29 de dezembro de 2016

COMO GERINGONÇA DOURADA (CGD)

Naquele tempo estávamos nos primeiros anos da década de sessenta do século passado. Como habitualmente, minutos antes das nove, aguardávamos que se aproximassem as horas para início do trabalho. Daí também o encontro com alguns dos colegas administrativos, debaixo das arcadas da Câmara Municipal, junto à porta da então Repartição Técnica, mais tarde designada Serviço de Obras e Urbanização. Um pouco de conversa matinal, o puxar de um cigarro, e o deleite num arregalar os olhos pelas jovens que também passavam, de caminhar ligeiro, para o emprego, Escola Industrial, Liceu ou Colégio Moderno; algumas, antigas colegas. E um ou outro amigo que subia as escadas para a Repartição de Finanças, sediadas um pouco mais acima.
O Fernando Pedrosa Gonçalves, jovem como eu (ainda nem sequer tínhamos sido chamados para o serviço militar) mostra-me uma caderneta da Caixa Geral de Depósitos (CGD) depois de ter aberto a sua primeira conta bancária. Como é que isso se faz? Perguntei-lhe. E, não é que, a partir daí, passei também a ser cliente da CGD Crédito e Previdência, como na altura se designava… Ala! Que já são horas! E lá subimos as escadarias do Município, cada um para a sua secção: eu para a “Contabilidade”; ele para as “Contribuições e Impostos”.
Rios de tinta têm passado pelos jornais, e o barulhar das águas pelas televisões e nas redes sociais, sobre o processo pelo qual a CGD tem passado. Ele já vem desde que a crise financeira internacional mostrou a nudez de todos os defeitos da forma de ter um banco público no nosso País. É que ele navega ao sabor dos ventos que sopram das interferências políticas da cor do partido da altura. Mostra-se assim uma péssima displicência gerencial.
O já enfadonho caso da administração da CGD, com contratação e renúncia posterior de António Domingues para a sua presidência, é de bradar aos céus. É deveras incompreensível a conduta deste homem da breve liderança, aceitando a gestão dum banco público com a exigência de um estatuto especialíssimo, obviamente diferente ao de outros detentores de cargos públicos como os gestores públicos, exigindo a omissão do seu património. Mas a que pretexto?
Não nos podemos esquecer que a CGD tem estado envolvida nos grandes escândalos do regime, com o locupletar de figuras sobejamente conhecidas.
Já surge na perplexidade de muitas mentes a pergunta anónima e sentida porque é que a CGD tem que ter sempre como presidente uma figura externa ou então um apaniguado que se move à volta do poder? Não seria mais apropriado, é a minha opinião, encontrar, como agora foi o caso de Paulo Macedo, um gestor de méritos e créditos firmados? E até, porque não, mesmo a conveniência de convidar uma figura dentro dos trabalhadores da CGD? Onde está a motivação para esses trabalhadores se empenharem verdadeiramente a darem o melhor de si, até à exaustão, se caso fosse necessário?
Será que o vencimento que o Presidente da CGD – uma instituição pública – dizem que vai receber de 423 mil euros anuais (igual ao que iria receber António Domingues) não é uma grande humilhação para o grande exército de trabalhadores portugueses a ganhar o salário mínimo como o que se paga em Portugal?
O que foi ontem, o que é hoje, não sabemos o que será amanhã a CGD!... De uma casa que foi de grande confiança no passado por ser um banco do Estado, consequentemente pensando-se ser a garantia das poupanças e dos empréstimos, mormente da habitação, dos portugueses de boas intenções, passou hoje a ser uma autêntica geringonça dourada para ainda muitos dos que a vão tentar direcionar para águas mais tranquilas destes ventos agitados, quais passagens do Cabo das Tormentas que depois foi batizado de Boa Esperança pelos nossos descobridores do século XV.
E mais, a comissão executiva da CGD irá custar em salários cerca de 2.465 milhões de euros brutos por ano, é o que consta.
A Caixa deveria ser 100% pública, muito forte e ter uma missão bem definida: regulador do mercado; fazer mudar de intenção os abusos na banca privada (já que o Banco de Portugal, como regulador, é tantas vezes inerte) e financiadora da economia real, que, em boa verdade, não são as grandes empresas mas sim as PME e as microempresas que são aquelas que geram 90% do emprego em Portugal. Claramente que não é arruinar crédito, mas sim dar crédito a empresas de grande viabilidade com projetos sérios e com possibilidade forte de serem conseguidos, atribuindo-se-lhes esse crédito à medida que se vai vendo a sua aplicação na empresa. Obviamente que também haveria a necessidade da concessão de crédito a particulares em condições acessíveis e exigentes ajudando assim a classe média a cimentar-se.
Não é a CGD que mantém o grosso do número de clientes nos funcionários públicos deste País, e os reformados? Então, com uma boa gestão certamente a CGD tem a obrigação de ser altamente rentável.
Neste ano prestes a terminar, e agora que há uma nova liderança nesta instituição, haja a esperança de se dar a volta ao texto, como sói dizer-se, e os líderes, que têm salários dourados, sintam a obrigação de transmitir rápida confiança à população portuguesa, e aos emigrantes, que sempre viram na Caixa uma entidade credível, com aquela garantia de estabilidade e de proteção para as poupanças de uma vida, cujo património se transformou na tal geringonça nas últimas duas décadas.
O espaço não permite mais narrativas, ainda que muito houvesse a dizer, pelo que vamos ficar por aqui.

Desejamos a todos os leitores e suas famílias um Santo Natal e um Feliz Ano 2017.

(In "Notícias da Covilhã", de 29-12-2016)

22 de dezembro de 2016

LINHA DA FRENTE

Mais um ano vai chegar ao fim, nesta 2ª década, do século XXI, do terceiro milénio d. C.
Neste século em que ainda nos vamos mantendo, nesta vida passageira, muitos acontecimentos foram e vão surgindo, entre ventos e marés, no planeta e no meio onde vivemos.
Não podemos deixar de salientar, nos cinco Continentes (excetuando a Oceania), os principais acontecimentos que transformaram o mundo nestas duas primeiras décadas deste século, começando logo em 2001, com os ataques terroristas de 11 de setembro, na América; a Guerra do Afeganistão, no mesmo ano, na Ásia; e, também neste Continente, em 2003, a Guerra do Iraque. Iria surgir a Crise da dívida pública, em 2010, na Europa; e, neste mesmo Continente, já em 2015, a grave Crise migratória, quando, em 2011, na África, havia surgido uma ligeira esperança com a Primavera Árabe, mas que, paradoxalmente, se transformaria rapidamente num Inferno.
Mas voltemo-nos para o nosso Portugal – o melhor País do Mundo – à beira-mar plantado neste retângulo da costa mais ocidental da Europa, como aprendemos nos livros da Primária.
Sempre fomos um país sofredor desde os tempos imemoriais da nossa história, mas sempre soubemos aventurar-nos com as conquistas e descobertas quando já não havia mais para conquistar. Mas continuando no sofrimento, aí nos espevitámos contra a opressão, por várias vezes, fosse em 1640 ou depois em 25 de Abril de 1974. Mesmo assim, tiveram os militares portugueses que enfrentar a Primeira Grande Guerra (1914/18), lamentavelmente sem qualquer preparação para este acontecimento bélico, de grande mortandade; e, depois, também onde a preparação muito deixou a desejar, nas chamadas guerras subversiva das antigas Colónias, onde muito de nós, na nossa juventude, fomos carne para canhão, no pendor dos senhores da governação ditatorial de então, cujas feridas em muitos ainda se mantêm, ainda que mais não sejam pelo stress pós-traumático, doença que também afetou as famílias.
Chega a vez da Liga dos Combatentes, sob a tutela do Ministério da Defesa Nacional, com os seus vários núcleos diversificados pelo País fora, que, nos seus objetivos se define por promover a exaltação do amor à Pátria e a divulgação, em especial entre os jovens, do significado dos símbolos nacionais, bem como a defesa intransigente dos valores morais e históricos de Portugal; promover o prestígio de Portugal, designadamente através de ações de intercâmbio com associações congéneres estrangeiras; promover a proteção e auxílio mútuo e a defesa dos legítimos interesses espirituais, morais e materiais dos sócios; cooperar com os órgãos de soberania e da Administração Pública com vista à realização dos seus objetivos, nomeadamente no que respeita à adoção de medidas de assistência e situações de carência económica dos associados e de recompensa daqueles a quem a Pátria deva distinguir por atos ou feitos relevantes praticados ao seu serviço; e criar, manter e desenvolver departamentos ou estabelecimentos de ensino, cultura, trabalho e solidariedade social em benefício geral do País e direto dos seus associados.
Já na parte que concerne aos sócios, eles podem ser sócios combatentes, sócios efetivos, sócios extraordinários, sócios honorários, sócios beneméritos, e sócios apoiantes.
Como podem verificar, não é vedada a qualidade sócio a quem não foi antigo combatente, e, como tal, possui a faculdade de integrar o Núcleo da Liga dos Combatentes, nas restantes hipóteses de admissão, a saber: são sócios efetivos os cidadãos que prestem ou tenham prestado serviço nas Forças Armadas Portuguesas, mas que não preencham as condições referidas no número anterior (ou seja, de “sócios combatentes”); são sócios extraordinários os cônjuges, os cônjuges sobrevivos e os ascendentes e descendentes até ao 2.º grau dos sócios combatentes e dos sócios efetivos; são sócios apoiantes as pessoas singulares ou coletivas, nacionais ou estrangeiras, que apoiem de forma regular com donativos ou quotização os núcleos em que estejam filiados.
E é nesta vertente que convidamos, neste Natal de 2016, para que venham engrossar o número dos associados deste Núcleo da Liga dos Combatentes da Covilhã. Recordamos que, neste mesmo ano, lhe foi atribuída a Medalha de Mérito Municipal - Grau Prata, pela edilidade covilhanense.
A dinâmica duma instituição vale pelo que são os seus obreiros, desde as atividades desenvolvidas em prol dos seus associados e no âmbito dos seus estatutos, à transparência dos seus atos, os quais estarão sempre na linha da frente nas Assembleias do Núcleo, o que só assim se pode enquadrar no título deste editorial. Que todos sejam fortes participantes na próxima Assembleia do Núcleo a realizar em 2017.
Vamos comemorar o Natal de 2016 junto das nossas Famílias, na fé dos Combatentes, tendo ou não integrado os contingentes do Ultramar, nas memórias de quantos passaram o Natal em vários momentos, alguns nos navios que os transportavam a caminho das Colónias; outros que nem sequer tinham hipótese de receber uma carta da família porque os seus familiares não sabiam escrever; e outros ainda, que se sentiam sofredores ao ver os seus camaradas lerem as cartas ou aerogramas de familiares; e lá surgia, de vez em quando, como bálsamo, numa carta de um amigo, uma referência: “tua mãe manda dizer: está tudo bem por cá. Espero que tudo te esteja a correr bem por aí”, conforme foi contado por dois antigos combatentes, sócios deste Núcleo, numa entrevista ao programa “Hora do Combatente”, da RCB.
Vamos terminar, porque o espaço e o tempo não permitem alongar, sem que nos sintamos orgulhosos porque no dia em que escrevemos estas linhas, dois portugueses, um deles de origem beirã, honraram o nome de Portugal e registam, a letras de ouro, mais uma página da sua História: o Engenheiro António Guterres, antigo Primeiro-Ministro de Portugal fez o seu juramento nas Nações Unidas como Secretário-Geral da ONU. Outro português, na área desportiva, Cristiano Ronaldo, acaba por ganhar, pela 4.ª vez, a Bola de Ouro, continuando assim a ser considerado o Melhor Jogador do Mundo.

