Não é fácil falar sobre uma
personalidade covilhanense por quem tive grande amizade e que nos compreendíamos pela envolvente cultural que nos tocava, tantas vezes no
caminho da nossa Terra-Mãe.
Maria Ivone
Manteigueiro, que nasceu na Covilhã em 27 de Fevereiro de 1936, desde muito
jovem, e ainda na adolescência, se evidenciava, na Covilhã, no âmbito cultural, pelas excelsas qualidades que
possuía e lhe fervilhavam da sua jovialidade, num encontro do saber e do saber
fazer, de tal forma que a Covilhã, após a década de cinquenta do século XX, já
era uma cidade pequena para ela.
Com 9 ou 10 anos fez a sua estreia no
teatro – no teatrinho do salão
paroquial de S. Pedro,
como lhe chamava – e, mais tarde, ensaiou as primeiras pequenas peças de teatro
que, entretanto, ia escrevendo, nos
seus 13 anos.
O ensino
na Covilhã, e no País, não tinha a
evolução dos tempos de hoje – e o que era isso de novas
tecnologias? – e, assim, o nosso Liceu só tinha o 1.º ciclo, à altura. Como
Maria Ivone queria muito mais, e até
mesmo por um impulso familiar, optou pela Escola Industrial, onde o ensino se prolongava até ao 5º. ano
industrial, e aí prosseguiu os seus estudos até que já no
4.º ano industrial, o então dinâmico
director da Escola,
Eng.º Ernesto de Melo e Castro, conseguiu que na Escola
fosse também criado o Curso Comercial. Aconselhou a jovem aluna a mudar de curso, a qual sobressaía pelo seu
valor académico. E ei-la a ser a aluna
mais distinta da Escola e a ganhar prémios entre os quais a de ter sido a 1ª classificada
dos Cursos de “Formação Geral do Comércio” e “Complementar do Comércio”.
Mais tarde viria a completar os
cursos do Instituto Britânico e Alliance Française, assim como a diplomar-se em
estenografia portuguesa, francesa e
inglesa.
E é já na sua actividade
profissional ao serviço da ex-Sacor e depois Petrogal, como Secretária do
Conselho de Administração que frequentou um curso internacional além de outros
de informática e técnicas de secretariado.
Mas, voltando à sua juventude, na
Covilhã, as peças de teatro e autos de Natal, que escrevia, foram por si
representadas na Escola Industrial e Comercial Campos Melo e no já referido teatrinho do Salão Paroquial de São Pedro, mas também
contos e poemas que viriam a ser publicados em diversos jornais e revistas,
tendo ganho quatro primeiros prémios em contos, e uma menção honrosa em Poesia
Lírica no I Concurso Literário da
ex-Sacor.
Com guião e direcção do Padre
José Domingues Carreto, foi a protagonista do filme “Dois Caminhos”, que
relatava a luta de uma jovem operária, militante da JOCF, na defesa da mulher no mundo do trabalho, tinha Maria Ivone 15 anos.
As gentes mais antigas poder-se-ão
recordar do retumbante êxito de
Maria Ivone na
festa de finalistas de 1955/56, na representação de “Auto da Alma, Todo o Mundo
e Ninguém” e “Súplica de Cananeia”.
Mas já antes, em 1952/53, no ressurgimento do Orfeão da Covilhã, começou a
fazer parte do grupo de teatro. Declamava entre a 1.ª e a 2.ª partes da
actuação do Orfeão. Foi criado o grupo folclórico que levou o folclore beirão a
vários pontos do País, onde Maria Ivone
fazia o papel de “Covilhã”, apresentando e explicando os números que o grupo
exibia e declamando também.
Em 1954, aquando da inauguração
do Teatro-Cine da Covilhã pela Companhia de Teatro Nacional Amélia Rey Colaço –
Robles Monteiro, Maria Ivone
representou um monólogo de Alice Ogando, tendo o casal de actores ficado muito
agradado, o que proporcionou lhe abrirem as portas do Teatro Nacional,
oportunidade que não pôde concretizar.
Mas, com estes seus dotes de
mulher multifacetada, colaborou em concertos da “Pró-Arte”, dizendo poemas
ilustrativos de diversos andamentos de Sinfonias de Beethoven.
