Em meados do século XVI, Portugal
vivia o auge das grandes viagens e da expansão missionária.
Em 1570, um grupo de 40
missionários jesuítas, liderados por Inácio de Azevedo, partiu de Lisboa rumo
ao Brasil com o propósito de evangelizar as novas terras. Jovens de várias
origens e profissões – estudantes, artesãos, músicos e trabalhadores – formavam
aquela que foi a maior expedição missionária jamais enviada por Portugal.
Depois de meses de preparação na
Quinta do Val do Rosal, na Charneca da Caparica, a 5 de junho de 1570 embarcaram
na nau Santiago. Ao largo das Canárias, a 15 de julho de 1570, foram atacados
por corsários franceses comandados por Jacques Soria, um calvinista ao serviço
da rainha de Navarra. Recusando renegar a fé, os jesuítas foram assassinados e
lançados ao mar, entoando cânticos e orações.
Entre eles encontrava-se
Francisco Álvares, natural da Covilhã. Estavam então reunidos os 40
companheiros na nau Santiago.
A 5 de junho do ano de 1570, a
armada deixou a barra de Lisboa, rumo ao imenso oceano, que era a estrada que
os deveria levar ao Brasil. Levaram sete dias até chegarem à Ilha da Madeira.
Naquele sábado, 15 de julho de
1570, do promissor grupo de 40 missionários, que o padre Inácio de Azevedo
preparara tão esforçadamente para evangelizar os territórios do imenso Brasil,
só mesmo escapara à morte o irmão João Sanches, que haveria de ser a testemunha
do martírio dos 40 companheiros.
Os Mártires
Um cardador que
sonhou ser missionário
ÁLVARES, irmão auxiliar,
Francisco – português, nascido na Covilhã em 1539, tendo entrado para a
Companhia em 1554, em Évora. Era por ofício cardador. A cidade era um dos
grandes centros da indústria de lanifícios portuguesa. Dedicava-se à cardação,
um ofício modesto, mas essencial, símbolo do esforço e da dignidade do trabalho,
partilhando a vida simples e laboriosa dos operários têxteis da sua terra.
Homem de fé viva e carácter humilde, sentiu o chamamento de Deus e decidiu
consagrar-se à vida religiosa, ingressando na Companhia de Jesus como irmão
coadjutor – um dos jesuítas leigos que apoiavam as missões com o trabalho manual
e o testemunho de vida. O seu destino
cruzou-se com o padre Inácio de Azevedo, visitador das missões jesuítas no
Brasil, que regressara a Portugal para recrutar novos missionários. Francisco
Álvares respondeu ao apelo e
alistou-se na expedição missionária, integrando o grupo dos “companheiros do
Brasil”, que partiria de Lisboa em 1570.
O martírio em
alto-mar
A viagem decorreu sob ameaça
constante. As rotas atlânticas eram frequentadas por corsários e piratas,
muitos deles a soldo das potências protestantes que viam nos jesuítas inimigos
da sua causa.
A 15 de julho de 1570, quando a
nau Santiago, comandada por Inácio de Azevedo, navegava ao largo da ilha de La
Palma, nas Canárias, foi atacada por corsários franceses sob o comando de
Jacques Soria, um calvinista feroz.
Os jesuítas recusaram renegar a fé
católica. Um a um, foram mortos e lançados ao mar – alguns ainda com vida –
entoando cânticos e orações.
O covilhanense Francisco Álvares
foi lançado vivo ao mar.
Os restantes
companheiros
ADAUTO, irmão, João – português,
de Entre Douro e Minho, sobrinho do capitão da nau Santiago, foi confundido com
os jesuítas, mas aceitou o martírio por desejar entrar para a Companhia. Foi
lançado vivo ao mar.
ÁLVARES, irmão auxiliar, Gaspar –
português, do Porto. Apunhalado, foi lançado vivo ao mar.
ÁLVARES, irmão auxiliar, Manuel –
português, de Extremoz, nasceu em 1536 e entrou para a Companhia em 1559, em
Évora. Era pastor de ofício. Foi lançado vivo ao mar.
