6 de junho de 2025

AINDA OLIVENÇA

 

Depois de já me ter reportado a Olivença, cidade portuguesa retida pelos espanhóis, sob o título “Olivença e a Real Politik”, em outubro de 2024, volto à carga sobre um texto inserido no livro de Joaquim Vieira, intitulado “História Libidinosa de Portugal”.

Um indício de adultério na perda de Olivença.

Sucedendo a D. José em 1777, sua filha D. Maria I, a primeira mulher a sentar-se no trono de Portugal, empenhou-se numa política de apaziguamento, com vista a dissipar as tensões acumuladas no reinado do pai – em grande parte devido à inflexibilidade das ações do conde de Oeiras (promovido a marquês de Pombal em 1769).

Isso passou, desde logo, pela dispensa de Sebastião José de Carvalho e Melo da ação governativa, assim como pelo perdão aos dois meninos de Palhavã, exilados havia 17 anos no Buçaco. D. António e D. José não foram, porém, autorizados a regressar de imediato a Lisboa. Já o terceiro menino de Palhavã, D. Gaspar, arcebispo de Braga, que se deslocou à capital para felicitar a sobrinha pela ascensão ao trono, teve de passar por Coimbra antes de finalmente abraçar os meios-irmãos, depois de tanto tempo de forçada incomunicabilidade.

Na reabilitação dos bastardos de D. João V teve papel determinante o rei consorte – e também seu meio-irmão – agora com o título de D. Pedro III, após D. Gaspar (que passou então um ano em Lisboa) interceder a favor deles, por meio do confessor do marido de D. Maria I, o padre José Mayne. E, em janeiro de 1778, os banidos tiveram, por fim, autorização da sobrinha para regressarem ao Palácio de Palhavã, com vista à sua readmissão na corte. Um cronista testemunhou que foram acolhidos em Lisboa num ambiente de grande regozijo e “reintegrados em todas as suas honras, dignidades e prerrogativas”.

Em agosto desse ano, D. António e D. José visitaram D. Pedro III no Palácio de Queluz e, a partir de 1779, o mais velho esteve ao lado do rei consorte em diversas cerimónias religiosas realizadas no Palácio da Ajuda. Tudo indica, aliás, uma enorme proximidade entre o filho legítimo de D. João V e os meios-irmãos, o que remetia ao esquecimento a desconfiança recíproca existente no tempo de D. José I.

Mas a reintegração dos bastardos estava longe de ser total, como anotou, em 1786, o embaixador francês em Lisboa, o marquês Marc-Marie de Bombelles, ao relatar a Paris que não lhes havia sido concedido o tratamento de alteza (pelo que não podiam contactar o corpo diplomático) e que ambos levavam “uma vida muito retirada, muito triste, não tendo recuperado os bens que lhes tinham sido concedidos por seu pai e de que o marquês de Pombal os tinha esbulhado”.

Traumatizada pela desapiedada execução dos Távoras – com a qual nunca terá concordado –, D. Maria I tratou de reabilitar também a memória dos condenados e promover a revisão jurídica do processo, que se saldou pela ilibação de todos os perseguidos, exceto o duque de Aveiro, o único que teria tido responsabilidade na emboscada a D. José. Não se conclui, sequer, que a finalidade da ação consistisse em tirar a vida ao monarca. Julga-se, aliás, que a obsessão da rainha pelo caso, levando-a a revogar uma deliberação penal do pai, terá contribuído para afetar a sua sanidade mental – mais abalada ainda a partir de 1786 com o falecimento do marido –, a ponto de ser considerada inapta para reinar.

Tendo morrido em 1788 o seu primogénito (destino que, em 1763, já tivera o segundo, D. João Francisco, falecido menos de um mês após o nascimento), foi o terceiro descendente, D. João, quem assumiu a governação a partir de 1792, aos 25 anos, e a regência sete anos mais tarde, por absoluta incapacidade da mãe.

Foi já o príncipe regente que, a 4 de fevereiro de 1801, concluiu o processo de reabilitação total dos “tios de Sua Majestade” (como eram designados), D. António e D. José, considerando-os “limpos de toda a mancha” quanto aos crimes que o marquês de Pombal lhes imputara quatro décadas antes e enaltecendo “a regularidade de suas vidas e a pureza de seus costumes, em todo o tempo exemplares”.

D. António, falecido no ano anterior (já como cavaleiro da Ordem de Cristo), não pôde sentir o consolo, mas D. José (cavaleiro da Ordem de Avis desde 1789) ainda beneficiou do novo estatuto, vindo a morrer meses mais tarde, aos 81 anos. Foram ambos sepultados no panteão dos Braganças, na Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa, em túmulos situados frente a frente.

O príncipe D. João, nesse mesmo ano de 1801, teve de lidar com mais um confronto armado entre Portugal e Espanha, do qual resultaria a perda permanente da praça de Olivença pelo mais pequeno dos países ibéricos (apesar de posteriores tratados internacionais obrigarem Madrid à sua devolução – o que nunca veio a suceder).

A designação da breve contenda poderá ter radicado em mais um caso de adultério régio, desta vez do lado de lá da fronteira. A 20 de maio, o exército espanhol desencadeou no norte do Alentejo uma ofensiva relâmpago sob a direção do próprio primeiro-ministro do rei Carlos IV, Manuel de Godoy, de quem se dizia ser amante da rainha, Maria Luísa de Parma. A ela, ele terá enviado um ramo de laranjeira colhido nos arredores de Évora para  informá-la da conquista de Olivença. Por essa razão, o conflito terá ficado conhecido como a Guerra das Laranjas.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 04-06-2025)

3 de junho de 2025

A VACINA CONTRA A LOUCURA


Depois de uma campanha eleitoral titubeante, que redundou num zénite de resultados alarmantes, onde as
fake news imperaram de forma quase teatral – por vezes hilariante e louca para alguns – valeu-nos o entusiasmo do futebol, com os nossos clubes de afeição a darem-nos outro frenesim, servindo de certo lenitivo.

“Da mesma forma que o coração tem que trabalhar sem parar para que continuemos vivos, cada um de nós tem que exercer cidadania para que o país continue a existir”,

- Elísio Macamo, sociólogo moçambicano, no podcast do Público Na Terra dos Cacos.

Segundo o jornalista António Rodrigues, do Público, os alarmes sobre os jovens cidadãos começaram a soar em fevereiro, quando a Autoridade Australiana para a Avaliação e Relatórios Curriculares revelou os piores resultados no teste de cidadania desde 2004: apenas 43% dos alunos do 6º. Ano e 28% do 10º ano mostraram-se proficientes. Uma descida acentuada em relação ao estudo de 2019.

Para Riddle e Samantha Mostyn – esta última governadora-geral da Austrália, representante do rei Carlos III – o país corre o risco de criar uma geração mais vulnerável à manipulação política. “A desinformação e a informação errada são o grande flagelo do nosso tempo”, afirmou Mostyn  à ABC, no início da sua missão para contrariar o fraco desempenho dos estudantes em matéria de cidadania.

Um novo modelo de ensino começou a ser implementado nas escolas australianas para combater a desinformação e aumentar a literacia mediática entre crianças e adolescentes. O objetivo é que aprendam a discernir facto da ficção, avaliando se uma notícia, um programa de televisão, um vídeo online ou uma publicação nas redes sociais é credível.

Segundo Elísio Macamo, citado por António Rodrigues, é urgente “julgar menos e analisar mais”, combatendo a “arrogância moral” de nos acharmos melhores que os outros.  A cidadania exige humildade, e “ser cidadão de um país significa fazer tudo para merecer sê-lo”. Como dizia o historiador maliano Amadou Hampâté Bâ:

 “Se sabes que não sabes, saberás.”

La Vacuna Contra la Insensatez – a Vacina Contra a Insensatez – é o título do livro recentemente publicado em Espanha, que nos oferece ferramentas para melhor compreender a realidade. “Urge reabilitar o pensamento crítico porque é uma das supervacinas” contra decisões tomadas sem verdadeira compreensão, afirmou o autor em entrevista à revista Lecturas.

“Se somos tão inteligentes, por que caímos em tanta estupidez e atrocidade? Por que nos deixamos manipular por falsas crenças, teorias de conspiração e preconceitos?”

A partir destas duas questões, o autor de Ética para Náufragos concebeu uma “vacina para proteger dos agentes patogénicos externos”, uma verdadeira vacina contra a loucura – uma imunização do espírito, para reforçar o pensamento crítico e para desarmar clichés aceites como dogmas.

Vivemos um momento crítico para o futuro da humanidade. Se a convergência entre engenharia genética, nanotecnologia, inteligência artificial e neurociência não for guiada por pensamento ético e humanista, como alerta Marina em entrevista ao El Periódico, corremos o risco de ver nascer monstros tecnológicos e sociais.

É preciso, pois, estarmos vacinados – contra a loucura e a insensatez.

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P. S.: Recebi na minha caixa do correio a vossa revista “100 Anos do S. C. Olhanense Campeão de Portugal – 1924 – 2024”, pela qual agradeço a amável deferência.

Li com interesse a breve resenha da história do Clube. Muito obrigado.

 

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-06-2025)

 


 

20 de maio de 2025

TORMENTOS DE DUAS FILIAIS DE UM GRANDE CLUBE


 
Naqueles tempos começaram a surgir clubes desportivos que entusiasmavam as suas gentes com o jogo da bola. Ainda não havia muitas distrações para ocupar o tempo de lazer. Os costumes no trajar e nos contactos sociais pouco variavam de região para região. Aos domingos, homens, senhoras, jovens e crianças envergavam os seus trajes domingueiros para passear em grupo ou ir à missa. Os homens usavam fato e gravata, mesmo no verão, colocando o casaco pelos ombros quando o calor apertava. As senhoras que iam à igreja cobriam a cabeça com um véu (o Concílio Vaticano II ainda não ocorrera). As meninas e senhoras ainda não usavam calças em vez de saias, pois era mal visto em muitos contextos sociais, escolares e religiosos. Foi apenas a partir dos anos 60 que algumas jovens urbanas e artistas começam a usar calças, influenciadas por modas estrangeiras. Nos anos 70, com o 25 de Abril de 1974 e o fim da ditadura, os costumes começaram a liberalizar-se rapidamente. As calças tornaram-se um símbolo da emancipação feminina, especialmente entre mulheres jovens e trabalhadoras. Surgiram os primeiros fatos de calça femininos para trabalho e eventos. A partir dos anos 80, o uso de calças generalizou-se a todos os contextos: escolas, universidades, trabalho, cerimónias. Tornaram-se uma peça padrão do guarda-roupa feminino, com a moda a diversificar-se: calças de ganga, formais, entre outras.