Desejamos a todos os que integram esta grande instituição que é o Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, Sócios e suas Famílias, um Santo Natal e um Feliz Ano 2017.

(In "O Combatente da Estrela", n.º  105, de janeiro a março de 2017)

O ANO 2016 COM LUTO NO FUTEBOL

Não podia aproximar-se do final do ano a notícia mais triste para o mundo do futebol, como a que ocorreu na madrugada do dia 29 de novembro.
Um acidente com o avião boliviano que transportava jogadores e equipa técnica da Chapecoense, chocou com um morro perto do aeroporto de Medellín, dizimando esta equipa brasileira. No total foram 71 pessoas perecidas neste desastre aéreo, na sua maioria jogadores e membros da equipa técnica do clube brasileiro de futebol. Apenas seis pessoas sobreviveram.
O mais lamentável deste acidente, depois de encontradas as caixas negras do avião, e após averiguações, foi o facto de se vir a apurar que o avião caiu, a poucos minutos do destino, por falta de combustível, tanto mais que ele não explodiu ao colidir com a zona de montanha. Era pilotado pelo dono da companhia aérea.
“O mundo do desporto, em geral, e do futebol em particular, está de luto”, afirmou Pedro Proença, presidente da Liga de Futebol Portuguesa.
O Chapacoense, equipa da cidade de Chapecó, no estado de Santa Catarina, foi fundado em 1973 e passou por uma grave crise financeira em 2005. Estava agora a viver a melhor temporada desportiva da história. O Clube conquistou seis títulos; cinco campeonatos estaduais e uma Copa Santa Catarina. Pretendia a conquista da Taça Sul-Americana e, num gesto bonito, foi-lhe agora atribuída a conquista dessa Taça.
Por todo o planeta se sentiu o abalo desta triste notícia e, em Portugal, foi guardado um minuto de silêncio em todos os jogos efetuados sob a égide da Liga e Federação Portuguesa de Futebol, tanto mais que alguns jogadores tinham já representado clubes em Portugal, como o caso de Caio Júnior.
Recordamos que outros acidentes de aviação com equipas de futebol já haviam ocorrido no século XX, por todo o Mundo, sempre trágicos:
Torino – 4 de maio de 1949
O avião em que a equipa do Torino regressava a casa depois de um jogo particular com o Benfica, em Lisboa, despenhou-se sobre o campanário da Basília de Superga, em Turim, por causa da neblina. Morreram 31 pessoas, vitimando 18 jogadores e cinco elementos da equipa técnica.
Manchester United – 6 de fevereiro de 1958
Um avião em que viajava o Manchester United caiu em Munique, na Alemanha, devido à camada de neve presente na pista que fez com que o avião falhasse no momento da descolagem. Morreram 23 pessoas. Sete jogadores sobreviveram, entre eles, Bobby Charlton, e oito faleceram neste acidente.
Seleção Olímpica da Dinamarca – 16 de julho de 1960
Após descolagem do aeroporto de Copenhaga, o avião caiu sobre Oresund. No acidente só o piloto escapou, tendo os oito atletas, que se preparavam para disputar os Jogos Olímpicos em Itália, acabado por morrer.


Green Cross – 3 de abril de 1961
Parte da equipa chilena do Green Cross, incluindo 8 jogadores e 2 treinadores e dirigentes, num total de 24 pessoas, morreram num acidente numa zona montanhosa da província de Linares, Chile, nos Andes, a 350 quilómetros de Santiago do Chile.
The Strongest – 26 de setembro de 1969
Durante o regresso da comitiva boliviana do The Strongest à Bolívia, o avião desapareceu dos radares aéreos. No dia seguinte foi encontrado na região de Viloco, a 70 quilómetros a sul de La Paz, na cordilheira andina Tree Cruces, onde todos os 74 ocupantes a bordo morreram, incluindo 17 jogadores.
Pakhtakor Tashkent – 11 de agosto de 1979
Um avião russo que transportava a equipa do Pakhatakor Tashkent para Minsk, onde defrontava o Dínamo, no momento em que sobrevoava a Ucrânia, o avião chocou com outro, entre Minsk e Taskent, e morreram todas as 178 pessoas, 17 das quais de futebol Taskent, do Uzbequistão.
Alianza Lima – 8 de dezembro de 1987
A equipa do Allianza Lima voltava para a cidade do Lima mas acabaria por cair no Oceano Pacífico, perto da localidade peruana de Ventanilla, nas proximidades de Lima. A bordo do avião seguiam 53 pessoas e só o piloto sobreviveu ao acidente. Entre as vítimas estavam 16 jogadores de futebol do Club Allianza de Lima (Peru).
Colorful 11 – 7 de junho de 1989
A equipa do Colorfull 11 viajava com destino ao Suriname para realizarem um jogo particular. Durante a aproximação ao aeroporto da chegada, o avião caiu e das 178 pessoas a bordo só 11 sobreviveram. A este acidente escaparam nomes como Ruud Gullit e Frank Rijkaard, que não conseguiram autorização para viajar.
Seleção da Zâmbia – 27 de abril de 1993
Um avião da Força Aérea da Zâmbia que se dirigia para Dakar, no Senegal caiu no oceano Atlântico, na Costa do Gabão, pouco depois de uma escala técnica em Libreville, no Gabão. No acidente morreram os 30 ocupantes, incluindo 18 jogadores e os técnicos da seleção de futebol da Zâmbia. Apenas o capitão da equipa se salvou porque viajou noutro voo.
Ficam assim as memórias de todos os que foram forçados a deixar prematuramente o mundo dos vivos.

A ideia por que já passei quando algumas vezes viajei de avião, com grande parte do setor comercial e chefias, das empresas que representei, dividindo parte da comitiva por dois voos, não é prática para uma equipa de futebol, como é óbvio, mas seria uma forma de maior segurança.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 105, de janeiro a março de 2017)

