Nesta quadra natalícia vamos ter
oportunidade de fechar o ano 2019 com o último número desta publicação, como já
vem sendo habitual. Fazemos uma reflexão de muitos natais que foram passados pelos
antigos Combatentes, no teatro bélico, tenham eles sido provenientes da I
Grande Guerra ou das Guerras Coloniais.
Sobre estes últimos, sentimos
na proximidade a vivência desses dias de natais, melancólicos, duma nostalgia
contida, lacrimejantes.
Felizmente que, para alguns, a
sorte bafejou-os no âmbito das lutas entre irmãos em guerra, tendo ficado
destacados em posições estratégicas de segurança. No entanto, sempre ficou a saudade
da família na longitude dos mares, a anos de espera para o abraço da chegada
feliz, quantos a ela tiveram a dita de o conseguir, pois não viria contemplar
todos.
E porque estas guerras
fratricidas terminaram com o 25 de Abril de 1974, a nossa reflexão insere-se no
período compreendido entre 1914 e 1974, ou seja, de seis décadas.
São referências a alguns eventos
surgidos nesta periodicidade.
Se nos reportarmos ao ano 1914,
foi o início da I Guerra Mundial. As luzes do esplendor, que indicavam um
futuro soberbo, foram subitamente apagadas, com o assassinato em Sarajevo, do
herdeiro do trono austríaco, o arquiduque Francisco Fernando. Este incidente
mergulhou, sobretudo a Europa, numa guerra sem precedentes, que viria a
convocar para a frente de combate, durante os quatro anos do conflito, cerca de
65 milhões de homens oriundos de mais de vinte países. Foram quatro natais
vividos sob o fogo da I Guerra Mundial.
Em 1919 foi a revolta na
América Latina, com a morte de Zapata. No México viveram-se natais de
instabilidade, desde a demissão, em 1911, do governo absolutista de Porfírio
Diaz. Solidifica-se o movimento do campesinato índio liderado por Emiliano
Zapata, que faz da Terra e Liberdade palavras de ordem para o seu projeto de
libertação. O então novo governo mexicano operou reformas agrárias e fez
aprovar uma constituição socialista. O movimento Zapatista, porém, continuou
insatisfeito e o conflito manteve-se. No Natal de 1919, o México chorava a
morte de Emiliano Zapata – o primeiro herói da América Latina do século XX.
Em 1926 Portugal entrava na
era da ditadura militar. Este golpe, que visava aniquilar a I República
demoliberal, iniciou-se em Braga e depressa se estendeu às restantes cidades
portuguesas. O Natal de 1926, em Portugal, foi o primeiro de muitos que viriam
a constituir a época do Estado Novo.
O Natal de 1927 foi marcado
pelo “Cantor de Jazz”. A primeira longa-metragem com palavras faladas
estreou-se em Nova Iorque em 1927 e fez a delícia das plateias de todo o mundo.
Estava, definitivamente, aberta a era da 7ª Maravilha do Mundo.
Em 1933, Adolf Hitler, com a
vitória eleitoral dos nazis, é nomeado chanceler do Reich. Apostado em fazer
emergir a Alemanha das imensas humilhações a que havia sido submetida, promete
aos alemães obrigar o mundo a reconhecer a supremacia da raça germânica. No
Natal de 1933, a maioria dos alemães acreditava na melhoria das condições de
vida. Neste mesmo Natal, a maioria dos alemães estava longe de perceber o
pesadelo que o novo chanceler iria representar para toda a humanidade.
Em 1941, a obsessão pela
supremacia da raça ariana levou a anos sem fim de perseguição aos judeus. Nesse
ano, quando ainda pairava no ar o espetro da I Guerra Mundial, Hitler ordenou a
invasão da União Soviética, marcando o início da II Guerra Mundial. Os
conflitos deram-se por terra, mar e ar e envolveram quase todos os continentes.
Foram, sem dúvida, os natais mais tristes do século XX, sendo mesmo os de toda
a história da humanidade.