Nos campos desportivos, relvados ou pelados, os obreiros da redondinha deixaram de ser apenas brancos; começavam a surgir também jogadores negros. Hoje, em cidades, vilas e aldeias, e mesmo nos recantos mais isolados, reconhecemos a presença de um cosmopolitismo crescente.

Com o tempo, os clubes e as suas modalidades foram-se desenvolvendo. Os grandes clubes mantinham-se, ainda que com altos e baixos. Os médios lutavam por um lugar ao sol. Os pequenos foram desaparecendo à medida que as tempestades ameaçavam as suas frágeis embarcações.

Os grandes decidiram então criar filiais – uma forma de expandir o seu emblema, embora nem sempre os “afilhados” se mostrassem verdadeiros apaniguados.

Numa zona de montanha, tal como numa orla marítima, o desporto-rei já se encontrava bem implantado. Um dos grandes clubes integrou, com entusiasmo, uma filial na zona serrana –   a sua 8ª filial, fundada a 2 de junho de 1923. Na zona costeira, já havia sido criada a 4ª filial, a10 de janeiro do mesmo ano. Se os verde-e-brancos eram da serra, os rubro-negros pertenciam ao mar.

Ambos históricos, ambos enfrentaram turbulências ao longo dos anos, apesar de terem deixado nos seus anais páginas marcantes na história do desporto regional e nacional.  

No prestigiado quadro da 1ª Divisão (hoje chamada 1ª Liga), os serranos orgulham-se de 15 participações, enquanto os algarvios somam 19 presenças.

Os ventos quase fizeram naufragar a embarcação olhanense, mas felizmente cessaram. Hoje, o clube é liderado por homens de bravura, que expulsaram “a bicharada daninha” que o rodeava. Nas bandeiras desfraldadas lêem-se mensagens como: “Se existimos há 113 anos, não vamos morrer” e “Parabéns pelo 100.º aniversário do Campeonato de Portugal”. O diário, que é quinzenário, noticia o Algarve e o país, assinalando com garbo os seus 62 anos. Olá, 15 de maio de 2025!

Também os serranos enfrentaram uma ventania lamentável, até ao último jogo, sempre com os ouvidos atentos ao que se passava do outro lado do Atlântico.

Ficam os votos de que estas duas coletividades, marcadas no mapa de Portugal, saibam manter-se vigilantes, atentas e firmes no caminho certo.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-05-2025)

 



7 de maio de 2025

PONTIFICADOS AO LONGO DOS TEMPOS

 


Tive a felicidade de passar pelo tempo de sete Papas, desde Pio XII. Por isso, também tive oportunidade de escrever, várias vezes, sobre eles no âmbito de algumas particularidades.

Consideremos a mudança de nome. O primeiro Papa a mudar de nome foi S. Pedro, por iniciativa do próprio Cristo que lhe diz: “Tu és, Simão, filho de João; chamar-te-ás Cefas (que quer dizer pedra)” (Jo 1, 42).

De facto, ao prometer-lhe o Primado, Jesus diz: “Tu és pedra (Pedro, na tradução) e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16, 18).

Na lista dos sucessores, o primeiro a mudar de nome foi o Papa João II (533 – 535), pelo facto de se chamar Mercúrio, e achar impróprio o nome de um deus pagão num representante de Cristo.

Mais tarde, João XII (955 – 964), que se chamava Otaviano, tomou idêntica decisão; o mesmo faria João XIV (983 – 984) que, chamando-se Pedro, se julgou indigno do nome do Apóstolo.

A mudança do nome, no entanto, só começou a vigorar a partir de Bento VIII (1012 – 1024).

Não existe qualquer proibição de os Papas adotarem o nome de Pedro. Trata-se de simples tradição mantida como sinal de respeito.

Pontificados mais breves: Estêvão II – 4 dias; Urbano VII – 13 dias; Bonifácio VI – 15 dias; Celestino IV – 17 dias; Teodoro II – 20 dias; Marcelo II – 20 dias; Sisínio – 21 dias; Silvestre II – 22 dias; Dâmaso II – 22 dias; Pio III – 24 dias; Leão XI – 26 dias; Valentim – 28 dias; João Paulo I – 33 dias; Adrião – 39 dias; Gregório VIII – 58 dias; Inocêncio IX – 61 dias; Romano – 4 meses.

Pontificados mais longos: São Pedro – 37 (?) anos; Beato Pio IX – 32 anos; João Paulo II – 26 anos (em 26-10-2004); Leão XIII – 25 anos; Pio VI – 24 anos e seis meses; Adriano I – 24 anos; Pio VII – 23 anos e 5 meses; Alexandre III – 22 anos; Silvestre I – 21 anos; Leão Magno – 21 anos; Urbano VIII – quase 21 anos; Leão III – 20 anos e 6 meses; Clemente XI – 20 anos e 4 meses.

Papas que renunciaram: S. Ponciano (?) – em 235 (desterrado); João XVIII (?) – em 1009; Bento IX (?) – em 1045 (obrigado a fugir); Bento X – em 1058; Celestino V – em 1294; Gregório XII – 1415.

Papas eleitos sem ordenação sacerdotal, recebida apenas depois da eleição: Leão VIII; Bento XV (subdiácono); João XIX; Bento IX.

Papas Santos e Beatos: Os primeiros 54 Papas até S. Félix IV (526 – 530), à exceção de Libério (352 – 363) mereceram o título de Santos, a maior parte mártires.

A seguir, outros 27, até S. Pio X – 1903 – 1914, mereceram a mesma honra.

Além dos canonizados, foram outros beatificados, até que o Papa Francisco canonizou São João XXIII, São Paulo VI, São João Paulo II e beatificou João Paulo I.

Papa português: João XXI (Pedro Julião) foi o único Papa português. Presidiu ao governo da Igreja durante 8 meses (setembro de 1276 – maio de 1277). Nasceu em Lisboa (1215), numa época em que a cidade já fazia parte do reino de Portugal, sob o reinado de D. Afonso II. Foi médico, filósofo, teólogo e cientista. Morreu tragicamente em 20 de maio de 1277, devido ao desabamento e uma parte do palácio papal de Viterbo (Itália). Estava a trabalhar quando foi atingido por um teto que ruiu, vindo a morrer dias depois  devido aos ferimentos.

Outras particularidades: S. Gregório Magno (590 – 604) – Primeiro Papa a usar a expressão “servo dos servos de Deus” para se designar a si mesmo. Bonifácio IV (608 – 615) –  A 1 de novembro de 609 transformou o Panteão dos deuses pagãos, em Roma, em templo dedicado à Santíssima Virgem e a todos os mártires. Surgia assim a festa de “Todos os Santos”. S. Deodato I (615 – 618) – Terá começado com ele o costume de selar os documentos com um selo de chumbo em forma de medalha (em latim, “bula”). S. Vitalino (657 – 672) – terá sido este Papa a introduzir o uso do órgão nas cerimónias litúrgicas. Santo Agatão (678 – 681) – o Papa eleito em idade mais avançada (103 anos). S. Sérgio I (687 – 701) – terá introduzido o canto do “Cordeiro de Deus” na missa. Constantino I (708-715) – último Papa a visitar Constantinopla até Paulo VI. Silvestre II (999 – 1003) – é-lhe atribuída a introdução da numeração romana no Ocidente e a invenção do relógio de pêndulo. Urbano II (1088 – 1099) – Em 1095 convocou os príncipes cristãos para a primeira cruzada contra os muçulmanos, para libertar a Terra Santa. Concedeu à Sé de Braga o título de Primaz. Inocêncio III (1198 – 1216) – O primeiro Papa a chamar-se “Vigário de Cristo”, em vez de “Vigário de Pedro”. Urbano IV (1261 – 1264) – Instituiu a festa do “Corpo de Deus”, em 1264. Bonifácio VIII (1294 – 1303) – Proclamou, em 1300, o primeiro ano jubilar da história da Igreja. Alexandre VI (1492 – 1503) – No jubileu de 1500 introduziu a cerimónia de abertura da Porta Santa.

E com o fim de um pontificado outro capítulo é aberto. Vem aí o conclave e as regras, embora complexas, são simples: o primeiro cardeal a obter dois terços dos votos é eleito Papa. Ou seja, pelas contas atuais, serão necessários 90 votos para haver novo Papa.

Na segunda semana de maio, o conclave deve ter início e os votos de 135 cardeais de mais de 70 nacionalidades começam a ser contados.

