PELAS ESTRATÉGIAS


 


Já não chegavam as várias lutas que se vão desenvolvendo entre os povos, por este mundo fora; a fome em muitas regiões do globo, a pandemia que nos fez muito sofrer, os problemas climáticos que os loucos deste planeta persistem em não dar ouvidos; às vozes prenunciadoras dos cataclismos cada vez mais ameaçadores da Terra; como agora o desejo malévolo de querer alimentar uma nova guerra fria.

Depois, em ambiente eleitoral com decisões nos dois hemisférios (uma eleição já realizada, numa vertente mussoliniana, na Velha Europa, mas que terá que defrontar uma democracia para se poder manter na UE – a Itália; outra, com a decisão do povo brasileiro em 2 de outubro, no hemisfério do Sul), dois países anteveem uma mudança brusca de rumo. Da Itália vem aí a extrema-direita com Meloni. É um país civilizado, a que nos habituámos, que está à espreita. Como diz Rosália Amorim, in DN, “é uma nova forma de fazer política e de liderar uma nação que, no passado, esteve sob o facho de Mussolini.” E isto passa-se no Velho Continente Europeu, onde eclodiu a Segunda Guerra Mundial, naquela que é atualmente a terceira maior economia da União Europeia. Pela primeira vez desde 1945, este país vai ser governado por uma liderança pós-fascista.

Se no hemisfério norte a Europa está perigosa, no hemisfério sul deseja-se que Lula da Silva possa destronar Jair Bolsonaro que se mostra nervoso com as sondagens a seu desfavor.

Mas a guerra veio proveniente dum hitleriano russo, sob a iniciativa, instigação e égide do diabolizado Putin, pretendendo subverter um país independente – a Ucrânia.

À partida, aquele malfeitor pensava que a invasão eram favas contadas, tudo se passaria, como profetizava, realizar-se num ápice, como um trovão. Tal não aconteceu, e o povo ucraniano, fortemente imbuído na alma do seu presidente, Volodymyr Zelensky, tem mostrado enorme patriotismo.

De tal forma, que, na recuperação de territórios ocupados pelos russos, pelas forças ucranianas, surgiu a maior contraofensiva na Europa desde 1945, ou seja, da Segunda Guerra Mundial. Foi anunciado que as tropas ucranianas recapturaram mais de 3 mil quilómetros quadrados de território em setembro, durante uma contraofensiva no nordeste do país. – “Nos últimos dias o exército russo mostrou o que tem de melhor: as suas costas. Fugir é uma boa escolha para eles”, informou Zelensky. Os russos estavam a ficar sem opções nas linhas da frente da batalha, “porque estamos a destruir as suas cadeias logísticas, armazéns, etc. Em Kharkiv, que continua permanentemente a ser bombardeada, nesta região o exército ucraniano arregaçou as mangas e iniciou uma ofensiva super eficaz e inesperada: o exército russo esperava uma ofensiva ucraniana em Kherson, a sul, mas foi surpreendido com um ataque a nordeste, em Kharkiv, conseguindo recuperar, só em três dias, mais de um terço da área ocupada nesta região. Isto foi conseguido devido a uma estratégia bem planeada de desinformação das forças armadas ucranianas, de acordo com o The Guardian, que avança que desde 29 de agosto e ao longo de vários dias, o exército ucraniano partilhou informações falsas que foram difundidas por todo o mundo, o que levou a que os russos estivessem preparados para receber o exército ucraniano em Kherson”. De acordo com Kuzan, esta ação militar foi realizada “à velocidade da luz”, o que gerou uma grande pressão para as forças militares russas, tanto a norte como a sul da Ucrânia.

Esta foi uma surpresa pela estratégia ucraniana.

