11 de dezembro de 2020

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA - JOSÉ REIS CARIANO

 

Natural de Malpique, freguesia de Caria do concelho de Belmonte, o seu nascimento ocorreu no dia 2 de setembro de 1933.

Tendo vivido a sua infância antes da II Grande Guerra, o mesmo já não iria acontecer com a sua adolescência que passaria por esse malfadado tempo. Embora tivesse a indústria laneira ali perto, na Covilhã, com os seus altos e baixos duma industrialização ainda pouco adiantada, seria com seu pai, na agricultura, que ocuparia os seus primeiros tempos até aquela juventude que o chamaria a cumprir o serviço militar.


Assim, foi incorporado no Batalhão de Caçadores 2, na Covilhã, em 1954, altura em que nessa altura se atingia a maioridade, então aos 21 anos.

Surgiriam, entretanto, convites para Companhias de Caçadores Especiais. Reis Cariano acabaria por fazer concurso para Furriel, em cuja categoria seria promovido em fevereiro de 1960. Estas Companhias foram formadas no Batalhão de Caçadores 5, em Campolide, sendo que, em abril de 1960, foram para o Centro de Operações Especiais de Lamego.

Tendo regressado ao Batalhão de Caçadores 5, com recrutas para os juramentos de bandeira nos dias 3 e 4 de junho, viria a embarcar para Angola no dia 6 de junho de 1960. A sua Companhia – Companhia de Caçadores Especiais – foi para o Norte de Angola, localizada no Toto, fazendo aquela área de Ambrizete, Tomboco, Bessa Monteiro, Noqui (que fica na fronteira com a República Democrática do Congo), na margem esquerda do Rio Zaire.

No Toto esteve cerca de 15 meses; daqui foi para Malange e, com o seu pelotão, durante um mês, esteva em Mussende. Era então já Furriel do Quadro Permanente.   

Regressou a Portugal em agosto de 1962, depois de, na sua missão situada nos primeiros tempos da guerra colonial, várias vezes ter sido atacado, principalmente em emboscadas. Entretanto, a seu pedido, foi colocado na 1ª Companhia Disciplinar em Penamacor, onde esteve até 1965.

A partir daqui, foi mobilizado para Moçambique, tendo sido colocado numa Companhia de Caçadores em Inhambane, que por sinal era uma Companhia de Caçadores de indígenas. Passados 4 dias, saiu da Companhia com o seu pelotão e foi colocado em Vilanculus, onde fizeram patrulhamentos a diversas populações, tendo aqui estado durante seis meses, regressando a Inhambane, onde cumpriu o resto da Comissão. Regressou então a Portugal em fevereiro de 1967, sendo colocado na Guarda, no Regimento de Infantaria nº. 12 (RI 12), com o posto de 2.º Sargento do Quadro Permanente.

Surgiria nova mobilização para Moçambique, desta feita em agosto de 1967, indo formar batalhão no antigo Regimento da Amadora. Depois de formado embarcou para Moçambique no dia 4 de janeiro de 1968, sendo o batalhão colocado em Mocimboa da Praia, no Norte de Moçambique. Aqui esteve 18 meses. Entretanto o batalhão foi deslocado para Montepoez, regressando a Portugal em fevereiro de 1970.        

Foi colocado novamente no RI 12 onde esteve até agosto de 1971. Neste ano voltou a ser mobilizado, agora para Angola, sendo colocado numa Companhia em Aldeia Viçosa – Quitexe, onde esteve cerca de 15 meses, então já como 1.º Sargento do Q.P. Passados 15 meses regressou a Luanda onde fizeram a Comissão Liquidatária da Companhia, sendo colocado, para completar a Comissão, na chefia dos Serviços Religiosos do Exército. Regressou a Portugal em setembro de 1973, sendo colocado, a seu pedido, na Companhia Disciplinar de Penamacor, onde esteve cerca de quatro meses, sendo transferido novamente para o RI 12, na Guarda, onde esteve até agosto de 1975. Nesta data, embora já depois do 25 de Abril de 1974, mas ainda antes da independência de Angola, foi novamente mobilizado para Angola, indo formar batalhão a Évora, tendo embarcado no dia 6 de setembro de 1975 e sido colocado numa Companhia dum batalhão que já lá se encontrava.