 

LISTA CRONOLÓGICA DOS PAPAS

S. Pedro: 33 – 67; S. Lino:  67 – 76; Santo Anacleto: 76 – 68; S. Clemente: 88 – 97; S.to Evaristo: 97 – 105; S.to Alexandre: 105 – 115; S. Sisto I – 115 – 125; S. Telésforo: 125 – 136; S. Higino: 137 – 140; S. Pio I: 140 – 155; S.to Aniceto: 155 –166; S. Sotero: 166 – 175; S.to Eleutério: 175 – 189; S. Vítor I: 189 – 199; S. Zeferino: 199 –217; S. Calisto: 217 – 222; S.to Urbano: 222 – 230; S. Ponciano: 230 – 235; S.to Antero: 235 – 236; S. Fabião: 236 – 250; S. Cornélio: 251 – 253; S. Lúcio I: 253 – 254; S.to Estêvão I: 254 – 257; S. Sisto II: 257 – 258; S. Dionísio: 259 – 268; S. Félix I: 269 – 274; S.to Eutiquiano: 275 – 283; S. Caio: 283 – 296; S. Marcelino: 296 – 304; S. Marcelo I: 308 – 309; S.to Eusébio: 309 – 310; S. Milcíades: 311 – 314; S. Silvestre I: 314 – 335; S. Marcos: 336; S. Júlio I: 337 – 352; Libério: 352 – 363; S. Dâmaso I: 336 – 384; S. Siríaco: 384 – 399; S.to Anastásio I: 399 – 401; S.to Inocêncio I: 401 – 417; S. Zósimo: 417 – 418; S. Bonifácio I: 418 – 422; S. Celestino I: 422 – 432; S. Sisto III: 432 – 440; S. Leão I, Magno: 440 – 461; S.to Hilário: 461 – 468; S. Simplício: 468 – 483; S. Félix III: 483 – 492; S. Gelásio I: 492 – 496; S.to Anastácio II: 496 – 498; S. Símaco: 498 – 514; S.to Hormisdas: 515 – 523; S. João I: 523 – 526; S. Félix IV: 526 – 530; Dióscoro: 530; Bonifácio II: 530 – 532; João II: 533 – 535; S.to Agapito I: 535 – 536; S. Silvério: 536 – 537; Vigílio: 537 – 555; Pelágio I: 556 – 561; João III; 561 – 574; Bento I: 575 – 579; Pelágio II: 579 – 590; S. Gregório I, Magno: 590 – 604; Sabiniano: 604 – 606; Bonifácio III: 607; S. Bonifácio IV: 608 – 615; S. Deodato: 615 – 618; Bonifácio V: 619 – 625; Honório I: 625 – 638; Severino: 640; João IV: 640 – 642; Teodoro I: 642 – 649; S. Martinho I: 649 – 655; S.to Eugénio I: 654 – 657; S. Vitalino: 657 – 672; Deodato II: 672 – 676; Dono: 676 – 678; S.to Agatão: 678 – 681; S. Leão II: 682 – 683; S. Bento II: 684 – 685; João V: 685 – 686; Cónon: 686 – 687; S. Sérgio I: 687 – 701; João VI: 701 – 705; João VII: 705 – 707; Sisínio: 708; Constantino: 708 – 715; S. Gregório II: 715 – 731; S. Gregório III: 731 – 741; S. Zacarias: 741 – 752; Estêvão II: 752 – 757; S. Paulo I: 757 – 767; S.to Estêvão III: 768 – 772; Adriano I: 772 – 795; S. Leão III: 795 – 816; Estêvão IV: 816 – 817; S. Pascoal I: 817 – 824; Eugénio II: 824 – 827; Valentim: 827; Gregório IV: 827 – 844; Sérgio II: 844 – 847; S. Leão IV: 847 – 855; Bento III: 855 – 858; S. Nicolau I, Magno: 858 – 867; Adriano II: 867 – 872; João VIII: 872 – 882; Marino I: 882 – 884; S.to Adriano III: 884 – 885; Estêvão V: 885 – 891; Formoso: 891 – 896; Bonifácio VI: 896; Estêvão VI: 896 – 897; Romano: 897; Teodoro II: 897; João IX: 898 – 900; Bento IV: 900 – 903; Leão V: 903; Sérgio III: 904 – 911; Anastácio III: 911 – 913; Lândon: 913 – 914; João X: 914 – 928; Leão VI: 928; Estêvão VII: 928 – 931; João XI: 931 – 935; Leão VII: 936 – 939; Estêvão VIII: 939 – 942; Marino II: 942 – 946; Agapito II: 946 – 955; João XII: 955 – 964; Leão VIII: 963 – 964; Bento V: 964 – 965; João XIII: 965 – 972; Bento VI: 973 – 974; Bento VII: 974 – 983; João XIV: 983 – 984; João XV: 985 – 996; Gregório V: 996 – 999; Silvestre II: 999 – 1003; João XVII: 1003; João XVIII: 1004 – 1009; Sérgio IV: 1009 – 1012; Bento VIII: 1012 – 1024; João XIX: 1024 – 1032; Bento IX: 1032 – 1046; Silvestre III: 1045; Gregório VI: 1045 – 1046; Clemente II: 1046 – 1047; Dâmaso II: 1048; S. Leão IX: 1049 – 1054; Vítor II: 1054 – 1057; Estêvão IX: 1057 – 1058; Bento X: 1058 – 1059; Nicolau II: 1059 – 1061; Alexandre II: 1061 – 1073; S. Gregório VII: 1073 – 1085; B. Vítor III: 1086 – 1087; B. Urbano II: 1088 – 1099; Pascoal II: 1099 – 1118; Gelásio II: 1118 – 1119; Calisto II: 1119 – 1124; Honório II: 1124 – 1130; Inocêncio II: 1130 – 1143; Celestino II: 1143 – 1144; Lúcio II: 1144 – 1145; B. Eugénio III: 1145 – 1153; Anastácio IV: 1153 – 1154; Adriano IV: 1154 – 1159; Alexandre III: 1159 – 1181; Lúcio III: 1181 – 1185; Urbano III: 1185 – 1187; Gregório VIII: 1187; Clemente III: 1187 – 1191; Celestino III: 1191 – 1198; Inocêncio III: 1198 – 1218; Honório III: 1216 – 1227; Gregório IX: 1227 – 1241; Celestino IV: 1241; Inocêncio IV: 1243 – 1254; Alexandre IV: 1254 – 1261; Urbano IV: 1261 – 1264; Clemente IV: 1265 – 1268; B. Gregório X: 1271 – 1276; B. Inocêncio V: 1278; Adriano V: 1276; João XXI: 1276 – 1277; Nicolau III: 1277 – 1280; Martinho IV: 1281 – 1285; Honório IV: 1285 – 1287; Nicolau IV: 1288 – 1292; S. Celestino V: 1294; Bonifácio VIII: 1294 – 1303; B. Bento XI: 1303- 1304; Clemente V: 1305 – 1314; João XXII: 1316 – 1334; Bento XII: 1334 – 1342; Clemente VI: 1342 – 1352; Inocêncio VI: 1352 – 1362; B. Urbano V: 1362 – 1370; Gregório XI: 1370 – 1378; Urbano VI: 1378 – 1389; Bonifácio IX: 1389 – 1404; Inocêncio VII: 1404 – 1406; Gregório XII: 1406 – 1415; Martinho V: 1417 – 1431; Eugénio IV: 1431 – 1447; Nicolau V: 1447 – 1455; Calisto III: 1455 – 1458; Pio II: 1458 – 1464; Paulo II: 1464 – 1471; Sisto IV: 1471 – 1484; Inocêncio VIII: 1484 – 1492; Alexandre VI: 1492 – 1503; Pio III: 1503; Júlio II: 1503 – 1513; Leão X: 1513 – 1521; Adriano VI: 1522 – 1523; Clemente VII: 1523 – 1534; Paulo III: 1534 – 1549; Júlio III: 1550 – 1555; Marcelo II: 1555; Paulo IV: 1555 – 1559; Pio IV: 1559 – 1565; S. Pio V: 1566 – 1572; Gregório XIII: 1572 – 1585; Sisto V: 1585 – 1590; Urbano VII: 1590; Gregório XIV: 1590 – 1591; Inocêncio IX: 1591; Clemente VIII: 1592 – 1605; Leão XI: 1605; Paulo V: 1605 – 1621; Gregório XV: 1621 – 1623; Urbano VIII: 1623 – 1644; Inocêncio X: 1644 – 1655; Alexandre VII: 1655 – 1667; Clemente IX: 1667 – 1669; Clemente X: 1670 – 1676; B. Inocêncio XI: 1676 – 1689; Alexandre VIII: 1689 – 1691; Inocêncio XII: 1691 – 1700; Clemente XI: 1700 – 1721; Inocêncio XIII: 1721 – 1724; Bento XIII: 1724 – 1730; Clemente XII: 1730 – 1740; Bento XIV: 1740 – 1758; Cemente XIII: 1758 – 1769; Clemente XIV: 1769 – 1774; Pio VI: 1775 – 1799; Pio VII: 1780 – 1823; Leão XII: 1823 – 1829; Pio VIII: 1829 – 1830; Gregório XVI: 1831- 1846; Pio IX: 1846 – 1878; Leão XIII: 1878 – 1903; S. Pio X: 1903 – 1914; B. Bento XV: 1914 – 1922; Pio XI: 1922 – 1939; Pio XII (Eugénio Pacceli, italiano): 1939  – 1958; São João XXIII (Ângelo Roncalli, italiano): 1958 – 1963; São Paulo VI (João Baptista Montini, italiano): 1963 – 1978; B. João Paulo I (Albino Luciani, italiano, conhecido como o Papa do sorriso): 1978: São João Paulo II (Karol Woityla, polaco): 1978 – 2005;  Bento XVI (Joseph Ratzinger, alemão): 2005 – 2013; Francisco (Jorge Mario Bergoglio, argentino): 2013 – 2025. Francisco foi o 266º Papa.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 07-05-2025)


A ELEIÇÃO DOS PAPAS

 

Com o falecimento do Papa Francisco surgem várias perguntas para as quais nem sempre estamos atentos ao sucedido com casos anteriores.

Morto S. Pedro na perseguição de Nero (cerca de 64-67), é natural que o clero e cristãos de Roma se tenham voltado para o presbítero com mais ascendente, S. Lino (67-76), aquele que teria sido, por assim dizer, o braço direito do Apóstolo.

A partir daí, não havendo ainda organização eclesiástica propriamente dita, e vivendo os cristãos concentrados em Roma, a eleição continua a recair, como solução imediata, sobre o clero da cidade e de algum modo também sobre os leigos, embora apenas com força consultiva.

O eleito era, desse modo, simultaneamente, por força das circunstâncias, bispo de Roma, o que durante séculos viria a tornar-se obrigatório.

Entre os séculos VI e XI, época sombria na História da Igreja, a intervenção dos imperadores far-se-ia sentir de modo especial, impondo os seus apaniguados.

Embora a designação propriamente dita continuasse a cargo do clero de Roma, com consulta dos leigos mais conceituados, as atas das eleições eram submetidas ao imperador que exigia grandes quantias para dar a sua aprovação.