Na história mundial, temos muitos exemplos de surpresas pelas estratégias aplicadas que deram bons resultados. Antes e depois de Cristo. Por exemplo, as estratégias de Viriato, da Lusitânia, e as suas surpresas, contra os Romanos, quando em 147 a. C. se opôs à rendição dos lusitanos a Caio Vetílio, que os tinha cercado no Vale de Betis, na Terdetânia. Poucos dias após a sua aclamação pela assembleia de chefes tribais, Viriato acompanhado de oito mil soldados segue em direção à Carpetânia onde tem conhecimento da nomeação do novo cônsul, apontado para tomar as rédeas dos interesses romanos na Hispânia Ulterior. Na batalha contra o pretor Plaúcio, este mandou tocar as tubas e o exército romano cerrou fileiras com uma primeira linha pejada de escudos vermelhos retangulares e lanças inclinadas. Aguardavam a carga inimiga. Viriato revê a estratégia com os seus guerreiros e avança rápida e decididamente contra os romanos mas, a pouca distância dos mesmos manda recuar os seus homens, dando a entender que se assustaram com o poder do exército inimigo. Entretanto, quando já se encontra distante dos seus perseguidores, Viriato inverte a marcha e ordena um ataque feroz pela frente e pelas alas. Apanhados de surpresa pela estratégia rápida, os romanos são rapidamente dizimados.

Já d.C. podemos dar o exemplo da Batalha de Aljubarrota, decorrida no final da tarde de 14 de agosto de 1385, entre as tropas portuguesas, com aliados ingleses, comandadas por D. João I de Portugal com o condestável D. Nuno Álvares Pereira, e o exército castelhano e seus aliados liderados por D. João I de Castela. Inovou a tática militar permitindo que homens de armas apeados fossem capazes de vencer uma poderosa cavalaria. A opção dos portugueses recaiu sobre uma pequena colina de topo plano rodeada por ribeiros, perto de Aljubarrota. Contudo o exército não se apresentou ao castelhano nesse sítio. Inicialmente formou as suas linhas noutra vertente da colina, tendo depois, já em presença das hostes castelhanas mudado para o sítio pré-definido. Isto provocou bastante confusão nas tropas de Castela. Depois de outras surpresas inseridas na estratégia de D. Nuno Álvares Pereira, precipitadamente, João de Castela ordenou a retirada geral sem organizar a cobertura. Os castelhanos debandaram então desordenadamente do campo de batalha, tendo a cavalaria portuguesa se lançado em perseguição dos fugitivos, dizimando-os sem piedade.

Seria importante que não fossem necessárias mais surpresas pelas estratégias para se ganharem batalhas, sinal de que o mundo caminharia melhor.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

 

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 12-10-2022. Este texto foi publicado incompleto, faltando a parte final do antepenúltimo parágrafo e o último parágrafo)

4 de outubro de 2022

DOIS SÉCULOS DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

 

Oficialmente, a data comemorativa para a independência do Brasil é de 7 de setembro de 1822. Foi neste dia que ocorreu o evento conhecido como o Grito do Ipiranga, nas margens do riacho Ipiranga, atualmente na cidade de São Paulo.

 

Em 12 de outubro de 1822, o príncipe herdeiro de Portugal foi aclamado D. Pedro I, Imperador do Brasil, sendo coroado e consagrado no 1º de dezembro desse ano. O país passou então a ser conhecido como o Império do Brasil.

Entretanto, em Portugal, chegaria a governar cumulativamente, com a designação de D. Pedro IV.

Recordemos que a partir de 15 de julho de 1799, o então Príncipe do Brasil (pai deste D. Pedro), D. João Maria de Bragança (mais tarde D. João VI), tornou-se príncipe-regente de Portugal, pois sua mãe, a rainha D. Maria I, foi declarada louca pelos médicos. Os acontecimentos na Europa, onde Napoleão Bonaparte se afirmava, sucederam-se cada vez mais repentinamente.

Numa retrospetiva muito alongada, direcionada para o ano da descoberta do Brasil, no redondo 1500, muitas estórias da história brasileira se passaram até aos dias de hoje, entre tristes e ledas madrugadas, e entre ventos e marés que viriam a acontecer neste grande país do hemisfério sul do Planeta.

Não escondo o prazer da narrativa daquele verão de 1500, na visão do Paraíso, que João Paulo Oliveira e Costa nos traz no seu livro Episódios da Monarquia Portuguesa, em que uma pequena caravela entrou no Tejo sem despertar a curiosidade dos espiões que enxameavam por Lisboa. Tampouco a administração régia deixou testemunho da chegada de Gaspar de Lemos a Lisboa depois de ter participado na descoberta da Terra de Vera Cruz. Só volvidos alguns meses quando os navios sobreviventes da armada da Pedro Álvares Cabral regressaram da Índia, se soube do achamento de novas terras no Sudoeste do mar Oceano.

