Entrei na Biblioteca Municipal para consultar uma obra, sem deixar de lado a curiosidade de ver a estante onde estão catalogados alguns dos meus primeiros livros que escrevi. Foi então que encontrei um amigo e companheiro de biblioteca dos velhos tempos, atento à leitura do jornal “O Olhanense”.
Sucedeu um avivar de memórias daqueles tempos, ainda na antiga Biblioteca Municipal, situada perto do Jardim Municipal. E não é que, palavra puxa palavra, ele me autoriza a fazer uma entrevista para este quinzenário, aproveitando a oportunidade para destacar uma figura simples, mas dedicada à leitura há mais de sete décadas?
Francisco Pereira de Sousa, natural de Caria, no concelho de Belmonte, mudou-se para a Covilhã com seus pais ainda em 1940, quando era criança (nasceu no dia 2 de setembro de 1937). Radicado na cidade desde então, aqui construiu a sua vida e segue ativo aos 87 anos. Tem três filhos.
Numa altura em que o ensino básico era quase a única opção disponível e o secundário praticamente inexistente na cidade, com dificuldades de acesso ao liceu ou à Escola Industrial, Francisco Sousa começou a trabalhar aos 12 anos no comércio local. Iniciou-se como empregado de balcão, tornando-se posteriormente encarregado de uma loja durante 20 anos. Mais tarde, atuou como vendedor ao longo de 37 anos, passando a trabalhar por conta própria com um armazém de tecidos, malhas e miudezas.
Vivendo perto da antiga Biblioteca Municipal, encontrou nela o antídoto para a falta de entretenimento no dia a dia. Naquela época, o futebol aos domingos supria parte dessa carência para muitos, enquanto outros recorriam às tabernas ou passavam algum tempo nos Centros de Recreio Popular então existentes.
Quis o destino que sua atual morada se situasse também perto da nova Biblioteca Municipal, na parte moderna da cidade, onde deu continuidade ao seu gosto pela leitura, não só de livros, mas também de jornais. Foi assim que aconteceu com “O Olhanense”.
- “Olhe. Sr. Nunes, ainda me recordo de ver jogar pelo Olhanense, no Santos Pinto, na Covilhã, com o Sporting da Covilhã, de que era sócio, nomes como o Reina, Luciano, Madeira, Cava e o Parra, ou de ouvir falar deles”.
Pois é, os Leões da Serra jogaram na I Divisão com o Sp. Olhanense, nas épocas 1948/1949, 1949/50, 1950/51 e 1961/62, em tempos que já lá vão de boas memórias. E este facto já o reportei algumas vezes neste quinzenário.
Apesar da longevidade do entrevistado, ele mantém uma memória e gosto pela leitura invejáveis, contrastando com muitos que se deixaram envolver numa certa passividade cultural, muito fruto dos novos tempos que roubam um certo tempo ao tempo, como os canais de televisão e as redes sociais.
Deixo o amigo Francisco Sousa, que foi associado de várias coletividades e instituições antigas da Covilhã, algumas das quais ainda se mantém no ativo, como, por exemplo, sócio nº. 3 dos Leões da Floresta; integrou também os órgãos sociais de outras, como o Arsenal de São Francisco. Ele deixou uma interessante memória escrita que versa sobre a cidade naqueles tempos, altura em que o Sporting Clube da Covilhã atingiu o seu auge, com a subida à I Divisão, iniciando-se na época 1948/49, numa luta titânica com o Barreirense; a conquista da Taça “O Século”, recebida no Estádio da Tapadinha, em Alcântara, em 6/6/1948, onde foi disputar os 1/16 avos da final com o Atlético; e, posteriormente, um honroso 5º lugar na I Divisão, em 1955/56 e a final da Taça de Portugal, disputada com o Benfica, no dia 2 de junho de 1957, no Estádio Nacional.
Hino que se cantava na cidade: “A cidade canta um hino que encanta/é uma animação, dando grandes vivas/, muitas alá-ribas/ao Sporting da Covilhã.
Que justo venceu/e assim mereceu/as festas que lhe fizeram/Honra lhe pertence/vence o Barreirense/honrando as barbas do pai.*
Na baliza, Ramalhoso tão bem se soube portar/E José Pedro, Pedro Costa e Roqui/homens de grande valor!/Fialho, Carlos Ferreira, Livramento, e Teixeira**/com Szabo*** o treinador (bis).”
*Sporting Clube de Portugal, do qual o SCC é a 8ª filial, o qual dominava na altura.
**Teixeira da Silva que mais tarde jogou no Belenenses
***Treinador e jogador do SCC.”
Francisco Sousa ainda quis recordar outros versos alusivos, e as janeiras que se cantavam na Covilhã na década de cinquenta do século passado, pela Banda da Covilhã, cuja receita era repartida a favor do Albergue dos Inválidos do Trabalho, hoje Lar de São José; e pela Creche do Menino Jesus, que se chamava na altura Florinhas da Rua.
O nosso entrevistado aproveita esta oportunidade para desejar o renascimento do Sporting Clube Olhanense, dar os parabéns aos obreiros do Jornal Olhanense, merecendo-lhe a maior consideração por verificar que ultrapassa o âmbito desportivo, tem vários colaboradores com temas diferentes e gosta das gentes algarvias.
João de Jesus Nunes
jjnunes6200@gmail.com
(In “O Olhanense”, de 15-11-2024)