Regressou de Angola no dia 6 de novembro de 1975, cinco dias antes da independência, tendo ficado em Lisboa, no Batalhão de Caçadores 5 a fazer a Comissão Liquidatária da Companhia, onde esteve até fevereiro de 1976. A seu pedido, foi novamente para a Companhia Disciplinar de Penamacor, onde esteve durante oito meses, indo novamente para o RI 12, na Guarda.

Em 1978 foi para a Amadora, para a Academia Militar, para frequentar o Curso para Sargento-Chefe, findo o qual regressou ao RI 12. Em agosto de 1980 foi colocado no Batalhão de Caçadores 6, em Castelo Branco. Em agosto de 1982 foi transferido para o Batalhão de Apoio de Serviço da Brigada Independente, em Santa Margarida, já com o posto de Sargento-Chefe. Em agosto de 1984, já como Sargento-Mor, foi convidado para ir para o gabinete do Ministro da Defesa, Prof. Mota Pinto. Passou, entretanto, à situação de reserva em junho de 1986.

Durante todo o período por que passou, quer em Angola quer em Moçambique, teve momentos de ter baixas nas forças que comandava, mas, no fundo, saldou-se por regressar são e salvo e sem outros problemas de maior. Sempre foi um pouco cauteloso pelo que não se metia em aventuras que lhe ocasionassem perigo, nos períodos de descanso.

É casado e tem uma filha, advogada em Lisboa, tendo-se radicado na Covilhã.

(In "O Combatente da Estrela", Nº. 121 - Dezembro 2020)

GRITAR FOGO NUM TEATRO CHEIO

Os tempos que correm, a caminho do Natal, não se encontram famosos. Nada mesmo! Jamais alguns de nós ainda viventes passou por esta situação. Faz recordar os tempos dos nossos Combatentes, ausentes em terras ultramarinas de então. Havia a esperança de passados uns meses surgir o abraço dos entes queridos que se deixaram forçosamente na Metrópole. E umas mensagens via RTP e Emissora Nacional serviam para um pequeno lenitivo de verem os seus envergando a farda, com vida, ou ouvirem as suas vozes. Que, de doenças, também havia por aquelas paragens o paludismo.  E outras mais. Medo também existia que a qualquer momento pudesse surgir o inimigo. Traiçoeiramente, quando menos se contava, no surgir do rebentamento de uma mina, numa emboscada, e em tantas situações por muitos dos nossos Combatentes já narradas. Mas a que os senhores da Governação do País de então tentavam olvidar. Enquanto calejavam no rabo os efeitos do sedentarismo nas suas secretárias, já outros compatriotas, onde o humanismo para eles, governantes, era palavra vã, sentiam os efeitos perniciosos que, talvez a falta de uma vírgula num ofício que para retificação voltava para trás, deixava por terra, na sua morosidade de vir um helicóptero, o ferido que haveria de sofrer as consequências nefastas para toda a vida.

Se nessas famigeradas décadas  de início de 60 e meados de 70 tudo se passou numa guerra em que se conhecia o inimigo, o mesmo não acontece nos dias de hoje, em que o inimigo é invisível, e nem a balística consegue encontrar uma solução. Os beijos e abraços tão queridos dos familiares e amigos, possíveis em tempos bélicos aquando dos militares regressados, são agora uma palavra de ordem pelas forças sanitárias no seu afastamento para tentar debelar este inimigo invisível, em que não há armamento adaptado para o solucionar.

É indubitável que epidemias, pestes e pandemias sempre houve desde a Antiguidade, e na sua maioria ainda não se extinguiram na sua globalidade, com adaptação, das procuras de cura, aos tempos no âmbito dos seus conhecimentos e dos que foram adquirindo.

Se as duas anteriores Guerras Mundiais se encontraram nas mãos dos Homens, como tantas outras da História, o mesmo já não acontece com esta Pandemia, uma autêntica Guerra Mundial com foros de um único inimigo, invisível e minúsculo, que nem as forças em Exército Comum conseguem debelar.