13 de dezembro de 2016

MUROS TRANSPONÍVEIS

Antes de mais, parabéns pelo quinto aniversário do fórum Covilhã, ocorrido no passado dia 29 de novembro, na simbologia do que é um órgão da comunicação social jovem mas com uma dinâmica de lutar contra ventos e marés, independentemente de muros que, por vezes, uns quantos lhe querem colocar no caminho, na sua tacanhez de espírito.
Neste país de brandos costumes têm-se vindo a erguer muros, impedindo a livre circulação da vida na sociedade, proporcionando assim que não deixemos para trás o sofrimento e a injustiça, assim como a existência de soluções de desenvolvimento desequilibrado e precário.
Já por si, as barreiras ocultantes dos muros acabaram por cair graças à poderosíssima revolução tecnológica. Esta, na associação com acontecimentos de natureza económica e outros diversos, a todos aproximou e dotou de instrumentos. E, desta feita, permite-nos conhecer o outro lado do muro, escondido, e, como é óbvio, darmo-nos a conhecer também a nós próprios.
Resultado: o invisível tornou-se visível, e a longitude ficou próxima. E, como não podia deixar de ser, o desconhecido passou a ser conhecido.
A globalidade deste conhecimento é assaz importante para que sejam identificadas situações de exclusão que a vida não pode admitir, assim como desequilíbrios e assimetrias que não se podem comportar.
Ao contrário de derrubar muros, paradoxalmente têm-se vindo a erguer, muitas vezes contra a força dos ventos.
No entanto, outros muros que deveriam existir, fortemente construídos, para que não soçobrassem com os vendavais da corrupção, e outras formas de encher as disfarçadas algibeiras de uns quantos, mantiveram-se duma fragilidade incrível, sem que os guardas desses muros estivessem devidamente vigilantes, deixando nos mesmos construir janelas.
Vejamos, para além dos casos relevantes e mediáticos que vivemos nos últimos anos, ou seja o BCP, o BPN, o BPP, a PT, o BES e mais recentemente o BANIF, as falhas importantes na forma como as decisões foram tomadas, nomeadamente como alguém da PT conseguiu meter quase 1000 milhões de euros em empresas do Grupo Espírito Santo que já estavam tecnicamente falidas, sem serem controladas pelos acionistas.
Não há assim muros que resistam com pessoas erradas, imbuídas de energia criminosa.
Segundo José António de Sousa, ao Vida Económica, no caso do BES que, sendo fiscalizado pelo menos por nove estruturas (Fiscalização externa/auditoria de contas, feita pela KPMG, uma das mais prestigiadas empresas multinacionais da área; Comissão de Auditoria do Conselho de Administração, Departamento de Compliance, Comité de Risco Global, Comissão de acompanhamento do risco de crédito, Departamento de auditoria interna e de inspeção do próprio banco, Agências de rating, Regulador (Banco de Portugal e Banco Central Europeu) e CMVM), “o que aconteceu, quer no BES, quer em todos os outros casos mencionados, é que quem tem o controle da Administração de uma instituição financeira consegue fazer passar todo o tipo de operações irregulares sem que estes 9 olhos todos os possam detetar, por muito que procurem! As situações em que as irregularidades saltam para a ribalta pública só são despoletadas quando há uma denúncia, ou quando a situação se degrada a tal ponto que a instituição já não consegue honrar os seus compromissos”.
E, como disse Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa, logo após a sua investidura: “Este é o nosso momento. A oportunidade de voltarmos ao melhor daquilo que somos. De liderar pelo exemplo com a dignidade, integridade e honra que construíram este país, e que voltarão a construí-lo uma vez mais”; vamos então transpor os muros que nos colocam no caminho que desejamos percorrer, para que possamos ser “um oásis de estabilidade” conforme refere uma publicação norte-americana.
Ainda assim, o jornal online não deixa de destacar a “cadeira confortável” em que António Costa se senta neste momento, numa altura em que “tantos líderes europeus enfrentam ameaças existenciais”, tal como partidos políticos da zona euro.
De facto, a “geringonça” inventada por Vasco Pulido Valente no Público (sobre o PS) e mais tarde Paulo Portas a usá-la para ilustrar a solução do governo, com a direita a ridicularizar esta situação, afinal está a dar resultado e “dá no goto” à oposição.
O muro que separa os “pecadores” por se terem misturado com as esquerdas não conseguiu ser transposto pelo diabo, que se encontrava do outro lado aguardando a sua queda. E nem sequer o conseguiu saltar.
E, não fosse o diabo tecê-las, aí está a CGD. Eis que, num ápice, se substituiu um “insubstituível” por um outro, augurando-se um bom casamento, como naquela parte evangélica em que foi servido o melhor vinho, no final do mesmo, em vez do pior vinho.
Ao longo deste ano de 2016, que vai terminar, muitas coisas aconteceram no seu percurso de 365 dias, não só de âmbito nacional, como local, e mesmo internacional, transpondo ou esbarrando em muitos muros, desde a política, a economia, o clima, a cultura, as catástrofes, a pobreza, as perseguições, e muitas outras mãos cheias de eventos, de várias intencionalidades, que não cabem neste espaço.

Vamos ficar por aqui, na esperança de no próximo ano podermos prosseguir no contacto com os prezados leitores. A todos desejamos um Feliz Natal, extensivo às suas famílias, e que o Ano 2017 venha repleto das maiores felicidades.

(In "Fórum Covilhã", de 13-12-2016)

7 de dezembro de 2016


1º BOLETIM DO TOTOBOLA

 1º Boletim do Totobola, surgido em 24-09-1961, pela mão do Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Covilhanense Dr. José Guilherme Rato de Melo e Castro. De notar que o primeiro jogo foi logo um Olhanense - Sp. Covilhã


16 de novembro de 2016

DOUTORES NO PAÍS DAS MENTIRAS

Já não é só de agora que casos como os que recentemente ocorreram no seio do Governo vêm, em muitas cabecinhas pensadoras, conferir-lhes um superior status social na ostentação de um título.
É indubitável que os recentes casos de falsas licenciaturas são mais esse sinal da importância que no nosso país se atribui a ser tratado por “Doutor” ou “Engenheiro”.
Não é que um curso superior não seja importante para a vida profissional de quem o completa apesar de nos últimos anos ter aumentado o número de desempregados licenciados e estarem cheios os call centers e os hipermercados com licenciados.
O que é certo e verdade é que este fenómeno não se encontra noutros países europeus, a começar por Espanha e muito menos na Grã-Bretanha.
Parece-nos que se tem verificado esta tendência para a mentira numa altura de mais facilitismo para obtenção de uma licenciatura pelo Processo de Bolonha, o que veio já algumas empresas a preferirem para os seus quadros quem obteve os seus cursos pré Bolonha.
É que na política quase vai valendo tudo, não havendo receio (o que é de estranhar) que se venha a descobrir o que se esconde no véu da mentira. Será que haverá tanta ingenuidade nos pseudodoutores? E, pior ainda, nos que no âmbito do amiguismo ou jogo de interesses (com a agravante de se verificaram em serviços do Estado), dão encobrimento a esta ostentação?
Curioso, a pretexto deste assunto, um caso que se passou com um antigo colega, conimbricense, na então minha atividade profissional, nos finais dos anos setenta do século passado, ou princípios de oitenta, durante uma reunião nacional de formação, em Lisboa. Ali ouvimos um grande elogio aquele colega, pelo subdiretor da empresa, porque, aquele colega, “na sua humildade, nem sequer se vangloriou de ter já completado duas licenciaturas, o que se apraz registar”. Passado pouco tempo já o mesmo constava com o título de“Dr.” atrás do seu nome, nas comunicações de serviço, e até colocado em tarefas num serviço hierarquicamente superior. Também pouco tempo durou esta surpresa, porque outra vinha pôr cobro à mentira que tinha apresentado no seio da empresa, quando chegaram à conclusão que confiaram na palavra mas não se concretizou na realidade. Resultado: o homem ainda não tinha concluído os cursos. E a situação foi voltar-se o feitiço contra o feiticeiro. Aqui fica bem patente aquela velha expressão de que mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo.
E, voltando à ostentação do título de “doutor”, foi notório, após as últimas eleições autárquicas num concelho desta região, a envolvência em polémicas do anterior presidente da autarquia que completara o curso superior havia poucos meses, a tentar denegrir publicamente o atual presidente, tratando-o por “senhor”, este que tem o curso superior há mais de duas décadas, enquanto que o polémico ex-autarca fazia salientar na escrita o seu “nobre” título de “Dr.”, quase sempre no uso do subterfúgio. Aqui está uma prova de que a imagem dos títulos pesam no ego de algumas pessoas.
Há dias houve uma chamada de atenção quando surgiu na net a notícia de haver certificados do 12.º ano à venda. O país enlouqueceu!
Ora, o assunto em questão reporta-se às notícias vindas a público relativamente às falsas licenciaturas de Nuno Félix e Rui Roque, respetivamente adjunto dos Assuntos Regionais do primeiro-ministro António Costa; e chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, do mesmo Governo, com a sua inserção no Diário da República.
Já anteriormente houve outros “falsos licenciados”, no primeiro Governo de Passos Coelho, com Miguel Relvas, a quem lhe foi retirada a licenciatura; e também José Sócrates tinha visto a sua licenciatura pela Universidade Independente ser posta em causa pela forma irregular como teria sido concluída. A equivalência concedida ao antigo primeiro-ministro foi considerada nula, mas este manteve o título de engenheiro.
Mas será que não se pode chegar aos pontos mais elevados da política, ou de outras situações normais da vida deste pedaço do planeta mais ocidental da Europa, sem um curso superior? Que eu saiba, houve um grande Presidente do Brasil, de nome Lula da Silva, e um grande escritor português que chegou a Prémio Nobel da Literatura – José Saramago –, que não eram doutores nem engenheiros.
Nesta petulância que vem grassando pelo país em que, não poucas vezes, se protege o atrevimento, se enaltece a ignorância e se honra o demérito, não seria ocasião soberana para se tomarem decisões definitivas e rigorosas para pôr fim a este descrédito e abusos? E, se começarmos a revolver a terra de má semente caída, ainda temos que nos preocupar com aqueles que plagiam, e escrevem livros, a ser verdade, como tendo sido outros, objeto de notícias recentes na comunicação social. É que, como diz João Miguel Tavares, “a cultura jobs for the boys está muito longe de ter esmorecido”.
E tocamos também num ponto, conforme refere José Pacheco Pereira: “A contínua degradação da política e do pessoal político (…) e a crescente importância de carreiras pseudoprofissionalizadas, que se fazem dentro dos partidos por critérios que pouco têm que ver com a seriedade, o mérito, a capacidade política, profissional e técnica, têm mais que ver com fidelidades e intrigas de grupo e com acesso ao poder do Estado por via do poder partidário”.