A partir do século VIII, porém, liberta Roma dos Ostrogodos, e sob o domínio dos Francos, obter-se-ia maior liberdade, voltando os enviados do imperador a intervir como mantenedores da ordem entre as diversas fações.

Nos fins do século IX, pela primeira vez, um bispo doutra diocese, o bispo Formoso, do Porto (perto de Roma), aceita o pontificado e bispado de Roma (891 – 896).

Foi apenas com Nicolau II que, no concílio de Latrão, a 13 de abril de 1059, se decretou que a eleição passasse a ser da responsabilidade dos cardeais-bispos convocados, e que Alexandre III (1159 – 1181) confiaria a um colégio cardinalício.

Tal como a do poder civil, também a intervenção popular, através de leigos conceituados, ia desaparecendo.

Mas foi só a partir de 1179, no terceiro concílio de Latrão, que se decretou a eleição do Papa exclusivamente pelo colégio de cardeais, sem qualquer distinção de primazia entre eles, sendo eleito para o Sumo Pontificado o que obtivesse dois terços dos votos.

A partir de então, o funcionamento deste processo eleitoral foi-se aperfeiçoando até às orientações mais precisas de Leão XIII (1878 – 1903) e S. Pio X (1903 – 1914), que atribuem a exclusividade aos cardeais como sucessores do antigo Presbitério romano, na qualidade de Senado ou Conselho permanente da Igreja.

Segundo as últimas determinações, emanadas de Paulo VI (!963 – 1978), o conclave para a eleição deverá reunir-se, não antes de 15 dias nem mais de 20 após a morte do Pontífice cessante, tendo direito de voto todos os cardeais que não tenham completado 80 anos de idade.

Na Constituição Apostólica de 01-10-1975, Paulo VI prevê três modalidade eleitorais:

1)      A habitual, por meio de voto secreto até se obter a maioria de dois terços mais um;

2)      Por aclamação espontânea, unânime e comprovada;

3)      Por compromisso, ou seja: os cardeais poderiam transmitir, apenas a alguns, plenos poderes para, em seu nome, elegerem o novo Papa. Formar-se-iam assim pequenos grupos (por países ou por outra qualquer afinidade) com pleno poder eletivo.

Os dois últimos processos poderão parecer, em teoria, mais simples, mas até hoje não se verificaram.

As primitivas eleições realizaram-se pacificamente sem normas concretas rígidas. Mas em breve surgiriam os abusos e distúrbios, devido à ingerência do poder civil (imperador ou famílias mais poderosas), levando por vezes a interregnos (sede vacante ou cadeira vazia) demasiado prolongados, o que dava azo a eleições paralelas e aos designados anti-papas.

Para obstar a isso, surgiram os conclaves (“com chaves”). Os seja: os cardeais eleitores reuniam-se à porta fechada, fora das pressões e manobras de segundos interesses.

O primeiro destes conclaves teve lugar a seguir à morte de Gregório IX, em 1241, sendo os 12 cardeais encerrados à chave, incomunicáveis, não só para os subtrair a pressões, mas também para os obrigar a um consenso pouco demorado.

Mesmo assim, passariam mais de dois meses até chagarem a acordo.

As eleições de Nicolau IV (1288 – 1292) e Clemente V (1305 – 1314) prolongar-se-iam por 11 meses, e a de João XXII (1316 – 1334) demoraria 2 anos e 3 meses – o conclave mais longo da História.

A atual legislação, emanada de Paulo VI (1963 – 1978), apesar de terem corrido propostas para eliminar a clausura, mostra-se ainda severa: exige-se secretismo absoluto e são proibidos telefones e processos eletrónicos e campanhas internas a favor de alguém, muito embora, até ao início, seja permitido aos cardeais trocarem e pedirem informações.

Porém, antes de iniciada a primeira votação, todos os cardeais eleitores juram, diante de Deus, votar somente em quem julgarem digno do cargo.

Terminada a eleição, o cardeal decano pergunta ao eleito se aceita o cargo e, em caso positivo, por que nome deseja ser designado.

Por último, o novo Papa vai à janela dar a primeira bênção urbi et orbi (à cidade e ao mundo).

Fonte: “História dos Papas – Luzes e Sombras” 2ª edição, de Heitor Morais, s.j.

Na altura em que for publicada esta crónica, certamente ainda não teremos o novo Sumo Pontífice. Esperemos, contudo, que ele consiga arrebatar os corações dos habitantes deste Planeta, seguindo o exemplo de Francisco, independentemente de haver sempre vozes discordantes.

Parabéns ao Sporting Clube Olhanense por terem conseguido dissipar a malfadada SAD e de o Olhanense ter voltado à posse de todos os olhanenses, conforme refere o incansável diretor deste quinzenário.

Votos de parabéns, igualmente, pela comemoração do 113º Aniversário do S. C. Olhanense.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-05-2025)

 


29 de abril de 2025

OS LUTOS INACABADOS DO IMPÉRIO



 Depois da entrevista com o José António Chorão, na rubrica “Conte-nos a sua História”, veio-me à memória escrever sobre um tema que por várias vezes me ocorreu: a grande dor de famílias que viram perder os seus entes queridos sem complacência dos senhores do poder de então. 
 Embora não seja habitual, insiro neste espaço duas fotos alusivas, onde se veem dois dos seus camaradas em Nancarati, Moçambique, sendo que o da direita é o referido naquela entrevista e que faleceu logo na primeira picada, porquanto ia à frente e foi fortemente alvejado pelos guerrilheiros da Frelimo.
Durante a Guerra do Ultramar (1961-1974), muitos militares portugueses perderam a vida, e nem todos puderam ser identificados ou recuperados, especialmente como quedas ao mar ou em combates intensos.
Um exemplo trágico é o incidente com o navio mercante “Save” em 7 de julho de 1961, no litoral marítimo a sul de Quelimane. O navio sofreu um incêndio a bordo, seguido de explosões devido ao material de guerra transportado, resultando em 237 vítimas entre passageiros, militares e tripulantes. Entre os militares portugueses mortos ou desaparecidos contaram-se 80. Devido à gravidade do acidente e às condições do mar, muitos corpos não puderam ser recuperados ou identificados.
Além deste episódio, houve outras situações durante o conflito em que os militares desapareceram em combate ou em acidentes, e os seus corpos nunca foram encontrados ou identificados, causando um impacto profundo nas famílias e na sociedade portuguesa.
A memória destes combatentes é mantida viva através de diversas iniciativas e homenagens, reconhecendo o sacrifício daqueles que serviram durante a Guerra do Ultramar.
Durante os primeiros seis anos da guerra colonial, o Estado só pagava o regresso de militares vivos. Permanecem até hoje enterrados em África (Angola, Guiné-Bissau e Moçambique) cerca de 1500 militares portugueses, de acordo com o levantamento feito pela Liga dos Combatentes. São soldados e cabos, há alguns sargentos e muito poucos oficiais. Muitas famílias já se esqueceram algumas ainda não.  
Catarina Gomes, in Público, refere que a camponesa alentejana Maria Florinda da Luz, que não sabia escrever, ajudou a mudar um pormenor da história. Tinha sido informada por telegrama que o filho tinha morrido na guerra em Moçambique a 19 de janeiro de 1967. Se o quisesse trazer, teria de pagar 12 mil escudos, o que equivaleria, aos preços de hoje (de acordo com o conversor da Pordata), a cerca de 4 mil euros. Era impossível, mas a mãe do soldado sentiu que, à sua maneira, tinha de fazer alguma coisa. Foi ter com o presidente da Junta para a ajudar a redigir a carta, chorando convulsivamente. Disse-lhe tudo o que sentia, o que tinha no coração, e ele lá organizou e arrumou as frases à sua maneira, que assim seguiram, em tom submisso, para o ministro da Defesa, uma ousadia nos tempos que corriam.
“Pedia a V.ª Ex.ª, pela sua saúde, já que não tive a sorte de trazerem o meu filho vivo, peço-lhe que mo mandem mesmo morto. Para eu o adorar e rezar ao pé daquele bom querido filho. Peço imensa desculpa a Vª. Ex.ª destas minhas tristes palavras, mas a dor é tão grande que não sei onde hei de respirar. O nome do meu filho é Francisco da Luz Carloto”.
A transladação era incomportável para a maioria das famílias, era uma sociedade ruralizada, com hierarquias, com uma desigualdade mais nítida e aceite do que é hoje.
A não vinda dos corpos era uma das formas que assumia a pouca visibilidade da morte na guerra, segundo lembra Carlos Matos Gomes. Por exemplo, se morriam vários militares numa operação, os jornais tinham instruções para diluírem as mortes por vários dias, em pequenas notícias a uma coluna, publicadas em páginas interiores. Os mortos que chegavam vinham em navios de transporte, dentro de vulgares caixotes de madeira e as urnas eram desembarcadas longe da vista. Mesmo os feridos chegavam durante a noite. A política de transladações permaneceu inalterada e sem grande polémica até à carta vinda da aldeia alentejana do concelho de Nisa, Tolosa. A camponesa passou a saber que o Estado tinha passado a assegurar as transladações depois da sua iniciativa, através da carta de março de 1967, embora as famílias tivessem ainda algumas despesas, por exemplo, pagar o caixão de chumbo e o transporte do hospital militar até ao cemitério da terra natal.
No entanto, o problema dos militares mortos que ficaram em África não teve só que ver com os custos. Muitos militares não foram transladados para Portugal porque permanecem até hoje em lugar incerto (200) ou continuam desaparecidos (267), segundo informação do presidente da Liga dos Combatentes, tenente-general Chito Rodrigues. São casos de militares enterrados em situação de combate no local da morte, afogamentos, corpos enterrados em cemitérios improvisados das próprias unidades, que se encontram dispersos pelos territórios em lugares que hoje são mato e capim.
A Liga dos Combatentes deu início à chamada Operação Conservação de Memórias, levada a cabo em março de 2008, com a ida à Guiné de Chito Rodrigues, tendo como objetivo “dignificar” os restos mortais de militares dispersos por vários locais e transferi-los para cemitérios centrais. O objetivo nunca foi assegurar a transladação para Portugal, mas localizados os militares, podiam ajudar as famílias que o quisessem fazer. A Liga dos Combatentes tem um protocolo com a TAP que assegura gratuitamente às famílias a viagem do cemitério da capital do país africano para Lisboa, mas as restantes despesas são a cargo da família, e ainda podem ser bastantes. 
Chito Rodrigues diz que há várias razões para serem tão poucas famílias a pedir a transladação. Uma delas podem ser os custos envolvidos, depois, a grande maioria dos militares não tinham filhos, os familiares que ficam são irmãos, sobrinhos ou familiares mais distantes e, claro, há o tempo, já passaram 40, 50 anos sobre estas mortes.
O historiador Miguel Bandeira Jerónimo, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, diz que esta transladação de um pai, “ajuda-nos a perceber a natureza do regime, a escassez de informação, o desrespeito que o regime tinha pela vida humana”. 
João de Jesus Nunes
jjnunes6200@gmail.com  
(In “O Combatente da Estrela”, nº. 138-abril/2025)