Há que ter consciência, pois, dos deveres que competem a todos nós, cidadãos deste Planeta, para assumirmos o manejar das mesmas armas, de todos sobejamente conhecidas, e não darmos o corpo às balas, atrevida e irresponsavelmente, como vemos muitos por essas ruas das cidades, vilas e aldeias. O atrevimento do não cumprimento das regras sanitárias, geralmente paga-se caro, e fazem pagar de idêntica moeda o seu semelhante mais próximo.

O Mundo, não obstante esta tragédia virulenta que o tem abalado, já antes vivia os temores e indignação pela forma como, à face da Terra, surgiu no comando dos destinos do país que ainda é considerada a maior força mundial, um homem sem escrúpulos, qual Nero, a lançar uma sementeira de ódio, narcisismo, incompetência, mentira sem escrúpulos e arrogância suprema.

Felizmente que se o que estava em causa era antes uma oposição entre a verdade e a mentira, entre a democracia e a autocracia, entre a apologia dos direitos humanos e a sua corrupção, uma disputa entre cooperação multilateral e a extinção da ordem global das últimas décadas, o agora derrotado Donald Trump que revelou do princípio até ao fim um desdém absoluto por esse código de valores, saiu de cena.

O Mundo ficou aliviado!

Teremos, pelo menos, que mais não seja, neste Natal, Joe Biden, que embora receba uma América com um somatório tremendo de crises, numa tarefa hercúlea que se adivinha, a ter que reverter muito do que o seu antecessor fez duma forma perniciosa para o Mundo.

Conforme disse um juiz do Supremo Tribunal dos EUA, num caso apreciado em 1919, sobre liberdade de expressão, é “causar pânico ao gritar fogo, sem haver fogo, num teatro cheio”. Foram estas as circunstâncias, a América “em que Trump atacou os fundamentos da democracia, a paz social e a própria união ao descredibilizar os votos que não o favoreceram, os estados e cidades que não votaram nele, o seu opositor e o partido democrata, nomeando-os como fraudulentos, como responsáveis por lhe roubar a eleição, como inimigos. Isso é ou não gritar fogo num teatro cheio?”.

Na esperança que possamos ver dissipar-se, ou pelo menos atenuar-se, esta pandemia que nos assola, vão os votos de um Feliz Natal de 2020, dentro do que nos for possível, e que o ano 2021 possa ser o fim desta pandemia, votos estes para todos os Combatentes, e não Combatentes, Dirigentes, Associados, Leitores e Amigos, no âmbito deste Núcleo, e suas Famílias, para que possam ver aquela Luz que todos desejamos – PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE!

(In "O Combatente da Estrela", nº 121 - Dezembro 2020)


9 de dezembro de 2020

O JUIZ ESCRITOR

 Tal como Miguel Torga, Fernando Namora ou António Lobo Antunes, que foram médicos e tiveram a sua notoriedade na escrita, com obras de grande relevo, também outros, de atividades não clínicas, se enobreceram com a mesma. Não só a arte de saber escrever e a eloquência são suficientes para trazer aos amigos da leitura aquelas páginas que nos fazem deliciar no tempo. Por detrás está sempre um grande trabalho de pesquisa, no respeito pelas regras autorais, num banhado interesse pela causa que se quer absorver para transpor da porta para o público. Porque, no óbvio, ninguém escreve exclusivamente para si ou para meter na gaveta. E, por vezes, nem sempre a inspiração surge quando se pretende, mormente naquela idade em que se abeira o déficit cognitivo, ainda que temporário. Por isso, não é fácil escrever como alguns pensam, mas para o escritor é atraente como íman.

Depois de me embrenhar nas interessantes recolhas, quais telenovelas que possuo em recortes de todos os semanários desta Região, e por via das suas publicações no Facebook (muito importantes para o conhecimento de quem pensava que o que se ouvia falar não passava de palavras vãs), e de ter lido, numa avidez, o livro “Estórias de Um Arquivo Judicial – A Grande Devassa – 1820 – 1920” não podia deixar de manifestar a minha grande admiração e respeito, como sempre o tenho feito pessoalmente, pela coragem do lousanense, mas covilhanense pelo coração, José Avelino Gonçalves, Juiz Presidente da Comarca de Castelo Branco.