E até recordamos uma expressão antiga dos chamados “doutores da mula ruça”. Terá sido talvez por isso que, no domingo, dia 6 de novembro, estes doutores da TVI transmitiram parcialmente a missa da Igreja de S. Tiago, na Covilhã, no aniversário da Fraternidade Nuno Álvares, parcial e não globalmente, quando no programa dava das 11 às 12,30 horas. Pois é, como alguém disse, reclamando para aquela estação televisiva: “A publicidade pesa mais alto”. No entanto, apraz registar a resposta da TVI, horas depois, ao reclamante: “Informamos que a sua crítica construtiva mereceu a nossa melhor atenção e foi reencaminhada para a nossa Direção de Programação”.

(In "Notícias da Covilhã", de 17-11-2016)

8 de novembro de 2016

A CIMEIRA DA CPLP E A ILEGITIMIDADE DE UMA ADESÃO

Sobre este assunto me referi, neste mesmo espaço, no verão de 2014 (“Dos oito séculos da Língua Portuguesa à pobre diplomacia”).
Volto ao tema face à Cimeira da Comunidade dos Povos da Língua Portuguesa (CPLP), realizada em Brasília, na República Federal do Brasil, nos dias 31 de outubro e 1 de novembro.
Como é sabido, esta Comunidade completou, em julho, 20 anos e a personalidade inspiradora da sua criação dá pelo nome de Jaime Gama, então Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, ainda que já tivesse sido sonhada por muitos ao longo dos tempos, mais de uma década antes do seu nascimento. Pois tal aconteceu aquando de uma sua visita oficial a Cabo Verde, em 1983, para uma reunião dos membros dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), na qual se referiu nestes termos: “O processo mais adequado para tornar consistente e descentralizar o diálogo tricontinental dos sete países de língua portuguesa espalhados por África, Europa e América seria realizar cimeiras rotativas bienais de Chefes de Estado ou Governo, promover encontros anuais de Ministros de Negócios Estrangeiros, efetivar consultas políticas frequentes entre diretores políticos e encontros regulares de representantes na ONU ou em outras organizações internacionais, bem como avançar com a constituição de um grupo de língua portuguesa no seio da União Interparlamentar”.
O mundo vivia tempos de Guerra Fria e o Brasil estava no processo de transição democrática. A diplomacia portuguesa vivia momentos eufóricos e de grande atividade na sequência da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE.
O processo evoluiu e ganhou a dinâmica decisiva na década de 90, mas já então, em novembro de 1989, no Brasil, no primeiro encontro de Chefes de Estado e de Governo dos países de Língua Portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe), a convite de José Sarney, Presidente brasileiro, se decidiu criar o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), cuja instituição se ocuparia da promoção e difusão do idioma comum da Comunidade.
Com a evolução na continuidade, depois de vários eventos realizados, e decisões tomadas, em 17 de julho de 1996, em Lisboa, na nova Cimeira é criada a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O número de países aderentes passou a oito, em 20 de maio de 2002, com a independência de Timor-Leste. Entretanto, depois de um circunstanciado processo de adesão, em 2014, surgiu o nono membro da Comunidade – a Guiné Equatorial.
Tendo em conta que a CPLP se rege por princípios entre os quais o “primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social”, têm vindo a surgir incompatibilidades com a Guiné Equatorial, desde do seu início, em virtude do seu presidente Teodoro Obiang não abolir a pena de morte, refugiando-se em subterfúgios; assim como não se fala o português (ainda que tenha mencionado ser acolhida como a terceira língua falada no país), no ridículo advindo de um país em que sabe que, para integrar a Comunidade, a primeira razão de ser é a língua portuguesa; e cuja página oficial da Internet está apenas disponível em espanhol, inglês e francês. A adesão da Guiné Equatorial, em 2014, teve patrocinadores fortes como Angola, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau; e o Brasil, com a sua carta de interesses.
Esta organização internacional parece estar em declínio face a opiniões diversificadas de cidadãos dos vários países integrantes, numa deceção com que encaram o presente e o futuro de uma comunidade cuja existência parece dizer cada vez menos aos milhões de cidadãos que dela fazem parte, onde a crise, que atingiu vários países, e as consequências da globalização, são fatores influentes nas tomadas de posição.
Depois, foi o abrir de portas a novos membros, como a Guiné Equatorial, que não partilham os valores democráticos e a defesa dos direitos humanos.
Ora, nas negociações desta última Cimeira, em Brasília, em que o Primeiro-ministro português, António Costa, propôs “liberdade de fixação de residência” na CPLP, sendo uma boa ideia e justa não deixa de ser despropositada já que, penso, jamais passará pela peneira dos parceiros do espaço Schengen, os quais já sentem na pele os efeitos com os migrantes que teimam com a Europa para poderem viver com tranquilidade. Nas mesmas negociações tratou-se da entrada de cinco novos países como observadores associados – República Checa, Eslováquia, Hungria, Costa do Marfim e Uruguai – que assim se juntam às Ilhas Maurícias, Namíbia, Senegal, Turquia, Japão e Geórgia.
Pois bem, em vez da Guiné Equatorial, preferia a admissão do Uruguai, que, embora falando o espanhol, não tem idioma oficial; e também pela razão história “de que a República Oriental do Uruguai, como é seu nome constitucional, foi criada para servir de tampão entre o Brasil e a Argentina, sucessora do império português e do império espanhol. Muita gente já ouviu falar da uruguaia Colónia do Sacramento, que foi a mais meridional das cidades portuguesas e se situa em frente a Buenos Aires. Todo o Uruguai foi, no início do século XIX, parte do Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves, com o nome de Província Cisplatina. Após 1822, o Uruguai passou a fazer parte do Império Brasileiro. Em 1825, o Uruguai tornou-se independente”. E a língua portuguesa é de ensino obrigatório nas escolas do país. A pena de morte foi abolida em 1907.
Sabemos, contudo, que é enorme o potencial da CPLP já que se prevê que o número de falantes de português em todo o mundo ultrapasse os 300 milhões, em meados do século. Por outro lado, metade das novas reservas de gás e petróleo recentemente descobertas situam-se no seu espaço.

Esta crónica não nos permite inserir mais conteúdo importante, como é óbvio, pois daria pano para mangas, como sói dizer-se. No entanto referir que nesta XI Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) houve a congratulação com a escolha de António Guterres para o cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas, “o primeiro cidadão de um Estado membro da CPLP a ocupar tão elevada posição”.

(In "fórum Covilhã", de 08-11-2016)