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA JOSÉ ANTÓNIO LOPES GIL CHORÃO


 JOSÉ ANTÓNIO LOPES GIL CHORÃO

Trazemos hoje a esta rubrica o antigo combatente José António Chorão, nascido em 30 de março de 1952, no Refúgio, S. Martinho, Covilhã. É casado, tem 2 filhos e 3 netos. Estudou na Escola Industrial e Comercial Campos Melo, tendo frequentado o Curso de Tintureiro Acabador. Foi esta profissão que passou a exercer sempre, na empresa Álvaro Paulo Rato & Filhos, Lda, antes e após o serviço militar, até ao encerramento da empresa.

Tive o prazer de acompanhar a família dos Chorões, inicialmente como colega na Escola Industrial de dois dos seus irmãos, o António José e o Carlos, assim como cunhado Basílio; depois, mais tarde, no âmbito da minha vida profissional, o José António, e outros seus familiares, todos envolvidos num denominador comum – amizade, simpatia, humildade.

Chegada a altura de cumprir o serviço militar, o José António Chorão foi chamado para a recruta no R.I. 7 em Leiria, que iniciou em 22 de janeiro de 1973, onde esteve durante três meses, seguindo depois para a especialidade de enfermeiro em Coimbra. Partiria de seguida para o estágio desta especialidade no Hospital Militar Principal da Estrela, em Lisboa. Findo este estágio foi para o quartel na Amadora onde foi mobilizado para Moçambique, formando ali a Companhia 4153. Foi então promovido a 1º. Cabo Enfermeiro. 

Em avião militar, seguiu a Companhia para Nancatari, em Moçambique, no dia 22 de fevereiro de 1974, onde permaneceu durante 13 meses. Aqui, viveram momentos angustiosos nas picadas. Era com grande temor que, para além da G3, os seus camaradas tinham de utilizar, neste trabalho de deteção de minas, as picas e os ancinhos, por vezes debaixo de tiroteio do inimigo – a Frelimo. Geralmente, levavam também duas Berliet cheias de areia que serviam de anti-minas. Numa das picadas, logo na primeira, em que ia o enfermeiro José António, surgiu a morte de um camarada que seguia à frente. Haveria, lamentavelmente, de haver mais mortes noutras picadas.

Sem que contassem, estavam então próximos da Revolução do 25 de abril, o que levou a Frelimo a intensificar os ataques. No entanto, no mato, não morreu ninguém. Queimavam-lhes as cabanas e paliçadas, pois quando os nossos homens lá chegavam já estavam sem ninguém, tendo fugido. O inimigo comunicava entre si, montados em árvores altas. 

Entretanto, o 1º Cabo enfermeiro, José António Chorão, e outros camaradas, enquanto jogavam a bola na pequena pista para treino de avionetas, assistiram a um acidente aéreo com um avião DAKOTA, da Força Aérea Portuguesa, no dia 6 de maio de 1974. O avião, que havia levantado voo de Namgade com destino a Nampula, transportando uma delegação de Adidos de vários países, fora atingido por um míssil disparado pela FRELIMO, quando voava entre Diaca e Mueda, num desvio de rota imposto pelo mau tempo. Dado o estado deplorável da aeronave, que ameaçava “desintegrar-se” a todo o momento, com chapas que se iam soltando do avião, e o motor direito a arder, o piloto resolveu fazer a aterragem neste local, quase atingido alguns dos militares. Os que seguiam no avião foram evacuados de helicóptero para Mueda e, daqui, de avião, para a base em Nampula. Resultado: ao jantar desse dia, festejaram vibrantemente o facto de terem sobrevivido. Entretanto, conseguiu salvar-se e toda a tripulação. Este assunto já foi referido por Victor Elias no C.E. nº. 105, de janeiro/março 2017. 

Conforme foi referido, havia surgido o 25 de abril e preparava-se a independência das Colónias. Estávamos já no ano 1975 e o regresso à ainda Metrópole ansiava. 

Começou a haver dissabores entre a malta. Revoltaram-se por não terem avião para o regresso tão desejado. Viram-se então forçados a que o Governo fretasse um avião da TAP, onde todos vieram, de G3, ao lado da tripulação, as famosas hospedeiras da TAP. Isto aconteceu no dia 25 de março de 1975, data da chegada a Lisboa.


J.J. Nunes

(In “O Combatente da Estrela”, nº. 138, abril/2025)



17 de abril de 2025

HÁ 140 ANOS ENTRAVA EM PORTUGAL O PRIMEIRO AUTOMÓVEL


 Quando o homem se sedentarizou, passou a cultivar a terra e a domesticar animais, inventou a roda. Foi um enorme feito da humanidade. Surgiu o carro puxado por uma junta de bois, cujo papel na vida dos humanos foi importantíssimo. Com a pujança dos bovinos, e mais tarde do gado cavalar, tornou-se possível transportar variadíssimos materiais: pedra, lenha, feno, palha, cereais, estrumes, alfaias agrícolas, animais e as próprias pessoas. Este meio de transporte perdurou durante séculos, sofrendo modificações ao longo dos séculos XIX e XX. Os carros de tração animal dessas épocas produziam um som estridente – o famoso chiar dos carros – hoje evocado com nostalgia por quem já carrega o peso dos anos. 

Em várias das minhas crónicas, trouxe à memória figuras citadinas ligadas a este meio de transporte, como o Sr. Joaquim ferrador, que vivia junto à Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã; o velhote do burro, com aquela hilariante forma de trato do industrial de lanifícios Álvaro Paulo Rato para com o homenzinho que lhe pediu boleia para a esposa e depois para levar os cestos de hortaliça, ao que respondeu que “metesse no carro também o burro”; assim como a carroça do Painço. Conforme narra Paulo Leitão Batista, “Este caraterístico chirriar dos carros levou a que os quadrazenhos, muito propensos à onomatopeia, designassem o carro de vacas por charriante na sua gíria contrabandística”.

As Seguradoras não queriam fazer seguros deste meio de transporte. Contudo, na minha atividade profissional de então, consegui que na Companhia Europeia de Seguros, com a qual então trabalhava, segurasse (caso único a nível nacional nesta Seguradora) a responsabilidade civil pela circulação de uma carroça puxada por um muar (apólice 31/599386, com início em 04-12-1985 e anulada, sem sinistros, em 19-10-1992), com o capital de 400 contos. O Segurado era o Sr. Jaime Pires, de Monte do Bispo, freguesia de Caria, do concelho de Belmonte. Reminiscências do passado…

Até que surge o automóvel, numa autêntica revolução evolutiva até aos dias de hoje.

O Panhard & Levassor foi o primeiro automóvel a entrar em Portugal, no mês de outubro de 1885, importado de Paris pelo 4º. Conde de Avilez. Desde então, são muitas as histórias para contar. Quando chegou ao nosso país, suscitou dúvidas sobre a taxa aduaneira a aplicar a tão estranho veículo, que acabou por ser classificado como máquina movida a vapor.

Logo na primeira viagem, entre Lisboa e Santiago do Cacém, deu-se o primeiro acidente de viação ocorrido em Portugal – tendo sido atropelado um burro. Lá está mais um burro…

Entretanto, em 1901 entrou na cidade da Covilhã o primeiro automóvel, conduzido pelo comerciante João Alves da Silva. Natural de Abrantes, mas radicado na Covilhã, foi um homem influente na vida citadina, na atividade autárquica e no turismo, integrando a Sociedade de Propaganda de Portugal, o Turismo – Comissão de Iniciativa Estância da Serra da Estrela e o Grupo de Propaganda da Serra da Estrela. 

E, assim, é ainda João Alves da Silva que em 1906, com um automóvel Darracq de 10 HP e 2 cilindros, sobe pela primeira vez a Serra da Estrela, numa altura em que ainda não existiam estradas, mas antes caminhos escabrosos. 

Naquela viagem à Serra da Estrela, João Alves da Silva levou como passageiros três amigos: António Pereira Barata, Diamantino Henriques Pereira e António Lopes Fazendeiro, também grandes entusiastas do automobilismo.

Antes de iniciar a marcha, contactou o mecânico Gregório da Fonseca Mimoso, conhecido por “Marroca”, um dos mais hábeis mecânicos da Beira Baixa.

Em 1912, os entusiastas beirões do automobilismo organizaram a prova que ficou conhecida por “Corridas da Covilhã”, embora também lhe chamassem, mais apropriadamente, “Circuito Serra da Estrela”. Estas corridas foram integradas nas Festas da Cidade,


João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-04-2025)


3 de abril de 2025

O AMOR COMO ANTIGAMENTE

 

22 de março. Terceiro dia da entrada da primavera. Mais não é que a continuação do inverno. Neste ano da graça de dois mil e vinte e cinco. Na véspera celebrou-se o Dia Mundial da Poesia. Não houve um único dia ensolarado e seco. Vamos aguentando este equinócio da primavera nestes primeiros dias de tédio, até que no último dia do mês possamos dar um empurrão de uma hora ao relógio.