Em 1944, seria o Dia D. As
forças aliadas desembarcaram na costa da Normandia com uma única missão: acabar
com o domínio nazi na Europa. Foram precisos 4 mil navios e 10 mil aviões para
cumprir tal objetivo. O Natal de 1944 marcou, pois, o princípio do fim das
ambições da supremacia ariana.
1945, a bomba atómica. Em
Hiroshima, o exército americano deixou cair a primeira bomba atómica.
Calcula-se que tenham morrido cerca de 100 mil pessoas e foram dezenas de
milhares de mutilados. Três dias depois, uma bomba igual explodiu, por ordem
dos americanos, em Nagasaki. Com a inevitável rendição do império do Sol
Nascente e com o suicídio de Adolf Hitler, assinalou-se o fim da II Guerra
Mundial.
O Natal de 1947 foi de glória
para Portugal. A seleção nacional de hóquei em patins venceu, pela primeira
vez, o campeonato do mundo. Um título reconquistado nos dois anos seguintes.
No Natal de 1948, o Mundo
chorou a morte de Mohandas Gandhi, por assassínio – o homem que tudo fez para
acabar com a intolerância religiosa, acabando por ser vítima dela.
Em 1959 foi a revolução cubana.
Pela boca de Fidel de Castro saíram as palavras de ordem: “Pátria ou muerte.
Venceremos.” No Natal deste ano o mundo assistiu ao virar de costas entre Cuba
e os Estados Unidos, originando um conflito que perduraria durante muitos anos.
Em 1961, iríamos assistir à
divisão da Alemanha. A construção de um muro que dividia a parte ocidental de
Berlim, da parte comunista, com o objetivo de acabar com o êxodo de alemães de
Leste para o Ocidente, fez com que o Natal de 1961 de numerosas famílias alemãs
fosse vivido entre a revolta e a saudade dos familiares que ficaram para lá do
muro da vergonha.
No ano de 1962 foi a estranha
morte de Marilyn Monroe. A imagem do vento a soprar sobre ela ainda persiste na
memória de todos nós. Marilyn Monroe é um dos mitos do século XX. Foi
indubitavelmente uma das pessoas mais fotografadas. Entre Hollywood e Nova
Iorque- Ela provocava o mundo. Entre homens da sua vida, dizem encontrar-se o
então Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy. Em 1962, a morte estranha de
Marilyn foi, certamente, um dos temas de conversa da noite de Natal.
Já o Natal de 1963 foi de luto
para os americanos que viram seu mais jovem Presidente, John Fitzgerald Kennedy,
ser brutalmente assassinado, aquando de uma visita oficial a Dallas.
Em dezembro, no Natal de 1968,
o mundo ainda pensava nos acontecimentos de maio em França. Foram noites de
barricadas, manifestações e greves convocadas pelos estudantes, às quais se
juntaram trabalhadores e a população em geral. A França paralisou. O general De
Gaulle tremeu, mas não caiu e o mundo assistia, comovido, à força da união das
vozes que gritavam contra as garras do capitalismo.
No Natal de 1969, o mundo
ainda não acreditava. Neil Armstrong, a bordo da missão espacial Apolo II,
chegava à Lua e, entre passinhos pequenos, protagonizou o maior passo da
humanidade ao colocar a bandeira americana no solo lunar.
E chegávamos ao Natal de 1974,
com a conquista da liberdade. O Movimento das Forças Armadas organizou um golpe
de Estado em Portugal para pôr fim ao Estado Novo. Marcelo Caetano foi afastado e iniciou-se a
era da liberdade e democracia. Neste Natal, os portugueses estavam ainda
completamente embriagados pelas comemorações do 1º de Maio, pelas sucessivas
manifestações populares que a liberdade não só garantia, como também
estimulava.
E assim terminou também a
guerra nas Colónias, estas então designadas Províncias Ultramarinas. Já a
guerra nas Colónias, entre os povos africanos, sob dominação portuguesa, chamava-se
a Guerra do Ultramar.
Encontramo-nos, felizmente,
neste Natal de 2019, em liberdade.
Votos de um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo.
(In "O Combatente da Estrela", nº. 117, de dezembro de 2019)