26 de outubro de 2016

PADROEIRA DA COVILHÃ

“Qual a razão de Nossa Senhora da Conceição ser a padroeira da Covilhã, ou seja, qual a justificação histórica, religiosa, cultural ou outra que levou a essa atribuição específica à nossa cidade?” É uma pergunta que me foi colocada por um covilhanense, radicado em Lisboa.
Não é fácil encontrar essa razão, duma forma particular para a Covilhã, porque as fontes consultadas são escassas e não conduzem a uma clareza, mas antes a uma suposição, sendo que também era nosso desiderato conhecer verdadeiramente a sua génese, assim como a da Paróquia da Conceição, considerada padroeira Nossa Senhora da Conceição mas cujo patrono é S. Francisco de Assis, e, por isso, a Igreja é mais conhecida por Igreja de S. Francisco.
 Várias têm sido as festas e peregrinações de Nossa Senhora (sem especificar o título, mas mais referenciadas com o de Fátima), que passaram pela Covilhã, com pompa e circunstância, nas décadas de 40, 50 e 60 do século passado, a que já fiz referência em artigos publicados no Notícias da Covilhã, em 2004, 2008 e 2012, relacionados mais com o Monumento a Nossa Senhora da Conceição. Já no atual século surgiram duas peregrinações de Nossa Senhora no Arciprestado da Covilhã: 4 de janeiro a 1 de fevereiro e 2009; e no dia 9 de outubro de 2015.
A devoção a Nossa Senhora é uma história secular e glorificante que arrancou logo nos primórdios da Nacionalidade. Sedimentou-se e alargou sobretudo com a Restauração no século XVII. A maior parte das catedrais, como a da diocese da Guarda, criada em 1203, e grande número de igrejas paroquias, tomaram a Virgem Maria para padroeira das suas catedrais. Já o Conde D. Henrique e D. Teresa, a 12 de abril de 1120, doaram o couto de Braga “à Virgem Maria, em cuja honra estava fundada, na cidade de Braga, a igreja metropolitana”. D. Afonso Henriques, ao tomar as rédeas do governo, elegeria Santa Maria de Braga para padroeira e rainha de Portugal nascente. D. João I que tinha grande devoção à Virgem Maria, particularmente à sua Assunção, cuja vigília coincidia com a da grande vitória de Aljubarrota, fez a promessa, que cumpriu, quando da batalha de Aljubarrota, de ir a “pé a Santa Maria da Oliveira, que era na vila de Guimarães”.
Todas as catedrais portuguesas foram dedicadas, em 1394, ao mistério da Assunção, por bula de Bonifácio IX. Este ambiente assuncionista levou os fiéis a tomarem a Senhora da Assunção como sua protetora e padroeira de Portugal. O Santo Condestável Nuno Álvares Pereira, como grande devoto da Virgem, ia haurir forças para os combates diante da sua imagem, andando a peregrinar de igreja em igreja, às vezes a “pé e descalço em romaria a Santa Maria”. Conquistada Ceuta, a 21 de agosto de 1415, o Infante D. Henrique enviou uma imagem de Santa Maria, mandando-lhe pôr o nome de Santa Maria de África. Assim como mandou levantar no Restelo, na margem direita do Tejo, um templo a Santa Maria de Belém. Antes de embarcarem para a viagem da descoberta do caminho marítimo para a Índia, Vasco da Gama e outros capitães passaram em vigília, nesta capela do Restelo, a noite de 7 para 8 de julho de 1497.
Encontrando na Virgem uma proteção sempre pronta, os portugueses foram levados a considerá-la como padroeira da Nação. Este padroado, embora não se conheça proclamação oficial anterior à de D. João IV em 1646, já era reconhecido desde o século XIV, pelo menos, como o demonstram vários documentos.
Mas porque também à Covilhã diz respeito, a Virgem Maria foi ainda chamada Santa Maria de Agosto, em vez de Assunção, como o fizera D. Afonso III, ao fixar, em 1260, a feira da Covilhã.
O século XIX foi também um século marcadamente mariano, e o patrocínio de Maria, nas horas amargas da descristianização de muitos, e desânimo de tantos, aparecia como uma tábua de auxílio e salvação.
Mas se Portugal tinha já uma especial e oficial devoção e crença na Imaculada Conceição (provisão do rei D. João IV, de 25/3/1646), elas ampliaram-se com a definição desse dogma (8/12/1854).
Quanto à Covilhã, enquanto que em 13 de maio de 1946 era coroada a imagem de Nossa Senhora de Fátima, da Capelinha das Aparições (coroa oferecida pelas mulheres portuguesas); em 13 de maio do ano seguinte, o pároco de S. Pedro da Covilhã, padre José Domingues Carreto, impulsionava com grande entusiasmo a coroação da imagem de Nossa Senhora de Fátima da freguesia de São Pedro, com a coroa em ouro, objeto de oferta voluntária de senhoras daquela freguesia, cujas cerimónias, com grande brilhantismo, tiveram lugar no Pelourinho.
Mas já antes, no dia 10 de outubro de 1904, era inaugurado na Covilhã o monumento a Nossa Senhora da Conceição (imagem que, tendo sido mandada construir em França, veio vestida de Nossa Senhora de Lourdes, por lapso dos franceses), fruto duma comissão de pessoas gradas da Covilhã que resolveu consagrar a Cidade a Nossa Senhora, nas comemorações das bodas de ouro da proclamação dogmática da Imaculada Conceição de Maria. Dessa comissão faziam parte, entre outros, os padres João Rodrigues Mouta, Gregório Lopes Arroz, José Costa Tavares e Oliveira Pinto. Para além da Câmara Municipal da Covilhã também integrou a comissão o 1.º Conde da Covilhã, Cândido Calheiros; o Dr. João Ferraz de Carvalho Megre e Gregório Baltazar.
Não conseguimos encontrar qualquer referência concreta à origem de Padroeira da Covilhã. No entanto, na parte final da ata n.º 19 da Reunião Ordinária da Câmara Municipal da Covilhã, de 12 de maio de 1943, o Vereador Dr. António Pereira Espiga Júnior “falou acerca do grande êxito espiritual que foi a Solene Consagração do Concelho da Covilhã a Nossa Senhora da Conceição, realizada por promoção da municipalidade, no passado dia 9. A romagem ao Monumento à Virgem foi impressionante de beleza e de fé e nela se incorporaram perto de dez mil pessoas. A consagração escrita pelo Senhor Presidente (Dr. Luís Victor Tavares Batista) e lida por ele, estando rodeado de todas as Juntas de Freguesia do Concelho, é um belo documento cristão (…)”.
No “Notícias da Covilhã” de 16 de maio de 1943 fazia grande referência à “Consagração do Concelho da Covilhã ao Imaculado Coração de Maria”: “Na Colina Sagrada do nosso Monumento à Imaculada Padroeira de Portugal, tem este lugar sido teatro de atos religiosos e patrióticos da maior grandeza e solenidade; desde a sua inauguração em 1904 têm-se ali juntado milhares de pessoas implorando a proteção da augusta Padroeira da nossa Terra. Julgamos porém poder afirmar que a romagem do passado domingo foi a mais importante de todas pela sua projeção nacional e pelos efeitos que deve ter em benefício da Covilhã. A resolução corajosa do Exm.º Presidente da Câmara de consagrar o concelho ao Imaculado Coração de Maria transcende, na ordem moral todos os empreendimentos que o seu consulado camarário tem realizado e está realizando no progresso material da Covilhã. (…) Ora, o Senhor Presidente da Câmara da Covilhã (…) quis ter a nobreza de, antecipando-se a outras regiões do país, seguir atrás do Santo Padre Pio XII e dos Venerandos Prelados Portugueses, entregando-nos e confiando-nos à proteção daquela que sendo Mãe de Deus é, tem sido e será a amada Padroeira de Portugal. (…) Com as nossas felicitações ao Senhor Presidente da Câmara, só nos resta fazer votos por que a Virgem Imaculada se tenha benigna e maternalmente dignado receber os destinos do nosso Concelho”.
A única vez que se falou no termo “Padroeira” foi aquela acima, “Padroeira da nossa Terra”, pelo que é natural que, de todos estes eventos solenes, saísse, de forma intrínseca, o reconhecimento de que Nossa Senhora passara a ser também designada Padroeira da Covilhã, como já o era do país, e de tantas outras cidades, com as várias denominações: Fátima, Assunção ou Conceição.

Seja como for, ainda que de forma consuetudinária, Nossa Senhora jamais deixará de ser a Padroeira da Covilhã e da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, na fé de todos os Covilhanenses.

(In "Notícias da Covilhã", de 27-10-2016)

24 de outubro de 2016

O TEMPO PERGUNTA AO TEMPO

O nosso tempo. Quanto tempo ainda temos? O tempo das nossas vidas. Que tempo!...
Este tema que trouxe para o penúltimo número de O Combatente da Estrela, deste ano da graça de dois mil e dezasseis, faz-me lembrar aquela lengalenga infantil dos meus tempos: “O tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo responde ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto o tempo o tempo tem”.
E é assim que nos espaços temporais que nos vão acontecendo, há um despontar, quase sem nos apercebermos, de vivências diversificadas, trabalhos, incompreensões, tristezas mas também ledas passagens pelas nossas vidas. É o nosso tempo. O tempo em que vivemos. Talvez o tempo por que não gostaríamos tanto de caminhar, ao invés de outro tempo mais risonho, aquele com que sonhámos, naquele tempo da nossa juventude para o horizonte dos nossos desejos.
Mas se a expressão “dar tempo ao tempo” quase que já não cabe na nossa tolerância de pessoas moderadas, num continuar de sempre ver a banda passar, naquela de “no meu tempo não era assim” e/ou “enfim, agora são outros tempos…” também um facto pode subsistir: não seremos todos nós responsáveis por não agirmos em tempo oportuno com aquela consciência firme de pensarmos no coletivo e não só no nosso ego?
Esta reflexão, se tomada a sério, transformaria positivamente o tempo que nos resta do tempo das nossas vidas.
Vejamos tão só o que se passa a nível mundial, de âmbito nacional, e, mais de perto, o local. Cada qual deve analisar, de cabeça fria, no sossego do tempo de cada um, quais as nossas atitudes comportamentais face aos ventos e marés que vão ocorrendo no seio de todos nós.
Não cabe, nem deve, neste espaço, fazer-se quaisquer comentários de âmbito político, religioso ou desportivo que possa ferir a suscetibilidade das pessoas, “partidarizando” assim as suas opiniões, pois o princípio por que se rege este órgão de comunicação tem uma vertente de imparcialidade, acolhendo todos, com os seus defeitos e virtudes.
“O tempo pula e avança”, conforme escrevi num jornal algarvio em 15 de maio de 2012. Não é possível fazer parar o tempo. Ele avança, devagar, devagarinho, ou tão acelerado que nem damos por ele. Este paradoxo temporal é uma das vertentes da nossa vida. Para umas coisas, o tempo deveria ser preguiçoso, mas, para outras, desejaríamos vê-lo como num corridinho algarvio. No meio destas formas de vermos e sentirmos, muita coisa se desfila pela nossa frente, e, então temos que preencher o tempo das nossas vidas: como devemos, como gostamos, como podemos, como nos deixam.
Mas, por vezes, uma só pessoa não consegue transportar às costas toda a montanha; e, por outro lado, há que dar colorido a todas as formas de expressão, de pensamento, de amor às causas citadinas ou de âmbito mais lato. Tem então que se trabalhar em equipa. Para tanto, há que aceitar as boas vontades, para além dos que sentem, por via da pena (hoje mais propriamente nas teclas do computador), um sorriso para a escrita, para que, no âmbito do meio onde se inserem, até numa projeção extra muros, vejam o reconhecimento dos seus textos numa apetência pela sua leitura.
No jornalismo podemos ver um veículo ao serviço não só da informação como também do conhecimento, da cultura, da recreação do espírito.
Não é fácil dirigir um jornal. Quantas vezes um periódico, não obstante a vontade dos seus obreiros, se vê na contingência de cerrar portas, que não é o nosso caso, face aos problemas do tempo – lá está o tempo outra vez – em vários domínios, desde o financeiro à utilidade destas páginas que nos passam pela frente dos olhos, para uma só leitura rápida dos títulos, ou pela apetência dos artigos nelas inseridos.
Ora, um jornal sem diversidade, e no exclusivo duma vertente desportiva ou religiosa, torna-se direcionado somente para um determinado tipo de aderente, excluindo os restantes não interessados nestas duas causas.
Sucede, porém, que o trissemanário “O Combatente da Estrela”´ é um periódico enraizado numa vertente de muitos colaboradores – é obra! –; dispersos por opiniões variadas, onde é óbvio imperar uma veia pelos acontecimentos ocorridos ao longo da vida de antigos Combatentes, mas não só, também na expressão colorida no entusiasmo de muitos outros temas, onde a poesia também pode ter assento.
Todos trabalham com gratuitidade, desde a aceitação e seleção de textos, à revisão, preparação para entrega na tipografia, e, posteriormente, todo o trabalho para a distribuição aos prezados associados e leitores.
E é nesta vertente que nos propomos continuar a dar tempo ao nosso tempo.
P.S.