ANDRADE, padre Diogo de – português,
de Pedrógão Grande, nasceu em 1531 e entrou para a Companhia em 1558, em
Coimbra. Foi soto-ministro no Colégio de Coimbra e depois no de Santo Antão, em
Lisboa. Exercia o ofício de ministro. Foi apunhalado e lançado ainda vivo ao
mar.
AZEVEDO, padre Inácio de – português,
do Porto, nasceu em 1526 e entrou para a Companhia em 1548, em Coimbra. Foi
Visitador do Brasil e o mentor do grupo de missionários que levava como
Provincial do Brasil, nomeado pelo Padre Geral.
BAENA, irmão auxiliar, Afonse de
– espanhol, de Villalobas (Toledo), nasceu em 1539 e entrou para a Companhia em
1567. Era de profissão ourives e foi lançado vivo ao mar.
CALDEIRA, irmão estudante, Marcos
– português, de Santa Maria da Feira, nasceu em 1547 e entrou para a Companhia
em 1569. Foi lançado vivo ao mar.
CASTRO, irmão estudante, Bento de
– português, de Chacim (Macedo de Cavaleiros), nasceu em 1543 e entrou para a
Companhia em 1561, em Lisboa. Em 1569, estudava filosofia em Coimbra. Era
Mestre de noviços e encarregado da catequese. Ferido com tiros e punhaladas,
foi lançado ainda vivo ao mar, sendo o primeiro mártir.
CORREIA, irmão estudante, António
– português, do Porto, nasceu em 1553 e entrou para a Companhia em 1569. Estava
em oração, quando recebeu violenta estocada na cabeça e foi lançado vivo ao
mar.
CORREIA, irmão estudante, Luís – português,
de Évora. Foi lançado vivo ao mar.
COSTA, irmão auxiliar, Simão da –
português, do Porto, terá nascido por volta de 1551 e entrou para a Companhia
pouco antes da viagem. Por ser noviço, ainda não trazia o hábito, no que foi
tomado por filho de comerciante. Levado à presença de Sória, confirmou ser
missionário, foi degolado e o seu corpo lançado ao mar a 16 de julho.
DELGADO, irmão estudante, Aleixo
– português, de Elvas, nasceu em 1555 e entrou para a Companhia em 1569, em
Évora. Era excelente cantor e o mais jovem dos mártires. Foi lançado vivo ao
mar.
DINIS, irmão estudante, Nicolau –
Português de Bragança, nasceu em 1553 e entrou para a Companhia em 1570, em Val
de Rosal. Tinha boa arte para representar. Foi lançado vivo ao mar.
ESCRIBANO, irmão auxiliar,
Gregório – espanhol, de Viguera (Logroño). Foi lançado vivo ao mar.
FERNANDES, irmão auxiliar,
António – português, de Montemor-o-Novo, nasceu em 1552 e entrou para a
Companhia em 1570. Em Val de Rosal, era chefe de oficina de carpintaria. Foi
apunhalado e lançado vivo ao mar.
FERNANDES, irmão auxiliar,
Domingos – português, de Borba, nasceu em 1551 e entrou para a Companhia em
1567, em Évora. Foi trespassado com uma lança e ainda vivo lançado ao mar.
FERNANDES, irmão estudante, João
– português, de Braga, nasceu em 1547 e entrou para a Companhia em 1569, em
Coimbra. Foi lançado vivo ao mar.
FERNANDES, irmão estudante, João
– português, de Lisboa, nasceu em 1551 e entrou para a Companhia em 1568, em
Coimbra. Foi lançado vivo ao mar.
FERNANDES, irmão auxiliar, Manuel
– português, de Celorico da Beira. Foi lançado vivo ao mar.
FONTOURA, irmão auxiliar, Pedro
de – português, de Chaves. Estando em oração, recebeu uma cutilada no rosto que
lhe cortou a língua, sendo depois lançado ao mar.
GONÇALVES, irmão estudante, André
– português, de Viana d o Alentejo, tinha estudado na universidade de Évora.
Foi lançado ao mar depois de apunhalado.
GODOY, irmão estudante, Francisco Pérez – espanhol. De
Torrijos (Toledo), nasceu em 1540 e entrou para a Companhia em 1569. Era
parente de Santa Teresa de Jesus (de Ávila). Bacharel em cânones pela
Universidade de Salamanca, sabia música e tocava vários instrumentos.