Pela pena do navegador Pero Vaz de Caminha, um dos escrivães da armada, o rei de Portugal – D. Manuel I – “pudera espreitar o Paraíso: uma terra de temperatura amena e de clima benigno, vegetação luxuriante e animais estranhos, que era habitada por gente nua que parecia viver na inocência de Adão e Eva. Andam nus sem nenhuma cobertura; nem estimam nenhuma cousa cobrir, nem mostrar suas vergonhas, e estão acerca disso com tanta inocência como têm em mostrar o rosto”

E Pero Vaz de Caminha “ia mais longe ao testemunhar que a inocência daquela gente era contagiável, pois andavam entre eles três ou quatro moças bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos compridos pelas espáduas, e suas vergonhas (a púbis) tão altas e tão cerradinhas, e tão limpas das cabeleiras que nós de muito as bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha”. E aquela gente inocente tinha assistido sossegadamente à celebração da missa, pelo que o escrivão Caminha estava convicto que deixando eles ali dois degredados, el-rei devia enviar clérigo nos próximos navios “para os batizar porque já então terão mais conhecimento da nossa Fé que dous degredados”.

Segundo Renato Epifânio, presidente do Movimento Internacional Lusófono e professor universitário, “podemos dizer que Portugal não descobriu o Brasil – pela simples mas suficiente razão de que o Brasil não existia antes de os portugueses lá terem chegado. Muito mais do que isso devemos dizer que Portugal criou o Brasil – no plano linguístico, cultural e civilizacional –, naturalmente que com o contributo das comunidades indígenas e de todas as outras comunidades que, século após século, fizeram do Brasil o seu país. Custa pois, duzentos anos após a independência do Brasil, ouvir ainda algumas vozes a não reconhecerem a matriz lusófona deste imenso país. Sendo que, duzentos anos após a sua independência, a responsabilidade pelo estado do Brasil é, toda ela, dos brasileiros”.

No próximo dia 2 de outubro, esperemos que, mais uma vez, se vá virar uma nova página da história do Brasil, com as eleições presidenciais, onde vão estar onze candidatos, cujas sondagens mais recentes apontam a disputa entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “O Olhanense”, de 01-10-2022)

 

 


3 de outubro de 2022

O SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO

 

A 19 de novembro de 2004 acabou, em Portugal, o Serviço Militar Obrigatório (SMO). Antes, pelo menos no meu tempo, no ano em que se completavam 20 anos de idade (ainda na condição de menoridade) éramos alistados para o SMO. Fui alistado em 11 de junho de 1966, que era, como se designava na altura, ir à inspeção militar, ou ir às sortes. Quem ficasse apurado para o SMO era submetido a um sorteio militar para efeitos de incorporação num dos ramos das Forças Armadas, na generalidade, no Exército. Atribuíam-lhe um número que, na caderneta militar se designava de matrícula, mas que, na gíria militar era o “número mecanográfico”. A maioridade era até então a partir dos 21 anos, tendo mudado em 25 de novembro de 1977, que baixou para os 18 anos.

Pois bem, em termos normais, após a referida “inspeção militar” dos mancebos apurados, seguia-se a incorporação numa unidade militar, no ano seguinte, para efeitos de iniciar a recruta. Daí que o meu “número mecanográfico” 011/226/67, já dava indicação do ano seguinte ao alistamento: 1967.

Mas fui incorporado somente em 1968, quase a completar 22 anos, assim como todos os do meu ano, porque houve uma alteração para a admissão para os Cursos de Sargentos Milicianos, a partir desse ano.

Até esta altura eram distribuídos para o cumprimento do SMO, iniciando no chamado Contingente Geral, os que não tivessem ainda completado o Ciclo Preparatório, sendo que, a partir daqui os que tivessem habilitações escolares mínimas do Ciclo Preparatório completo e inferiores ao 7º ano dos Liceus, ou equivalente, seguiam para o Curso de Sargentos Milicianos (CSM). Com habilitações do 7º ano liceal, no ensino médio ou superior passavam a integrar o Curso de Oficiais Milicianos (COM).