Já depois de este texto ter sido escrito, atempadamente, para o nosso Jornal, ainda em tempo, já que de tempo falamos, dois factos importantes se passaram, fora e dentro da Instituição que nos dá razão de existência neste tempo das nossas vidas de antigos militares e antigos combatentes. De fora, foi o grande orgulho e prazer que qualquer português, e, duma forma especial, o beirão, sente ao ver o Eng.º António Guterres, “contra ventos e marés” como atrás refiro, ser nomeado Secretário-Geral das Nações Unidas. Dentro da Instituição “Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes” foi o recebimento da notícia de que vai ser distinguida, pela Câmara Municipal da Covilhã, com a medalha de mérito municipal – categoria prata, no dia 20 de outubro, no âmbito das comemorações do 146º aniversário da Covilhã a cidade. Está de parabéns o “Núcleo da Liga dos Combatentes” desta Cidade, já que o tempo veio dar uma visão de justiça que há muito se justificava.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 104, de outubro a dezembro 2016)

DESPORTO 2016: ENTRE O ÊXITO E A DESILUSÂO

Este ano da graça de dois mil e dezasseis teve Portugal em grande evidência na área desportiva, sagrando-se Campeão Europeu de Futebol, pela primeira vez na sua história.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi um mãos cheias na distribuição de condecorações com o grau de Comendador, a todos os atletas, e outros mais que iam ganhando competições, caso do Hóquei em Patins, em cuja modalidade também se sagraram Campeões Europeus.
No entanto, no primeiro jogo oficial após a conquista do Campeonato da Europa de 2016, a seleção nacional sofreu uma derrota na Suíça, por 2-0, borrando assim a escrita, como sói dizer-se, tornando mais difícil a qualificação direta para o Campeonato Mundial de Futebol de 2018.
Entretanto, após os jogos com Andorra, realizado em Aveiro; e as Ilhas Faroé, naquele território dependente da Dinamarca, com o mesmo resultado de seis bolas a zero, para Portugal; as esperanças regressaram mais acentuadas para o nosso país. Vamos esperar que não esmoreçam.
Nos jogos olímpicos realizados no Brasil, o Rio 2016 acabou por ser um “Rio” de desilusão pelas medalhas que Portugal não venceu. Salvou-nos a Telma Monteiro, com a única medalha conseguida por Portugal, desta feita no judo, medalha de bronze.
De quatro em quatro anos o país desportivo faz uma pausa no verão. A atenção foca-se nos mais diversos recintos onde há portugueses a competir nos Jogos Olímpicos.
A comitiva portuguesa, neste ano de 2016, foi a maior de sempre.
Desde 1976 que Portugal tem trazido sempre medalhas. Houve uma exceção, nos jogos realizados em Barcelona, no ano de 1992.
O palmarés português tem escassez de títulos, ou seja, somente 24 medalhas olímpicas. Apenas se verificaram medalhas de ouro por quatro vezes, e, claro, sempre no atletismo (Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro e Nelson Évora). Foram oito de prata e doze de bronze.
Portugal está longe de campeões como os Estados Unidos com as suas 2546 medalhas. Assim como não se aproxima dos países latino europeus como a França (1169 medalhas), Itália (605), Espanha (148), Roménia (306) ou ainda a Holanda (195) ou Bélgica (164) – estes dois últimos com populações próximas da portuguesa.
As esperanças que este ano se depositavam no triplo salto, concretamente em Nelson Évora (venceu o ouro em 2008, em Pequim) e em Patrícia Mamona (recentemente havia sido campeã europeia); assim como na canoagem, em Emanuel Silva e João Ribeiro (Emanuel Silva com Fernando Pimenta deram-nos prata em Londres, no ano de 2012), não terão passado de uma desilusão.
Também a esperança de quem torce de fora por medalhas por vezes pode ser tão grande quanto a dos atletas. Mas, desta vez, a mesma não correspondeu ao desejado.
Ainda no Rio 2016, mesmo no futebol caímos nos “quartos-de-final”. Fomos campeões europeus este verão, o nosso melhor resultado de sempre. É um facto que já vencemos torneios europeus e mundiais nas camadas jovens.
No entanto, Portugal já provou que é capaz de ter vencedores em várias modalidades. E é certo que as desilusões, tal como as críticas, também fazem parte da competição. Mas também é indubitável que em mais de cem anos da realização de Jogos Olímpicos, o recorde de Portugal, em medalhas numa só competição, é de apenas três.
Existe uma enorme tendência de uma boa parte dos portugueses colocar infundadas expetativas sempre que há representações desportivas nacionais em confronto internacional. Consideramos assim bestiais na formação das expetativas que poderão ir a bestas perante a aparência dos resultados.
No entanto, os atletas portugueses bateram-se com grande dignidade e tudo tentaram para honrar a responsabilidade da representação em que estavam investidos, pois sabemos que a realidade do sistema desportivo português é fraca e encontra-se muito abaixo dos padrões europeus.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 104, de outubro a dezembro 2016)

19 de outubro de 2016

O COMBOIO CHEGOU À COVILHÃ HÁ 125 ANOS

A Covilhã comemorou esta efeméride no dia 6 de setembro com a recriação histórica do momento. Efetivamente, a viagem inaugural da Linha da Beira Baixa realizou-se a 6 de setembro de 1891, com a presença dos reis D. Carlos e D. Amélia.
Neste evento interessante foi também distribuída uma cópia do jornal publicado há 125 anos pelo Presidente da Câmara Municipal da Covilhã, à altura, António Pedroso dos Santos, intitulada “6 de Setembro de 1891”.
Transcrevo, por curiosidade histórica, parte da primeira página do jornal 6 de Setembro de 1891 – Covilhã, com a ortografia atual, a saber:
SUAS MAJESTADES
Exulta, em jubilosa festa, fremente de entusiasmo, a cidade dos Hermínios, ao receber por hóspedes os soberanos de Portugal: Suas Majestades El-Rei D. Carlos I, e a rainha, sua augusta esposa, D. Amélia d’Orleães.
(…) Romeiros da civilização, os régios visitantes vêm saudar e glorificar o maior acontecimento, que esta terra ainda presenciou, e o que mais intimamente se relaciona com o seu rápido e completo engrandecimento comercial e fabril.
Veem, ainda, apóstolos da beneficência, enxugar lágrimas, estancar misérias e trazer alívio a muitos dos que sofrem, fundando, sob a régia proteção, o novo hospital destinado a albergue dos doentes pobres e desvalidos.
Não é assim bela e nobre a interferência das Majestades nas festas populares?
Não é assim sublime o ofício de reinar?
A consciência pública, na sua justiça incorrutível, vai hoje responder a estas interrogações.
Um coro de milhares de vozes, exprimindo, uníssonas, os sentimentos briosos duma cidade leal, honrada e hospitaleira, levará até ao coração dos reis de Portugal a grata homenagem do mais afetuoso e expansivo acolhimento.
E perante o país, que comunga do mesmo credo, e que neste momento é solidário connosco nas afirmações de respeito e adesão à monarquia reinante, podemos formular, respeitosos, esta saudação:
“Sede bem-vindos hoje, como sereis sempre bem-vindos, ó monarcas lusitanos, ao alcáçar do trabalho, onde a lealdade e a fidelidade são brasão e fidalguia do povo beirão.
“Vele a Providência por vós, protela também a nação, que vos ama, para que as ambições desvairadas não arrastem em seu torvelinho a independência deste amado torrão, que nos foi berço comum, teatro de feitos heroicos de nossos avós.
“Salvé, Rei Português, Rei liberal, neto de heróis, protetor do trabalho e da indústria nacional!
“Salvé, Rainha de inegável bondade, mãe adotiva de todos os infelizes, sacerdotisa augusta da religião santa do amor e da caridade!”
Neste dia soleníssimo o povo covilhanense saúda e aclama com entusiasmo o Rei e a Rainha de Portugal, testemunhando-lhes a homenagem da mais afetuosa e leal dedicação.
A.     Pedroso dos Santos
E, na última página, estas efemérides covilhanenses, sob o título
DATAS MEMORÁVEIS CONCERNENTES À CIDADE DA COVILHÃ
1186: - No mês de setembro deste ano é outorgado o primitivo foral da Covilhã por El-Rei D. Sancho I.
1202 a 1206: - Nestes anos residiu o mesmo rei por várias vezes na Covilhã, e noutras terras que incessantemente percorria para prover de remédio aos males causados pela extraordinária fome, que assolou Portugal e outros países da Europa.
1207: - Em agosto deste ano achava-se o rei povoador em Covilhã, donde é datado o foral que concedeu a Souto.
1214: - É datada de Covilhã no dia primeiro de novembro deste ano a carta régia pela qual D. Afonso II concede aos Templários a herdade da Cardosa em que foi reedificada Castelo Branco.
1217: - No mês de novembro deste ano Afonso II, verosimilmente residente na Covilhã, confirma o foral que a esta terra outorgara seu pai.
1260: - El-rei D. Afonso III por carta de agosto deste ano manda estabelecer uma feira na vila de Covilhã, devendo ter lugar desde oito dias antes até oito dias depois da festa de Santa Maria de agosto.
1319: - Em 22 de dezembro deste ano El-rei D. Dinis outorga uma carta régia confirmando os privilégios, foros, usos e costumes do concelho de Covilhã, declarando na mesma que os juízes do mesmo concelho forneceram carne, pão, vinho e outras coisas não por foro nem por serviço, mas por mera hospitalidade.
1415: - São criados o ducado de Viseu e o senhorio da Covilhã por D. João I em favor de seu filho o glorioso infante D. Henrique, em galardão das gentilezas que praticara na tomada de Ceuta.
1453: - Em provisão de 2 de dezembro deste ano declara Afonso V que a Covilhã é uma das principais povoações de toda a Beira e que assim a reconheceram os reis seus antecessores.
1470: - Por alvará feito em Covilhã, aos 17 de julho deste ano, determina El-rei D. Afonso V o novo regimento dos cainhos (cunhos) das moedas de ouro e prata.
1471: - O mesmo monarca, por carta régia de 30 de junho deste ano, autoriza o infante D. Diogo a suceder no senhorio da Covilhã.
1489: - D. João II doa a seu primo o infante, depois rei, D. Manuel, o senhorio da Covilhã, vago pela morte de seu cunhado o infante D. Diogo.
1498: - Em provisão de 21 de fevereiro deste ano, declara D. Manuel que a vila da Covilhã é muito principal no conto das outras vilas do reino: fá-la por isso realenga e dá coroa para sempre, prometendo por sua real fé de nunca se dar o donatário não somente a particular mas ainda aos filhos do rei.
1510: - É datada de Santarém do dia primeiro de junho deste ano o segundo foral concedido à Covilhã por D. Manuel.
1573: - Ordena El-rei D. Sebastião, que na Câmara da Covilhã se conservem os padrões de panos.
1580: - O primeiro Filipe confirma os privilégios, liberdades e mercês que os reis antecessores haviam concedido à vila da Covilhã, por alvará de 12 de maio deste ano.
1637: - Motim popular na Covilhã contra as imposições do terceiro Filipe, em novembro deste ano. Forçam-se as portas do senado municipal, e queimam-se papéis ali encontrados. Prelúdios de 1640.
1638: - Filipe III indulta os criminosos, excetuando os cabeças de motim que foram justiçados.
1646: - Por alvará de 4 de setembro deste ano, El-rei D. João IV faz graciosas concessões à Câmara da Covilhã.
1673: - Por alvará do príncipe regente, depois D. Pedro II, datado de 28 de novembro deste ano, mandaram-se vir de Inglaterra cinco mestres para a real fábrica da Covilhã.
1710: - El-rei D. João V ordena neste ano que na vila da Covilhã se fabriquem todas as fardas para o seu exército.
1761: - El-rei D. José ordena neste ano a construção do grandioso edifício da nova fábrica real da Covilhã.
1833: - Laboram pela primeira vez nesta cidade as cardas e fiações mecânicas de lã.
1840: - Em portaria de 14 de fevereiro deste ano são aprovados os estatutos da Associação Fabril da Covilhã.
1864: - É criada uma escola industrial em Covilhã por decreto de 20 de dezembro deste ano. Não se executou.
1870: - Por decreto de 20 de outubro deste ano é a vila da Covilhã elevada à categoria de cidade.
1883: - Pela lei de 26 de abril deste ano foi o governo autorizado a construir o caminho-de-ferro da Beira Baixa, passando por Castelo Branco, Fundão e proximidades da Covilhã.
1884: - Por decreto de 4 de janeiro deste ano é instituída a Escola Industrial – Campos Mello – em Covilhã.
Por decreto ditatorial de 31 de outubro de 1884 é reorganizado o exército e colocado em Covilhã o Regimento de Infantaria 21.
1887: - Por portaria de 28 de julho deste ano é aprovado o projeto da linha férrea da Beira Baixa até à estação da Covilhã no sítio denominado a Corredoura.
1891: - É inaugurado o caminho-de-ferro da Beira Baixa, de Abrantes à Covilhã, e é visitada esta cidade por S. M. El-Rei o Senhor D. Carlos I e por S. M. a Rainha D. Amélia d’Orleães no dia 6 de setembro deste ano.