Apunhalado, foi lançado ainda vivo ao mar.
HENRIQUES, irmão estudante, Gonçalo – português, do Porto,
era diácono. Foi lançado ao mar.
LOPES, irmão estudante, Simão – português, de Ourém, entrou
para a Companhia durante a viagem. Foi lançado vivo ao mar.
MAGALHÃES, irmão estudante,
Francisco de – português, de Alcácer do Sal, nasceu em 1549 e entrou para a
Companhia em 1568, em Évora. Tinha aptidão para bom administrador e excelente
voz de tenor. Foi lançado vivo ao mar.
MAIORGA, irmão auxiliar, João – espanhol,
de S. Jean Pied de Port (na época do domínio de Navarra), nasceu em 1533 e
entrou para a Companhia em 1568. Era pintor de ofício. Foi lançado vivo ao mar.
MARTIM, irmão estudante, João de São
– espanhol, de Yuncos (Toledo), nasceu em 1550 e entrou para a Companhia em
1570, em Évora, quando estudava na Universidade de Alcalá. Foi ferido e lançado
vivo ao mar.
MENDES, irmão estudante, Álvaro –
português, de Elvas, era excelente cantor. Foi lançado vivo ao mar.
NUNES, irmão estudante, Pedro – português,
de Fronteira. Foi lançado vivo ao mar.
PACHECO, irmão estudante, Manuel –
português, de Ceuta. Foi lançado vivo ao mar.
PIRES (Mimoso), irmão estudante,
Diogo – português, de Nisa, frequentou o curso de filosofia na Universidade de
Évora. Foi trespassado com uma lança e o seu corpo deitado ao mar.
RIBEIRO, irmão auxiliar, Brás – português,
de Braga, nasceu em 1546 e entrou para a Companhia em 1569, no Porto. Estando
recolhido a rezar, foi morto com uma cutilada na cabeça e o seu corpo lançado
ao mar.
RODRIGUES, irmão estudante, Luís –
português, de Évora, nasceu em 1554 e entrou para a Companhia em 1570, em Évora.
Foi lançado vivo ao mar.
RODRIGUES, irmão estudante,
Manuel – português, de Alcochete. Foi lançado vivo ao mar.
SANCHES, irmão estudante, Fernando – espanhol, de
Castela-a-Velha, foi estudante em Salamanca. Foi lançado vivo ao mar.
SOARES, irmão estudante, António
– português, de Trancoso, entrou para a Companhia em 1565, em Évora, onde
passou todo o noviciado. Serviu como cozinheiro e enfermeiro e assumiu na nau o
ofício de soto-ministro. Foi apunhalado e lançado vivo ao mar.
VAZ, irmão auxiliar, Amaro – português,
de Benfazer (Marco de Canavezes), nasceu em 1553 e entrou para a Companhia em
1569, no Porto. Foi lançado vivo ao mar, depois do seu corpo ser atravessado
com punhaladas.
ZAFRA, irmão auxiliar, João de – espanhol,
de Jérez (Badajoz), entrou para a Companhia em 1570, em Évora. Foi lançado vivo
ao mar.
ZUDAIRE, irmão auxiliar, Estêvão –
espanhol, de Zudaire (Navarra). Tinha o ofício de bordador. Foi lançado vivo ao
mar.
Os 40 missionários ficaram
conhecidos como Mártires do Brasil. O Papa Pio IX proclamou-os beatos a 11 de
maio de 1854, e São João Paulo II recordou-os solenemente no Jubileu do Ano
2000, confirmando o seu culto.
A memória destes jovens, que
partiram com ardor apostólico e encontraram a morte no mar, é símbolo da
coragem e da fé que animaram a primeira geração missionária portuguesa. Entre
eles, o humilde cardador da Covilhã, Francisco Álvares, eleva o nome da sua
terra como exemplo de fidelidade, serviço e entrega total a Deus.
Fontes: Os 40 Mártires o Brasil, de Eduardo Kol de
Carvalho, Wikipédia, Biblioteca- Arquivo Municipal da Covilhã.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 01-11-2025)


