Ora, como eu já tinha o equivalente ao 5º ano liceal dessa altura, estava em condições de seguir para o Curso de Sargentos Milicianos, o que veio a acontecer, mas com um ano de atraso, que, nesse tempo, era terrível em termos da vida profissional de cada um e até de quem quisesse constituir família. Neste grupo do CSM também se incluíam os que tinham o Curso do Magistério Primário.

A morosidade da chamada dos jovens já apurados para poderem ser incorporados que, no caso em apreço, deveria ser em 1967 e saltou para 1968, deveu-se ao facto de muitos deles, com habilitações escolares baixas (antes de completarem o 5º ano liceal, ou equivalente, mas já com o Ciclo Preparatório feito) serem um exagero a integrar o CSM. E isto em tempos da Guerra do Ultramar. Começaram então a reduzir esse número, passando a admitir neste grupo só os que tivessem habilitações superiores, passando a uma certa rigorosidade durante o tempo que estavam na recruta, aos que se encontravam no Curso de Sargentos Milicianos, por forma a que alguns não o conseguissem completar e, assim, baixavam para o Contingente Geral. Sucedeu com vários meus colegas da escola e da vida profissional da altura, que depois de andarem na escola de recrutas do CSM reprovaram-nos nas provas e enviaram-nos para o Contingente Geral.

Assim, fui incorporado no CSM, no ano de 1968, sendo que todos os restantes (incluindo muitos colegas da escola que não conseguiram completar o 5º ano na altura (hoje 9º. Ano) acabaram por ir para o Contingente Geral, aumentando a capacidade de militares neste grupo.

Com a independência das Colónias portuguesas e o terminar da chamada Guerra do Ultramar, veio a acabar também o SMO como de início referimos.

Até final de 1988, a Lei do Serviço Militar (LSM) previa um serviço militar baseado na conscrição em que o recrutamento para as Forças Armadas (FA) assentava no Serviço Militar Obrigatório (SMO), estando todos os cidadãos do sexo masculino sujeitos ao cumprimento das obrigações militares, desde os 18 até aos 38 anos de idade.

Em meados de 1999, a LSM foi atualizada passando a prestação do serviço militar a efetuar-se de duas formas durante um período transitório: através do Serviço Efetivo Normal (SEN) ou do Serviço voluntário sustentado em Regimes de Contrato (RC). Para além disso, a idade limite de sujeição dos cidadãos às obrigações militares reduz-se para 35 anos de idade.

Em 2000, com a entrada em vigor do atual quadro legal, o recrutamento militar assume três formas distintas:

 . Recrutamento Normal para a prestação voluntária do Serviço Militar em RC e RV;

. Recrutamento Especial para a prestação voluntária de serviço militar nos Quadros Permanentes das FA;

. Recrutamento Excecional, para efeitos de convocação ou mobilização dos cidadãos (em caso de guerra ou catástrofe).

Após o fim do período transitório, em setembro de 2004, assiste-se ao voluntariado pleno do serviço militar com extinção do SEN, assumindo as Forças Armadas a capacidade de captar os seus próprios recursos humanos concorrendo diretamente no mercado de trabalho com outras entidades empregadoras.

Ao mesmo tempo implementa-se o Dia da Defesa Nacional (DDN) cuja comparência passa a ser um dever militar de todos os cidadãos do sexo masculino que completem 18 anos de idade. Em 2010 este dever estende-se também às jovens cidadãs do sexo feminino, nascidas a partir de 1992, universalizando-se assim os deveres militares.

Formalmente o SMO terminou a 19 de novembro de 2004, mas na prática terminou a 19 de setembro desse ano, data a partir da qual os três ramos das Forças Armadas (FA) passaram a contar apenas com voluntários contratados.

Altas patentes militares e partidos com assento na Assembleia da República desejam agora o regresso do Serviço Militar Obrigatório. Dezoito anos depois da sua extinção, peritos das Forças Armadas estudam já novas modalidades deste serviço cívico que virá resolver o grave problema da falta de mão de obra na tropa.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In "O Combatente da Estrela", n.º 128, outubro/2022)