                                                            Valério Nunes de Morais.

(In "O Olhanense", de 15-10-2016)

11 de outubro de 2016

O RISCO E O PRAZER DE ESCREVER

Começo este artigo e leio no Público o último editorial da diretora Bárbara Reis (B.R.), que assim se despede nesta qualidade. E, cito das suas palavras, a frase que sua colega dizia quando tinha um artigo pronto a publicar: “Foi o melhor que consegui. Tem de certeza erros…mas ainda os não encontrei”. Sempre gostou desta definição de jornalismo. “O que fazemos é tornado público apesar de tudo. E dentro das circunstâncias. Sempre imperfeito, partilhamos o nosso trabalho com os leitores”.
Nestes últimos tempos, muitas coisas mudaram no jornalismo. E o Público, na liderança que agora muda, fez mais de dois milhares de edições em papel ao mesmo tempo que cresceu exponencialmente como marca digital, dos seus seguidores no Facebook. Criou várias secções, chamemos-lhe assim. Ganharam vários prémios de reportagens e investigação. Segundo B.R., “todos envolveram equipas multidisciplinares e muita investigação. Talento e tempo para um jornal que não cede ao populismo nem à tentação do clique fácil”. Termina, dizendo: “Saio orgulhosa do que fizemos, mas descontente com o jornal que damos aos leitores. Queremos sempre mais e melhor. Este é o problema”.
O novo diretor daquele diário, David Dinis, no seu primeiro editorial – “O nosso compromisso consigo” – propôs-se fazer algumas alterações sem que “o Público vá mudar de ADN”, e “dar ao leitor pistas para ler o país em que vivemos, o mundo em que estamos. O pluralismo de opinião condição sine qua non para que cada um possa fazer o seu juízo, tomar as suas opções, a cada dia que passa (…) porque no mundo em que vivemos já não há um problema de falta de informação, mas há cada vez mais um desafio de boa informação”.
O jornalismo que for relevante, incómodo, ético e independente, chegará com agrado aos leitores. A opinião terá que ser identificada, mesmo com imperfeições, todos os dias, ainda que se pise o risco muitas vezes. São precisas boas ideias porque é isso que os leitores querem. Muitas vezes, as tarefas mais longas, que exigem redobrado esforço nas investigações, são os trabalhos que acabam por ser mais lidos, comentados e partilhados. Com base no digital passou a haver um prolongamento da vida, obrigando-nos contudo a ser mais exigentes.
Neste direito de opinar, também investigar e menos vezes noticiar, são já 52 anos desde o meu primeiro texto nos jornais, no já distante ano de 1964, reconhecendo ter leitores atentos aos mesmos, não querendo com isso significar que haja concordância, de todos, em tudo o que escreva. A pluralidade de opiniões deve sempre existir. Sendo certo que a crítica positiva é saudável, já a zombaria se torna detestável quando se escreve algo por ironia. Obviamente que este é um dos riscos da própria escrita.
Há dias deu-me para compilar tudo o que consegui reunir em encadernações sobre a minha envolvência com os jornais neste mais de meio século até janeiro deste ano: 476 crónicas, artigos de opinião e notícias em diversos jornais regionais e nacionais, boletins e revistas temáticas (mais de duas dezenas, devidamente assinaladas). Num registo também assinalei 177 referências na diversa imprensa, regional, nacional e espanhola sobre as minhas várias publicações (dez obras de âmbito monográfico) e eventos participados.
Na primeira década do meu contacto com os jornais (meados dos anos 60 e 70) a assiduidade era reduzida face às contingências da altura: a Internet não existia, a escassez de meios técnicos, a antiga máquina de escrever era a ferramenta dessa altura. Por outro lado, era ainda a vida de estudante e, depois, o longo serviço militar obrigatório. Mesmo aqui, deitei mãos à datilografia para uma ou outra página de jornal que tinham algumas unidades militares por onde passei, e que hoje me são nostálgicas.
Todos os artigos publicados em papel podem também ser lidos na Internet: facebook e blogue.
De defeitos e virtudes todos temos um pouco. Mas é cada vez mais difícil encaixar nestas categorias as caraterísticas com que somos confrontados no dia-a-dia. Certo e verdade é que não somos tão bons como pensamos nem tão maus como tememos. Mas também existe, nalguma escrita, muito bairrismo acéfalo, num menear de cabeça com base nas suas conveniências. E, como já escrevi em 2007, é uma honra e um risco escrever num jornal e quase nada é óbvio.
E ainda referi, que, para um grande número de pessoas, a primeira angústia a “escrever no jornal” fala de uma eventual falta de assunto, e onde encontrar a inspiração. A segunda ansiedade relaciona-se à exposição pública de ideias, onde ainda é corrente tirar vantagem de tudo o que ficar em cima do muro, não sendo fácil deixar de opinar sobre certos eventos, pessoas e assuntos. Uma das tribulações está ligada ao risco do engano, da ignorância e do mero erro humano, para já não falar nas gafes ou mesmo nas gralhas jornalísticas, pois se algo surge no jornal deverá ter um mínimo de veracidade, exigindo mesmo reflexão e investigação.
Há quem se agarre às letras como o desespero daquele que necessita de calafetar as frinchas por onde as ideias se escapam. Mas também ouvimos dizer que os colunistas interessantes não são aqueles que têm grandes ideias, mas aqueles que sabem maquilhar com estilo as debilidades do pensamento.
A este propósito surgiu nestes dias, em toda a imprensa portuguesa, um idiota “arquiteto-jornalista”, que publicou um livro tão de ridículo como de estúpido – “Eu e os políticos” – “O que não pude (ou não quis) escrever até hoje”, falando cobardemente da vida sexual e de intimidades, entre personalidades, mormente políticos, algumas das quais já falecidas. José António Saraiva (J.A.S.), de sua graça, despejou na lama as pessoas com quem falou aquando da sua atividade de jornalista. Algumas figuras que J.A.S. denegriu já foram referidas nos vários órgãos da comunicação social, mencionando algumas tristes passagens do abjeto livro, com essas personalidades.
No entanto, outro abécula que foi Primeiro-ministro em Portugal, estava quase predisposto a fazer a apresentação daquele livro sem qualidade alguma, sem o ter lido, o que não era de estranhar em Pedro Passos Coelho, o homem que quis ir “além da troika” sem conhecer o memorando da mesma.