Como os dias vão resfriados, desta feita no aconchego do borralho, damos a lume estas linhas inspiradas no amor à antiga. 

O Benedito, que, entretanto, se afastara da tertúlia face ao acidente em que destruiu o seu automóvel, na Ponte do Freixo, começara a pensar mudar de vida. Viver sozinho já não se tornava fácil. Os rumores de que a Luísa vinha falando da Olinda, sobre o palpitar do coração do Benedito para com uma determinada moça, várias vezes avistada com ele no seu encalço, começavam a tornar-se uma realidade.

O Benedito era uma pessoa expedita, sempre com muitos amigos, mas, nisto do feminino, paradoxalmente tornava-se um pouco inibido… E o acanhamento parecia persistir na hora de tomar uma decisão, de pedir namoro…  Parece que se lhe tolhiam os movimentos. Ele, que sempre fora muito considerado e aplaudido quando jogou futebol em Leiria. Até que, pensando já há muito no amor, decidiu cortar de vez com os receios de uma conversa amorosa. Para que o seu instinto não fosse refreado na hora da verdade, os seus olhos foram-se direcionar a uma estante da sua sala, onde sobressaiu o livro de Mário Zambujal “Já Não Se Escrevem Cartas de Amor”.

- Valha-me Deus!... Estou a ficar inspirado e vou contrariar o Mário. Vou mesmo escrever uma carta à Sónia!

Estávamos no mês de maio daquele ano da graça de 2016. Começou a escrever:

“Menina Sónia:

Talvez adivinhe quem lhe está escrevendo e o sentido para que lhe escrevo esta minha carta.

Vencendo a timidez própria destes atos, venho confessar-lhe a doce simpatia que meu coração teve o inefável prazer de sentir por Si.

Há muito que a amo no segredo do meu coração, mas não querendo sentir-me dominado pelo amor, tentei tudo quanto me foi possível para a esquecer, mas, teimosamente, a sua imagem se me apresentava noite e dia ante os meus olhos. Vencido por esta paixão, não tive outro remédio senão escrever-lhe a contar-lhe quanto tenho sofrido por amor da Menina.

Já deve ter reparado que eu tenho feito várias tentativas para lhe contar o que sinto por Si, mas não o consegui ainda por ir quase sempre acompanhada. Como não lhe tenho podido falar diretamente, quis Deus que hoje lhe escrevesse esta carta para lhe transmitir tudo aquilo que sinto no meu coração pela Sónia.

Sempre tive uma grande simpatia pela Menina, mas ultimamente tenho observado muito melhor as suas excelentes qualidades.

Vê-la foi obra dos meus olhos, amá-la é obra de Deus.

Este sonho de amor que criei e alimentei por Si, seria para mim bem amargo o acordar duma desilusão, se não tivesse a certeza de que este sonho é correspondido e alimentado pela gentil Menina Sónia.

Sónia, peço-lhe encarecidamente me dê uma resposta a reanimar a minha pobre alma.

Benedito”

O Benedito esperou alguns dias, mas a resposta tardava. Tentou então falar pessoalmente com ela, e surgiu a oportunidade:

- Então, Sónia, anda aborrecida comigo?

Imediatamente surgiu a sua cândida resposta que nem sequer o deixou acabar de falar: 

- Desculpe não lhe ter respondido ainda, mas eu prometo dar-lhe uma resposta.

Despediram-se. O Benedito ficou satisfeitíssimo. Passaram alguns dias e ele sem resposta. Os nervos e o frenesi imperavam nele. Até que, por fim, chegou a terceira semana de maio em que a Sónia datava a sua carta:

“Antes de mais quero agradecer-lhe por me ter distinguido dentre tantas moças. As excelentes qualidades que diz ter observado em mim são como as de qualquer rapariga que se preze de o ser: o mesmo temperamento, os mesmos sentimentos. No fim de contas, somos todas iguais.

Custa-me bastante dizer-lhe que, por agora, não penso em tal sentimento. Não me sinto com força suficiente para tomar um compromisso deste género. É fácil escrever amo-a, mas é muito difícil amar. Por isso digo não. Ainda é muito cedo. E há outros compromissos que me chamam: a Família, a Música e outras coisas que não posso dizer não.

Por isso mais uma vez obrigada e deixe de alimentar esse sonho, porque afinal não passou de uma  ilusão. O que desejo sinceramente é felicidades para o futuro.

Sónia”.

O Benedito ficou atónito, mas não desiludido. Nova meditação. Entrara algumas vezes na Igreja da Lapa, pouco depois de ver a Sónia novamente passar… e pedia ao Senhor que lhe concedesse o que desejava.

Imediatamente se apressou a escrever-lhe esta carta profundamente sentida:

“Menina Sónia:

Primeiramente os meus agradecimentos pela gentileza de não faltar a uma resposta que lhe pedia. Não me sentindo confortado com as suas palavras, é com o coração em dor que novamente lhe escrevo e peço desculpar-me se as minhas palavras a melindrarem. Estará certamente pensando que estou a brincar consigo, mas não é verdade, não é um sonho ou mera ilusão que despertou em mim agora. Foi, sim, um sentimento de amor que há muito vem aumentando em mim e que agora quis manifestar-se perante Si. Todas as palavras que lhe tinha escrito são verdadeiras; talvez pense que não, mas é verdade. Repito, Sónia, não estou a brincar consigo, sou um rapaz sincero.

Digo com justiça que a Sónia tem excelentes qualidades. Por agora não importa nomeá-las, mas foram elas que me levaram a abeirar-me de Si. Falei que a amava e sei perfeitamente que não é de um momento para o outro que nasce o amor. Mas não é só com os contactos do namoro que se nota esse sentimento, muito antes ele pode surgir. Diz estar a Família e a Música a chamá-la. Eu estou perfeitamente de acordo, pois já estive em idênticas condições. Já tive a Família, os estudos e o trabalho. Mas serão estes fatores em causa que influirão no seu SIM? Pense, medite e reflita bem o assunto, pois pela terceira vez repito que não estou a brincar, mas a falar sinceramente do coração.

Benedito”.

O Benedito fica então satisfeito quando recebe uma carta da Sónia, já no mês de junho:

“Talvez lhe tenha parecido estranho eu ainda não ter respondido às suas cartas. Não pense que é descuido ou que não lhe liguei, mas foi-me inteiramente impossível fazê-lo mais cedo. Tenho uma vida ocupadíssima. Ainda há pouco mais de dez dias estive a dar resposta cartas que tinha cá desde dezembro; por aqui pode ver o que é a minha vida. 

Bem, deixemos agora isto. Estou a alongar-me em pormenores que não interessam. Na sua carta repete não estar a brincar comigo. Eu quase que já vou acreditando. Além disso, eu nunca duvidei da sua sinceridade. Pelo contrário, até admiro a sua maneira de ser. E também não posso dizer que não simpatizo com o Benedito. Seria mentirosa se o dissesse. Agora esperemos que o tempo resolva o nosso destino. Sejamos livres na maneira de dizer da nossa gente. Se acaso o seu sonho tiver de ser realizado, não é agora, será noutra altura. Por isso, mais uma vez obrigada por tudo.

Sónia”.

Para sua surpresa, após refletir profundamente, a Sónia acabou por aceitar os sentimentos de Benedito e o tão esperado SIM definitivo chegou com grande alegria. 

Entretanto, a tertúlia continuava com Fernando Gonçalves e os outros tertulianos, em Valbom – Gondomar. E para surpresa de todos, Benedito reaparece na tertúlia, agora com um novo Audi A6 Limousine Automatic, retomando a convivência alegre e amistosa que tanto apreciava.

Bibliografia: Parcialmente extraído e composto, do livro “Da Montanha ao Vale”, de João de Jesus Nunes

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-04-2025)


2 de abril de 2025

A DIOCESE DA GUARDA E OS SEUS BISPOS

 


Tal como o longo inverno que atravessámos e os primeiros raios de sol que agora nos confortam, assim poderemos assemelhar, num contexto paradoxal, o período do episcopado de D. Manuel da Rocha Felício (01-12-2005 – 20-12-2024), que durante mais de 19 anos liderou a Diocese da Guarda. Agora, abre-se um novo capítulo com a nomeação de D. José Miguel Barata Pereira, trazendo renovadas expectativas para o futuro da diocese.

São do meu tempo, desta diocese a que sempre pertenci, os bispos D. Domingos da Silva Gonçalves (1952-1960), que ainda conheci, nas suas visitas à Covilhã e num evento dos movimentos operários católicos, realizados no grande salão da Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã, onde então eu estudava.  Sucedeu-lhe D. Policarpo da Costa Vaz (1960-1979), vindo da diocese de Macau, para a da Guarda, sendo nomeado em 09-07-1960. Na escola Campos Melo, por ele fui crismado, na década de 60. Sucedeu-lhe D. António dos Santos (1979-2005), eleito bispo da Guarda em dezembro de 1979.

A Diocese da Guarda foi fundada originalmente na cidade romana da Egitânia (atual Idanha-a-Velha). Face ao declínio acentuado desta última, sobretudo após o domínio muçulmano, o rei D. Sancho I de Portugal fundou, em 1199, mais a Norte, uma nova cidade (a Guarda), provendo-a com o bispo da Idanha, funcionando desde então aí a sede da diocese que, em latim, retém o velho nome de Dioecesis AEgitaniensis. 

O seu território abrange, no distrito de Castelo Branco, os municípios de Belmonte, Covilhã, Fundão e Penamacor, e ainda as freguesias do município de Castelo Branco (Almaceda, Louriçal do Campo, Ninho do Açor e São Vicente da Beira); no distrito de Coimbra, a freguesia de São Gião (município de Oliveira do Hospital); no distrito da Guarda, os municípios de Almeida, Celorico da Beira, Figueira de Castelo Rodrigo, Gouveia, Guarda, Manteigas, Pinhel, Sabugal, Seia, Trancoso, três freguesia do município de Fornos de Algodres (Juncais, Vila Ruiva e Vila Soeiro do Chão, sendo esta apenas civil) e duas freguesias de Vila Nova de Foz Coa (Almendra e Castelo Melhor).