Quem tem acompanhado as interessantes estórias judiciais, de há um século (algumas de que ouvíamos falar) de figuras da Covilhã e Região, que jaziam no pó dos sótãos dos Tribunais, mormente o da Covilhã, publicadas pelo Dr. José Avelino Gonçalves, nos semanários da região, conforme já referi, não pode ficar indiferente ao conhecimento de que ficamos detentores ou mais esclarecidos nalgumas dúvidas.

Algumas dessas estórias vieram trazer-me uma complementaridade de conhecimentos que não consegui obter na altura, como o caso do “Incêndio da Mineira”, ocorrido em 1907, e que se insere no livro que publiquei, em dois volumes, em 2004 – “Vida e Obra dos Bombeiros Voluntários da Covilhã”. Proporcionou-me o Dr. Avelino Gonçalves consultar o processo judicial desse terrível incêndio, por fogo posto, em que houve mortes, mas confesso que me foi difícil consultar os três volumes, por força de muitas das páginas se encontrarem já pouco legíveis face ao tempo decorrido. Por aqui se infere o quão difícil e moroso não foi para o autor das “Estórias de Um Arquivo Digital”, torná-las público, em que só com grande empenho, sacrifício e amor à causa literária para transpor para o público, se deve. Não fôra a sua vontade de não deixar permanecer em arquivo morto tão importante acervo mas dá-lo a conhecer aos interessados, ficaríamos sem o conhecimento de tão importante obra.

Um segundo volume está em preparação e será tão bem, ou mais, acolhido que o primeiro, tal o interesse manifestado pelo seu trabalho de excelência.

É pena que o Dr. Avelino Gonçalves vá terminar a sua comissão de serviço de Juiz Presidente da Comarca de Castelo Branco em 31 de dezembro e regressar ao Tribunal da Relação de Coimbra, onde pertence. No entanto, como covilhanense pelo coração, em cuja Cidade viveu muitos anos e lhe nasceram as filhas, uma das quais, a Cláudia, arquiteta, foi a ilustradora da interessante obra já aludida, ficará na amizade de muita gente que a simpatia e singeleza do seu trato deixou em todos.

Festas Felizes.

(In "Notícias da Covilhã", de 10-12-2020)

ANO 2020 - A DIVINA COMÉDIA

 

Não, não me quero contextualizar na obra de Dante Alighieri, nos seus poemas épicos na alegoria ao Inferno, Purgatório e Paraíso. Nem tão pouco situar-me na Idade Média, para o mesmo efeito, quando os três livros de Dante, do âmbito referido, podem muito bem afigurar-se em muitos eventos ocorridos, na Idade Contemporânea, nos séculos XVIII, XIX, XX e XXI. Vejamos alguns exemplos:

No século XVIII, a Revolução Francesa, as Guerras Napoleónicas e a Revolução Industrial; no século XIX, a Independência do Brasil, Neocolonialismo, Conferência de Berlim, Partilha de África, Guerra Civil dos Estados Unidos, Unificação da Itália, Unificação da Alemanha; no século XX, Primeira Guerra Mundial, Revolução Russa, Crise de 1929, Modernismo, Comunismo, Fascismo, Nazismo, Guerra Civil Espanhola, Segunda Grande Guerra, Conflito Árabe-Israelita, Guerra Fria, Descolonização da África, Revolução Cubana, Revoluções de 1989, Dissolução da URSS, Consolidação e Expansão da União Europeia, Globalização. Já no século XXI, temos, por exemplo, a Guerra ao Terrorismo, a Revolução Digital, a Grande Recessão, a Primavera Árabe, a Guerra conta o Estado Islâmico e a Pandemia COVID-19.

Tendo em conta este ano de 2020 severamente atípico, jamais sentido pelas atuais gerações, de análogo somente o que a história nos reza. De maior semelhança, o que grassou pelo mundo foi há um século. Jornais com relatos daquela vivência, e alguns vídeos, sobejam pelas redações jornalística, pelas bibliotecas, e por via da Internet. Mas, destas narrativas, foi o maior tema de muitos de nós neste milénio de dois mil, acrescido de duas décadas em número redondo, depois de Cristo.