Muito haveria para dizer mas o espaço do jornal é limitado e também já fui para além do mesmo; tão só referir que, não tendo adquirido o livro já o li porque um amigo quis fazer o favor de mo enviar para o meu e-mail. Pergunto, finalmente, como foi possível escrever 263 páginas dum livro sem qualidade alguma? Com a agravante do seu autor ter sido diretor dos jornais “Expresso” e “Sol”.

(In "fórum Covilhã", de 11-10-2016)

14 de setembro de 2016

GIROFLÉ, GIROFLÁ

Depois da saga de acontecimentos todos os anos, até aquele espaço temporal da silly season em que a inércia é rainha, quando chega a rentrée, mais não vemos que um já habitual déjà vu, nesta de estrangeirismos a que quase nos obrigam. Bem basta já o famigerado novo acordo ortográfico, quase imposto face ao sistema já instalado em muitos computadores.
Mas vamos à rentrée que é esta a sua altura, no mês de setembro. As máquinas partidárias afinam-se. Os movimentos sindicais retomam, em força, de suas razões. Há que aproveitar as circunstâncias. As férias terminam e o retorno ao trabalho é um facto. As escolas vão reabrir as suas portas aos novos e antigos estudantes.
A miudagem, que entra agora para a pré-primária, nem ainda compreende o mundo revolto que vai ter à sua frente, longos anos.
Para ela, a canção do Jardim da Celeste: – “Giroflé, giroflá. Fui lá buscar uma rosa. Giroflé, flé, flá”. E por aí adiante.
Sendo embora uma crise internacional, o que é certo e verdade é que muito se tem passado neste nosso país, do sul da Europa, que poderia ter sido evitado. Todos quantos governaram Portugal, em democracia, têm a sua dose de culpabilidade nos erros crassos cometidos.
Cumprem-se, duma forma geral, os períodos normais de governação do país, mas, paradoxalmente, as promessas feitas não chegam a ser concluídas. É quase sempre mais do mesmo. E, neste fado, já lá vão 42 anos após a Revolução dos Cravos.
Portugal, repleto de casos de dificuldades ao longo de toda a sua história, mesmo na época áurea dos Descobrimentos, não tem conseguido encontrar o antídoto para debelar não uma maleita mas toda uma situação mórbida de continuados anos.
O país, que não ardia antes do 25 de Abril, passou a ser pasto de chamas todos os anos na silly season. Procurou-se alterar o Código Penal, endurecendo as penas aplicadas? Não! Encontraram-se, durante os períodos de inverno, formas concretas de obrigar, mas obrigar mesmo à prevenção, vigiar e punir exemplarmente os prevaricadores? Mais um não!
E o país continua com as suas canções de embalar, se não o “Giroflé, giroflá”, as do saudoso Zeca Afonso: “Dorme meu menino a estrela d’alva. Já a procurei e não a vi. Se ela não vier de madrugada, outra que eu souber será pra ti. Õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ. Outra que eu souber na noite escura, sobre o teu sorriso de encantar, ouvirás cantando nas alturas, trovas e cantigas de embalar. Trovas e cantigas muito belas, afina a garganta meu cantor, quando a luz se apaga nas janelas perde a estrela d’alva o seu fulgor. Perde a estrela d’alva pequenina se outra não vier para a render. Dorme quinda a noite é uma menina. Deixa-a vir também adormecer. Õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ”.
E vamos continuando a ver o país a dormir. Entre tristes e ledas madrugadas há muitas mães deste Portugal na míngua, preocupadas com seus filhos de colo porque o leite ou a farinha se lhes acabou. Como há quem passeie de barriga cheia e não se aperceba, nem se preocupe que há verdadeiramente outras mães que sentem na pele o seu fracasso pela impossibilidade de não conseguirem dar melhor sorte aos seus filhos. Então preferem cantar-lhes, como que um bálsamo para as suas amarguras: “Quem tiver filhos pequenos sempre lhe deve cantar. Quantas vezes a mãe canta com vontade de chorar. Vai-te embora papão feio para cima do telhado. Deixa dormir o menino um soninho descansado. O meu menino é d’ouro. D’ouro é o meu menino. Ei-de levá-lo ao céu enquanto for pequenino”.
Há que acordar da letargia em que nos encontramos, deixando os interesses pessoais em favor do coletivo. Portugal, com quase nove séculos bem merece que já não lhe cantem as cantigas de embalar, mas antes surja aquela força do trabalho com alegria, sabendo-se que há justiça para todos.

Vale sempre a pena insistir.

(In "Notícias da Covilhã", de 2016-09-15)

13 de setembro de 2016

O MÊS DO DIABO

Foi prometido pelas hostes socialistas um “virar de página”. Do lado da cortina que os separa, pela banda da direita, não há hipótese de qualquer aragem. A geringonça é, para a direita, como os fogos a fustigarem as suas mentes. Parece que preferem manter a afirmação do famigerado ministro das finanças de então, Victor Gaspar, com o seu “enorme aumento de impostos”.
Que não quer dizer que tudo esteja a correr bem pelos caminhos da esquerda, onde a Padeira de Aljubarrota e o delfim de Cunhal vão dando algumas alfinetadas ao senhor Primeiro.
A rentrée está de volta. Terminaram as férias. E eis que chegou setembro – o mês do diabo. Foi em julho que o líder da direita, Passos Coelho, o dramatizou: “Gozem bem as férias que em setembro vem aí o diabo”.
Vêm os discursos habituais, de um lado e do outro das coordenadas que envolvem a Nação. Anuncia-se assim o regresso à ribalta política. E as provas de vida serão efetuadas, cada qual a seu jeito, ou, melhor, na defesa da “sua dama”. Passos Coelho defenderá a do diabo. Assunção Cristas também se situará nesta sombra. Já Jerónimo de Sousa certamente não deixará a oportunidade de fazer valer as reconquistas que não poderão retroceder. Igualmente Catarina Martins já se antecipara e deixou a sentença: “Nenhum passo atrás”.
Para afastar o demónio, socialistas e governo prometem um paraíso, ainda que passando pelo purgatório. Sempre é melhor.
O que é certo e verdade é que o país não passa da cepa torta. Vive, mais ou menos como nas últimas duas décadas, titubeando. Continua sem vida para lá do défice.
Mas a minha revolta, a nossa indignação, é na certeza de que já não é na nossa geração que vamos encontrar o termo destes conflitos. Vamos ter que os aturar até ao fim dos nossos dias. Afinal, onde estão os homens sábios, e as mulheres, como a história de Portugal sempre apregoou, para os destinos de glória deste Portugal de hoje? Não há sapiência para sanar o vírus purulento que se apoderou deste espaço territorial mais ocidental da Europa.
Desde há anos, mais acentuadamente deste 2006, que tenho manifestado na comunicação social o meu inconformismo por este estado de coisas. E, quando algo parecia mais bem orientado, eis que surge o maldito diabo, esse sim, do chico espertismo, principalmente de quem deveria dar o bom exemplo. O povo português, que já não é ingénuo, e mesmo os poucos iletrados, já os conhecem.
Apesar de a economia não estar a crescer, segundo os dados do 2.º trimestre deste ano, o desemprego está a diminuir. No último semestre, o desemprego diminuiu mesmo consideravelmente, o que não acontecia há sete anos.
Ainda que não ao ritmo desejável, os portuguese têm agora maior rendimento disponível.
Não sabemos se a razão existe para os lados de Passos Coelho em duvidar que vamos falhar a meta do défice. Como também não temos razões para duvidar da garantia de António Costa de que o défice vai ficar abaixo do 2,5%.
Entretanto, o Presidente Marcelo vai apaziguando e mostrando o seu sorriso no acompanhamento das situações governamentais. É exatamente o contrário do seu antecessor, de má memória, diga-se.
Pois é, e não obstante a crise, a maldita crise, continuamos a ver o país a arder. Num ano em que foi dos que mais choveu. Nessa altura, das chuvas, nos sentíamos a respirar um pouco de alívio, porquanto há já uns anos que não tínhamos a deflagração de tantos incêndios. Veio o calor, e, num ápice, eis que tal sina transformou o país no de maior zona ardida em relação a toda a União Europeia.
Ainda que continue o calor por algum tempo, nesta rentrée, o verão irá terminar. E também irão acabar as preocupações por mais incêndios. Os hectares de florestas, as casas ardidas, e o esforço dos bombeiros e de muita gente anónima vão também ser olvidados, como sempre.

Medidas atempadas a tomar? Para o próximo ano, quando regressarem os incêndios, os discursos, as decisões que não foram tomadas, as indignações, e as perdas, face a novos incêndios, serão mais um facto. Por que será?

(In "fórum Covilhã", de 2016-09-13)