Abrange uma área de 6 759 Km2 e uma população estimada em 250 000 habitantes (96% católicos). 

Bispos dados pelo Seminário da Guarda

D. José do Patrocínio Dias. Nasceu na freguesia de S. Pedro, Covilhã em 23-07-1884, tendo iniciado os preparatórios na Guarda, em 1895, fazendo o ensino secundário no extinto Colégio de S. Fiel (Louriçal do Campo). Cursou, em seguida, a Faculdade de Teologia de Coimbra (1902-1907), cidade onde trabalhou na Conferência de S. Vicente de Paulo e em atividades apostólicas no meio estudantil. Ordenado sacerdote em 21-12-1907, celebrou a primeira missa na sua terra natal (Covilhã), e logo D. Manuel Vieira de Matos o chamou para a Guarda, onde paroquiou a igreja de S. Vicente. Em 1908, encontramo-lo na organização do Congresso das Associações Católicas da Covilhã. Nomeado cónego da Sé da Guarda, desempenhou as funções de notário apostólico (07-12-1914). Nesse mesmo ano, quando o governo republicano expedia soldados cristãos para a guerra, sem cuidar no mínimo da assistência espiritual, gerou-se na Guarda e em Lisboa um grande movimento de voluntariado de padres capelães. O movimento foi coordenado pelo patriarca D. António Mendes Melo, que nomeou o Padre José do Patrocínio Dias chefe dos capelães militares do Corpo Expedicionário Português. Saiu da Guarda em 14 de março de 1917. O Padre José do Patrocínio Dias recebeu vários louvores e condecorações (Comenda da Ordem de Cristo com palma (10-07-1920), Cruz de Guerra de 2ª. Classe (21-03-1921) e Medalha de Prata de Classe dos bons Serviços (22-08-1919), Grã-Cruz da Ordem de Benemerência, Cruz de Oficial da Legião de Honra (França) e o título de Conde Romano e Assistente ao Sólio Pontifício. Preconizado bispo de Beja (06-12-1920), foi sagrado na Sé da Guarda (03-06-1921), entrando na diocese no ano seguinte (05-02-1922).

Apesar dos serviços prestados à Pátria, foi recebido em Beja de um modo contraditório, com manifestações de hostilidade, provindas de grupos criptocomunistas. As autoridades pacenses fizeram que não viram, e D. José aceitou os vexames com apostólica dignidade. Num meio quase descristianizado, o bispo Patrocínio teve de fazer quase tudo de novo, mormente no setor assistencial. Ultrapassou muitas das dificuldades da igreja pacense. Ainda teve tempo para, em 1928, desempenhar as funções de Superior (interino) do Colégio das Missões Ultramarinas. 

Da época deste bispo é também D. José da Cruz Moreira Pinto, natural do Tortosendo (29-12-1887). Do Seminário de S. Vicente de Fora em Lisboa, saiu em 1903 vindo para o da Guarda, onde concluiu Teologia em 1908, recebendo ordens de presbítero na Guarda em 16-01-1910. Em 1913, vai para a Universidade Católica de Lovaina mas a guerra de 1914 obriga-o a voltar ao país, indo pouco tempo depois, de novo para a Bélgica onde concluiu o curso (1921). Preconizado bispo de Viseu (09-05-1928), é sagrado em Évora, em 15 de junho pelo arcebispo eborense. 

D. João de Oliveira Matos Ferreira, natural de Valverde, Fundão (01-03-1879), faleceu na Guarda em 29.08-1962. Frequentou o liceu de Castelo Branco e concluiu Teologia na Guarda (1899). Enquanto esperava a idade canónica para receber as ordens, residiu no Fundão. Quando a atingiu já a diocese estava sem bispo, por morte de D. Tomaz, pelo que o padre João de Oliveira Matos foi ordenado pelo bispo de Viseu em 28 de março de 1903. Neste mesmo ano era nomeado capelão do Colégio de Nª Sª de Lourdes e pároco de Santa Maria Maior (Covilhã), cidade onde colaborou na fundação dos Círculos Operários. Em 1904, o bispo Vieira de Matos chamou-o para a Guarda, criando, em 1924 a Liga dos Servos de Jesus. Nomeado bispo de Aureópolis e auxiliar da Guarda (1922), depois de 1927 fixou-se na sede da sua obra, no Outeiro de S. Miguel, continuando a servir a Ação Católica e outras obras diocesanas. A sua exemplaridade irradiou em vida, e ainda depois de morto, pelo que, há anos, decorre o processo da sua beatificação.

D. João António da Silva Saraiva, natural de Seia (20-09-1923), concluiu Teologia no Seminário da Guarda (28-07-1946), sendo aqui professor de Filosofia. 

 Bispos da Egitânia

1.Adorico (561 – 572); 2. Comundo (589); 3. Licério (597 – 610); 4. Montésis, Montésio, Montênsis, Mentésio (633 – 638); 5. Arménio (646); 6. Siclua, Selua (653-666); 7. Monefonso (683-688); 8. Argesindo (693).

Bispos da Guarda

1.D. Rodrigo (1199). Carlos Oliveira considera e defende a existência de D. Rodrigo que, em 1229, aparece como bispo, numa doação feita à Covilhã.; 2.D. Martinho Pais (1200-1225). Teve de se haver com os bispos de Coimbra e de Viseu por causa de problemas de jurisdição territorial, mormente nas Igrejas da Covilhã, Guarda e Castelo Mendo. 3.D. Vicente Hispano (1226 – 1248); 4.D. Rodrigo Fernandes (1248 – 1267); 5.D. Frei Vasco (1267 – 1278); 6. D. Frei João Martins (1278-1301); 7.D. Vasco Martins de Alvelos (1302-1313); 8. D. Rodrigo III (1313); 9.D. Estêvão (1314-1316); 10.D. Martinho II (1319-1322), médico de D. Dinis, tendo sido provido no bispado a instâncias da Rainha Santa Isabel; 11.D. Guterre I (ou D. Gil) (1322-1326); 12. D. Bartolomeu de Silves (1326-1345); 13-D. Afonso Dinis (1346-1347); 14.D. Lourenço Rodrigues (1349-1356); 15-D. Estêvão Tristão (1357-1360); 16- D. Gil Cabral I, ou D. Gil de Viana (1360-1362). Filho segundo de Aires Cabral, alcaide-mor de Portalegre, era deão da Sé da Guarda quando (1354) assistiu ao casamento de D. Pedro e de D. Inês, em Bragança. Ascendente dos Cabral de Belmonte, governou dois anos; 17. D. Vasco de Menezes (1362-1367); 18. D. Gonçalo Martins (1367); 19. D. Afonso Correia (1367-1384); 20. D. Frei Vasco de Lamego (1384-1391). Participou nas Cortes de 1385, 1387 e 1391, e, com D. João I, deu início à construção da nova Sé; 21. D. Afonso Ferraz (Provido no bispado cerca de 1390-1396); 22. D. Gil II (1397); 23. D. Gonçalo Vasques da Cunha (1397-1426). Protetor dos pobres e homem de cultura, deu início ao levantamento das paredes da Sé nova, e doou a biblioteca ao Cabido; 24. D. Luís da Guerra (1427-1458); 25. D. Frei João Manuel (1459-1476). Era filho natural de D. Duarte, rei, e neto de D. Henrique Manuel, conde de Seia. Criado por Nuno Álvares Pereira no convento do Carmo, foi provincial desta Ordem (1441) e fez parte da embaixada de Rui da Cunha a Roma, para obter do Papa a dispensa para o casamento de D. Afonso V, com sua prima D. Isabel; 26. D. João Afonso Ferraz (1477-1478); 27.D. Álvaro de Chaves (1479-1481) primeira vez; 28. D. Garcia de Menezes (1481-1484) administrador apostólico. Humanista por Paris, seguiu a vida militar, onde deu provas de mérito, mas logo a deixou pela carreira eclesiástica, onde, por distinção e valor, foi elevado a bispo de Évora (1471), o que não o impediu de participar na Batalha de Toro (1476), dando mostras de lealdade e valentia, no comando dos espingardeiros. Acumulou o governo de Évora e da Guarda, até à morte, tomando parte na conspiração chefiada pelo duque de Viseu contra D. João II, sendo detido em masmorras de Palmela, onde expirou; 29. D. Álvaro de Chaves (1484-1496) segunda vez; 30. D. Pedro Vaz Gavião (1496-1516). Transladou para Santa Cruz, Coimbra, os restos mortais de D. Afonso Henriques e de D. Sancho I; 31. Cardeal Infante D. Afonso de Portugal (1516-1519), depois bispo de Viseu e, em acumulação, bispo de Évora e arcebispo de Lisboa. Filho de D. Manuel e de D. Maria, foi provido aos sete anos de idade (10-09-1516), a pedido do pai, por Leão X; 32. D. Miguel da Silva (1516-1519), administrador apostólico; 33. D. Jorge de Melo (1519-1548). Tendo estudado em Paris, mudou-se para Roma, onde foi protegido do Cardeal de Alpedrinha, D. Jorge da Costa. Excomungado por Paulo III, o governo do bispado foi cometido ao Núncio Apostólico, apesar de, juridicamente, o episcopado de D. Jorge de Melo, ter durado 29 anos, até 1548; 34. D. Cristóvão de Castro (1550-1552). Filho do cavaleiro D. Rodrigo de Castro, deão da capela real e capelão-mor da infanta D. Maria, era prior de S. Vicente e do Souto da Casa, do Padroado Real. No tempo em que D. João III pensava subtrair Portalegre ao bispado egitaniense, decidiu nomear D. Cristóvão de Castro para a Guarda, não sem dificuldades, por ser filho ilegítimo. O novo bispo assumiu o governo do bispado, apesar de residir na Covilhã, onde faleceu, sendo sepultado na igreja do convento de S. Francisco, na capela de sua família. 35. D. João de Portugal (1556-1585); 36. D. Manuel de Quadros (1585-1593); 37. D. Nuno de Noronha (1593-1608), também bispo de Viseu; 38. D. Afonso Furtado de Mendonça (1609-1616), também bispo de Coimbra -conde de Arganil, arcebispo de Braga, arcebispo de Lisboa e vice-rei de Portugal. 39. D. Francisco de Castro (1617-1630); 40. D. Frei Lobo de Sequeira Pereira (1632-1636); 41. D. Dinis de Melo e Castro (1639). D. Diogo Lobo (1640), eleito, não confirmado pelo Papa; D. Pedro de Lencastre, depois arcebispo de Évora e arcebispo de Braga, 5.º Duque de Aveiro, não confirmado pelo Papa. 42. D. Frei Álvaro de São Boaventura (1669-1672); 43. D. Martim Afonso de Melo (1672-1684); 44. D. Frei Luís da Silva (1685-1691); 45. D. João de Mascarenhas (1692-1693); 46. D. Rodrigo (ou Rui) de Moura Telles (1694-1704), também arcebispo de Braga; 47. D. António de Saldanha (1705-1711); 48. D. João de Mendonça (1713-1736). Voltou à diocese em 23-08-1720, fixando residência em Castelo Branco, onde faleceu; 49. D. Frei José Fialho (1739-1741); 50. D. Bernardo António de Mello Osório (1742-1774); 51. D. Jerónimo Rogado do Carvalhal e Silva (1775-1797); 52.D. José António Pinto de Mendonça Arrais (1797-1822). Tomou posse da cátedra egitaniense em 25-02-1798. Quando, em 1808, as Beiras sofreram os efeitos das invasões francesas, o bispo Arrais emitiu (10-01-1808) uma Pastoral convocando os fiéis para receberem os franceses, “sem lhes fazer a mais leve ofensa” e para que aos franceses fosse dado                                                                                                                                                                                                                   “todo o socorro de que necessitarem”. O bispo viu-se acusado de francófilo e de traidor, por obrigar os fiéis a receberem os invasores “quais divinos mensageiros”. De facto, a Pastoral de Arrais foi publicada de acordo com as instruções do Príncipe Regente, tendo em vista a ideia de que a receção passiva seria melhor para o sossego e para a tranquilidade pública. A tese dos acusadores tirava prova das Ordens (15-02-1808 e 07-03-1808) que o bispo dera para entrega do oiro e da prata das igrejas aos invasores. Facto é que, tal como a Regência, o bispo Arrais partia do princípio de perder os anéis para salvar os dedos e, tanto assim que (09-07-1808) expediu uma Pastoral contra Junot, em que explicava os motivos da sua posição anterior, e instruía os fiéis para a resistência aos invasores. Persistiu nesta posição, publicando sucessivas pastorais contra Soult e Massena; 53. D. Frei Carlos de São José de Azevedo e Moura (ou Azevedo e Sousa) (1824-1828). Pregador da capela real, acompanhou D. João VI na viagem para o Brasil, onde o monarca o pretendeu nomear (1821) bispo de Cuiabá e Mato Grosso, mas sem efeito porque o nomeado não aceitou em virtude de achar que ficava longe da pátria. Em 1823 viu-se eleito bispo da Guarda, sendo sagrado na capela da Bemposta, em 1824; 54. D. Joaquim José Pacheco de Sousa (1832-1857); 55. D. Manuel Martins Manso (1858-1878): 56. D. Tomás Gomes de Almeida (1883-1903). Apoiou a construção do Hospital da Misericórdia e do Sanatório Sousa Martins, fomentou as campanhas a favor dos doentes e dos pobres, fundou as Conferências de São Vicente de Paulo e efetuou obras na Catedral. Mereceu a admiração e o apreço até dos adversários da Igreja. Jaz na Sé da Guarda; 57. D. Manuel Vieira de Matos (1903-1914); 58. D. José Alves Mattoso (1914-1952). Este bispo contou com dois auxiliares: D. José Augusto da Rocha Noronha, e D. João de Oliveira Matos, tendo nascido em Valverde, Fundão no dia 01-03-1879 e falecido na Guarda, em 29-08-1962. Paroquiou na Covilhã e em Celorico da Beira e ensinou no seminário. Fundou a Liga dos Servos de Jesus. Tido como santo, foi grande a sua influência na espiritualidade da diocese; 59. D. Domingos da Silva Gonçalves (1952-1960); 60. D. Policarpo da Costa Vaz (1960-1979); 61. D. António dos Santos (1979-2005); 62. D. Manuel da Rocha Felício (2005-2024); 63. D. José Miguel Barata Pereira (desde 2024).  