Este ano que ficará de triste memória, as fake news vieram acrescentar algo mais à perplexidade que já existia em muitas mentes, na sua forma de atuar em várias vertentes das suas vidas. Em quem confiar?

Este mesmo ano que vai terminar, sem saudade, fez avivar aquela força indómita de quem serve, com assaz mérito, por via das suas atividades profissionais, os que de si dependem as próprias vidas, e, para muitos, o lenitivo nas suas aflições hospitalares. Para um formigueiro de gente, a marca vincada dum voluntariado fervoroso da solidariedade, reforçada, inventando e reinventando-se em modos de suprir dificuldades dos agonizantes na fome, e não só. Há anjos que no caminho do Céu se encontram na Terra. Também outros souberam, tanto quanto lhes foi possível, agarrar com forte empenho a mais pequena oportunidade de prover às necessidades do pecúlio que, entretanto, se lhes dissipou.

Como habitualmente, neste Planeta ocorrem fortes alterações climáticas, muito por culpa do bicho-homem, ou outras catástrofes, a que 2020 não ficou indiferente.

Se logo no primeiro dia do ano surgiram mortes e deslocados devido a inundações repentinas na capital da Indonésia, no segundo dia foram os grandes incêndios na Austrália, contrastando entre a água e o fogo. O nosso país também sentiria algumas dessas nefastas fases que ocorrem no tempo. Depois os assassinatos e acidentes por via da política mundial (caso das mortes do general iraniano e do comandante iraquiano, pelos EUA) e as 176 mortes por engano do míssil iraniano. Em 11 de janeiro a China reportava a primeira morte causada por Pneumonia viral causada por novo coronavírus e espalhar-se-ia por todos os cantos do Mundo até aos dias de hoje. Fevereiro, o mês em que os Estados Unidos e Talibã assinaram um acordo que estabelece uma estrutura para finalizar a guerra no Afeganistão. Março, com a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar como pandemia a doença do surto do novo coronavírus no mundo. Abril, com o ciclone Harold a atingir as Ilhas Salomão, Vanuatu, Fiji e Tonga, matando dezenas de pessoas. Maio, a trazer-nos astrónomos a anunciarem a descoberta do primeiro buraco negro localizado num sistema estelar visível a olho nu. Junho, consegue a China, entre protestos, aprovar a lei de segurança nacional, ignorando o Conselho Legislativo de Hong Kong. Julho, o lançamento da missão Perseverance da Nasa para estudar a habitabilidade de Marte em preparação para futuras missões humanas. Agosto, com Israel e os Emirados Árabes Unidos a conciliarem-se através dum tratado de paz para normalizar as relações entre ambos os países; e África é declarada livre da poliomielite selvagem, o segundo vírus a ser erradicado do continente desde a varíola, 40 anos antes. Setembro, dá-nos conta que que astrónomos relatam a deteção de fosfina, uma possível assinatura da vida orgânica, na atmosfera de Vénus.  Outubro, reporta que foram anunciados os laureados de 2020 com Nobel de Fisiologia e Medicina, Física, Química, Literatura, Paz e Ciências Económicas. Novembro, logo no segundo dia, tiroteios em Viena, Áustria, matando cindo pessoas e ferindo mais de quinze. No dia seguinte, o Furacão Eta atingia a Nicarágua como furacão de categoria 4, matando mais de 200 pessoas. No dia 7 deste mês, Joe Biden vence a eleição presidencial, enquanto Kamala Harris elege-se a primeira mulher vice-presidente dos Estados Unidos.  No automobilismo, Lewis Hamilton sagra-se campeão mundial de Fórmula 1 pela sétima vez. O SpaceX Crew-1 é lançado com quatro astronautas. No dia 25, a “divindade” do futebol mundial, argentino Diego Maradona, morre aos 60 anos. Mas, já antes, em Portugal, no dia 11, morria o Arquiteto Paisagista e antigo Ministro de Estado e da Qualidade de Vida, Gonçalo Ribeiro Teles.  Dezembro, é altura de o endeusado Donald Trump; que na sua comédia de quatro anos à frente dos destinos dos Estados Unidos da América enfureceu o Mundo; deixar os seus “divinos” palanques dourados, e reconhecer que não é nenhum profeta, nenhum faraó, nenhuma divindade, e que as mentiras que não conseguiu vomitar do seu interior, não foram o suficiente para fazer eliminar a democracia, mas mancharam a sua integridade na pequenez do seu caráter.