No cinquentenário do Monumento de
NosNeves e de Maria Alberta
Menéres, na sessão solene, a que presidiu o Núncio Apostólico em Portugal, Cardeal D.
Fernando Cento.
sa Senhora da Conceição, na Covilhã, declamou poemas do Padre Moreira das
Com o pseudónimo de Ivone Beirão, em 1959 pertenceu ao Centro de
Preparação de Artistas da Rádio. Gravou programas nos
estúdios da Emissora Nacional, na Rua do Quelhas, e estreou-se num Serão para
Trabalhadores, no Pavilhão dos
Desportos, no Parque Eduardo VII.
Nessa altura teve também lições de arte de dizer.
Entretanto, ia escrevendo, tendo
publicado quatro livros (entre os 20 e os 23 anos),
dum mercado específico da Agência Portuguesa de Revistas que tinha aberto uma
porta a “Novos Escritores Portugueses” – “Linhas Trocadas”, “Amor Cigano (1.ª e 2.ª edição)”, “Humilhação de Amor” e “Uma
Mulher Moderna” – os romances; e, já mais recentemente, “Livro da Dor e da Esperança”, em poesia,
apresentado no Salão Nobre da Câmara Municipal da Covilhã.
Escreveu também largas dezenas de
contos e crónicas que foram publicadas em revistas e muitos jornais, como já
referi. Foi colaboradora da Crónica
Feminina, nos seu anos de ouro, de 1957 a 1982, com uma página
semanal (conto ou crónica).
Também foi colaboradora do jornal
“Poetas e Trovadores” e participou em 12 Antologias da Associação Portuguesa de
Poetas.
As suas biografia e bibliografias
estão incluídas em vários livros.
Em 02.10.1961, Maria Ivone casou com Victor Vairinho e foi para Lisboa,
empregando-se na Sacor. Passou a ser então a Maria Ivone
Manteigueiro Vairinho.
Em 1966 fez parte do “Teatro do Pessoal
da Sacor”, tendo depois realizado Serões Culturais Vicentinos. Colaborou em diversos Saraus de Poesia, sempre
a poesia…
A convite da ex-FNAT, representou
no Teatro da Trindade, em Lisboa; no Luísa Tody, em Setúbal; e nas instalações da
ex-Sacor em Lisboa,
Cabo Ruivo e Faro.
Continuou a escrever os seus
contos mas teve uma excelente proposta para fazer traduções de Francês, Inglês
e Espanhol, e, por isso, não voltou a publicar mais romances originais. Tem
várias dezenas de livros traduzidos de Espanhol, Francês e Inglês (entre eles a
série Dallas, da Televisão, e Robinson Crusoe, editadas pela Agência Portuguesa
de Revistas e Circulo de Leitores).
Na Biblioteca Nacional (Base
Nacional de Dados Bibliográficos) tem registados em seu nome
239 livros (traduções e originais).
Reformando-se aos 56 anos, recomeçou as suas actividades literárias e
artísticas e é então que começa a escrever poemas.
Foi ao auditório da RTP onde
declamou e recebeu uma proposta para fazer parte da Associação de Poetas
Portugueses (APP).
Proferiu diversas palestras e
conferências, em vários locais do País.
Foi Presidente da Direcção da
Associação Portuguesa de Poetas e Directora do seu Boletim.
Desde 2001 que Maria Ivone dava
aulas de “Ler…e Dizer – Oito Séculos de Literatura Portuguesa/Poesia”, na
Universidade Sénior de Oeiras.
Era sócia da Associação
Portuguesa de Poetas, Associação Portuguesa de Escritores e Sociedade
Portuguesa de Autores.
Mas…poderão perguntar alguns das
gerações mais novas, ou, outros, do
seu tempo, menos interessados pelo
fenómeno cultural: quem era Maria Ivone que aqui se narra?
Maria Ivone
Manteigueiro, como era conhecida, e, depois, Vairinho pelo casamento, era a mais nova
de três irmãos: Armanda e Francisco
Manteigueiro, que foi velha glória do Sporting da Covilhã e também meu bom
amigo. Quis Deus que o Francisco deixasse o mundo dos vivos em 9 de Novembro de
2011 e aguardasse pela companhia de sua querida irmã, volvidos pouco mais que
dez meses, em 7 de Setembro de 2012.