Bibliografia consultada: História da Diocese da Guarda, de J. Pinharanda Gomes.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 02-04-2025)


18 de março de 2025

2025 – O ANO DE TODAS AS MULHERES E MENINAS



 O Dia Internacional da Mulher é comemorado, anualmente, a 8 de março. Este dia tem sido assinalado desde o início do século XX, embora com variações na data das celebrações. 

O Dia Internacional da Mulher pretende celebrar os direitos que as mulheres conquistaram até ao dia de hoje, relembrando o caminho para a igualdade. Defender causas como o direito ao voto, a igualdade salarial, a maior representação em cargos de liderança, a proteção em situações de violência física e/ou psicológica ou o acesso à educação continuam atuais porque, em vários pontos do globo, esses direitos continuam por cumprir.

O tema de 2025 é “Para todas as mulheres e meninas: direito, igualdade, empoderamento”.

Pretende dar continuidade a ações que promovam a igualdade de direitos, poder e oportunidades para todos, em que ninguém seja deixado para trás. No centro desta visão está a capacitação da próxima geração – os jovens, em particular as jovens mulheres e as meninas adolescentes – como catalisadores de uma mudança duradoura.

Este ano assinala-se os 30 anos da Declaração e da Plataforma de Ação de Pequim e os 50 anos da 1ª. Conferência sobre as Mulheres que se realizou no México em 1975.

A ideia de uma comemoração anual surgiu depois que o Partido Socialista da América organizou o Dia das Mulheres, em 20 de fevereiro de 1909, em Nova Iorque – uma jornada de manifestação pela igualdade de direitos civis e em favor do voto feminino. 

Durante as conferências de mulheres da Internacional Socialista, em Copenhague, 1910, foi sugerido, por Clara Zetkin, que o Dia das Mulheres passasse a ser celebrado todos os anos, sem que, no entanto, fosse definida uma data específica. A partir de 1913, as mulheres russas passaram a celebrar a data com manifestações realizadas no último domingo de fevereiro.

Em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro, no calendário juliano), ainda na Rússia Imperial, organizou-se uma grande passeata de mulheres, em protesto contra a carestia, o desemprego e a deterioração geral das condições de vida no país. Nos anos seguintes, o Dia das Mulheres passou a ser comemorado naquela mesma data, pelo movimento socialista, na Rússia e em países do bloco soviético.

Em 1975, a ONU começou a celebrar este dia a 8 de março mas só a 16 de dezembro de 1977 é que viria a ser oficialmente reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas, através da Resolução 32/142.

Atualmente a data é comemorada em mais de 100 países.

Nem sempre nos encontramos com predisposição para escrever. Ou por falta de inspiração ou de tema. Sobre a Mulher já escrevi diversos artigos em várias publicações, receando vir a reescrever parte do que tornei público. Num olhar pelo rol de alguns dos meus escritos, vieram-me à mão os títulos: “As Mais Bonitas”, in Revista da APAE Campos Melo, em 26 de junho de 2004; “A Mulher na Sociedade Covilhanense”, in Notícias da Covilhã, de 10 de abril de 2008; “O Reino das Mulheres”, in Notícias da Covilhã e Jornal do Fundão, respetivamente de 13 e 14 de junho de 2012; “A Sanção e o Sansão”, in Jornal Fórum Covilhã, de 12 de julho de 2016; “O Feminismo”, in Jornal Fórum Covilhã, de 14 de março de 2017; “A Mulher – Quando o sonho se torna uma realidade”, in Jornal “Fórum Covilhã”, de 11 de agosto de 2021; “A Rainha e o novo Rei”, in “O Olhanense”, de 15 de setembro de 2022.

Na minha vivência até aos 79 anos, dou graças a Deus por ter tido a felicidades de assistir a muito da transformação positiva na mulher. Tudo se deve à vontade indómita dela própria. Ela que foi massacrada desde os tempos bíblicos, passando por mundos velhos de mentalidade, até aos dias de hoje. E não é preciso ir longe, basta ver o tratamento ultrajante dos países muçulmanos, e não só. A escravatura foi também um terror.

O nosso país, de brandos costumes, jamais ficou livre na sua culpabilidade de tratar mal a mulher. Na ditadura, deixava para a mulher o papel mais indigno, passando ao lado da revolução sexual e de costumes que marcaram a década de 1960. E hoje? A violência doméstica grassa cada vez mais.

Mas não é tudo mau. Várias instituições cada vez mais homenageiam a mulher na sua ação em vários setores da sociedade. Não podemos esquecer a sua peculiar e forte ação na envolvente solidária, onde são dotadas dum especial carinho. Sem esquecer o seu papel de mãe e avó.

De grandes mulheres que foram esposas de nossos conterrâneos, como o médico e ativista republicano, Januário Barreto, de Aldeia do Souto, do concelho da Covilhã, conta-se o nome da médica Carolina Beatriz Ângelo, natural da Guarda, que foi a primeira eleitora portuguesa, estando associada à fundação das primeiras organizações de mulheres que, em Portugal, lutarem pelos seus direitos civis e políticos. Foi a única a exercer o direito de voto durante a I República, numa persistente batalha jurídica. Fundou a Associação de Propaganda Feminista, aproveitando-se do lapso de a lei não referir o género e, na sua condição de viúva do nosso conterrâneo, com filhos a seu cargo, e como médica, foi às urnas exercer o seu direito, em 28 de maio de 1911, para a Assembleia Nacional Constituinte. A brecha na lei definia como eleitores os cidadãos que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família. Um ano depois, a lei foi revista para “cidadãos do sexo masculino” e as mulheres em Portugal só puderam votar e ir às urnas depois do 25 de abril de 1974.

A Assembleia da República evocou os 50 anos da universalização do direito das mulheres ao voto.


João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-03-2025)