A Maria Ivone
era uma pessoa de raras qualidades, humilde, sem dar nas vistas, orgulhosa da
sua Covilhã, amiga do seu amigo, de grande sabedoria que com facilidade
assimilava e se reflectia na sua pessoa como mulher multifacetada. Depois,
acabaria na sua grande paixão – a poesia, depois do teatro.
Mas isto é o suficiente para tão
grande reconhecimento de mulher covilhanense?
Maria Ivone
Manteigueiro Vairinho tinha na sua alma a Covilhã, sempre a Covilhã e as coisas
lindas desta cidade maravilhosa!
É que, vivendo mais de meio
século na cidade alfacinha, a sua voz, transcrita para o papel e para a
declamação, em vários pontos da cidade lisboeta, transmitia na sua alma a
Terra-Mãe que a viu nascer – a sua Covilhã, como a conheceu e a ia vendo transformar-se.
Os covilhanenses não se aperceberam!
|
Adicionar legenda |
Houve várias ocasiões em vida, na
Covilhã, que foram merecedoras do seu
reconhecimento público, mas tal não aconteceu, tendo sido como que votada ao ostracismo. Mas, na outra
cidade onde vivia – Lisboa, e também Oeiras
– Maria Ivone foi merecedora do
reconhecimento dos seus méritos, tantas vezes aclamada no
dizer das suas poesias, quando antes o fôra também na parte teatral.
Sabia ela que este seu amigo era
ainda o que ia dando conhecimento público, na comunicação social, do valor da
sua pessoa, e das suas obras, tendo a oportunidade de o fazer por várias
ocasiões.
Por isso, me passou a enviar o
Boletim Trimestral Informativo e Cultural da Associação Portuguesa de Poetas, à
qual presidia. Guardo-os ainda religiosamente, para saborear, de quando em vez,
as suas poesias, muitas delas declamadas em locais como no
Centro Cultural de Belém e no
Mosteiro dos Jerónimos, onde seria a sua última homenagem, já fora do mundo dos
vivos.
E que doce a leitura dos seus
versos, ora em redor da sua família, mormente a mãe, ora noutras
direcções do seu pensamento de covilhanense de raiz. Respigo alguns títulos da
sua vasta obra: O Menino Jesus e as Crianças; Noémia; Os olhos das
crianças; Lua Branca em Céu Azul (sobre a Covilhã); Tecelão da Covilhã; 25 de
Abril; Olhos secos de dor; Árvore da Vida (sobre a Covilhã e a família); A
Matança dos Inocentes; Meu Canto de
Cisne.
Em 1 de Março de 2008, as suas
amigas e amigos poetas, homenagearam a Presidente da Direcção da APP:
“Com a Lira no coração
faz da ética o seu bordão.
Tem uma chama sempre acesa
na sua alma poética
e na sua forma de amar
a nossa Língua Portuguesa”.
E, a poetisa Virgínia Branco,
tesoureira da Associação Portuguesa de Poetas, referia-se assim a Maria Ivone Vairinho:
“Encontro-me hoje e aqui a
prestar homenagem à grande amiga que muito prezo, à Professora, à Tradutora, à
Escritora, à Conferencista, à Poetisa e Declamadora, mas acima de tudo à Digma
Presidente da Associação Portuguesa de Poetas, nau que tão dignamente tem
sabido levar a bom porto, servindo-a sem nunca se servir.
Para Maria Ivone
não há dia ou noite, apenas conhece
trabalhos a apresentar e prazos a cumprir, pois é dotada de grande carácter e
firmeza, pessoa de uma só palavra.
Maria Ivone
Vairinho é um Ìcone da cultura portuguesa, possuidora ela própria de uma vasta
cultura é há muito um grande vulto nas Letras e na Poesia”.
O meu preito de gratidão à Maria Ivone, pela grande amizade que teve para comigo, que
é, como dizer, para com a nossa
Terra-Mãe – a Covilhã, e que lá dos céus possa gozar a plenitude da glória que
sempre mereceu.
À família, mormente ao meu
especial amigo Victor Vairinho, e à Mané, a certeza de que hoje, dia 20 de
Outubro de 2014, no Salão Nobre da Câmara Municipal da Covilhã, é prestada a
homenagem, há muito devida, à vossa mui amada esposa e mãe – a Maria Ivone, com
a atribuição da Medalha de Mérito Municipal – Classe Prata, a título póstumo!
João de Jesus Nunes