Neste 1º de dezembro respeitado, novamente entre os Portugueses, símbolo do fim da opressão estranja, do regresso à independência de Portugal, com a sua restauração, vai a nossa esperança para que, também neste Natal diferente possa haver entre as famílias, das formas mais bem conseguidas, saúde, paz e amor. Ainda no dia 1 de dezembro, o beirão Eduardo Lourenço, professor, filósofo, escritor, crítico literário, ensaísta, interventor cívico, várias vezes galardoado e distinguido, um dos pensadores mais proeminentes da cultura portuguesa, falecia em Lisboa, aos 97 anos.

Um final de ano, com o Natal fora do normal e Ano Novo presumivelmente sem festas, desafiando-se o presente e pensando-se no futuro, com o regulador britânico a aprovar a vacina Pfizer após “análises rigorosas”. À data de 2 de dezembro o número de infetados pelo novo coronavírus já ultrapassava 63,8 milhões no Mundo, com 1,4 milhões de mortes e 41 milhões de recuperados da doença. Mas haveriam de existir os “comediantes” presidentes da Hungria e Polónia a manterem o bloqueio à “bazuca” de apoios da União Europeia; de Boris Johnson com o Brexit por resolver e de vários atores hilariantes no orçamento português para 2021. Também neste ano houve mais mortes e menos nascimentos, registando Portugal o maior saldo natural negativo do século.

Mantenhamos a esperança para que no próximo ano nos possamos ver livres das correntes pandémicas que ainda nos afetam. E seria bom que a lição ficasse bem descortinada em todos nós.

Festas Felizes!

(In "Jornal fórum Covilhã", de 09-12-2020)

18 de novembro de 2020

A MONTANHA MÁGICA

 

É um livro escrito por Thomas Mann em 1924. Um dos romances mais influentes da literatura mundial do século XX que contribuiu para conquistar o Prémio Nobel de Literatura em 1929. Começou a escrevê-lo em 1912, no mesmo ano em que sua mulher Katharina Mann (Katia) foi internada num sanatório de Davos na Suíça, para se curar de uma tuberculose. O livro teria sido inspirado nesse episódio.

A grande ligação germânica às epidemias dos séculos XIX e princípios do século XX vem-nos através da ficção. E essa pertence a Thomas Mann, no seu livro A Montanha Mágica, cuja epidemia que retrata é a tuberculose. Já quanto ao tempo manifesta-se anterior à Grande Guerra, período antes da invenção dos antibióticos para curar o mal, e da BCG para o prevenir. É o tempo em que os infetados iam “a ares”.

Mann estudara detalhadamente a doença e as suas terapias. Os Raios X tinham sido descobertos mas os tratamentos preventivos e curativos demorariam ainda mais de um quarto de século a chegar. Por isso, na época, o receituário eram os ares da montanha e a alimentação saudável.

A Guerra que ia começar anunciava o fim das montanhas mágicas.

Thomas Mann sabia que retiros como o Berghof eram um típico fenómeno pré-guerra e que a sua Montanha Mágica era o canto do cisne de um mundo em que os infetados privilegiados podiam viver anos em sanatórios, à custa dos rendimentos, enquanto os infetados menos abonados morriam a trabalhar nas fábricas, nos hospitais, nos lazaretos das cidades.

Do pouco desta descrição da obra de Thomas Mann se pode fazer uma reprodução para Portugal e Madeira, com base na altitude, encontrando-se aqui essas montanhas mágicas. A Serra da Estrela, a Guarda, o Caramulo e o Funchal aí estão na sua evidência.

Em 1854 Francisco António Barral publicava o primeiro trabalho científico português “sobre o clima do Funchal e a sua influência no tratamento da tuberculose”. Os benefícios do arejamento, do repouso e da alimentação no tratamento da tuberculose, que então ganhavam foros científicos, tinham já encontrado na Ilha da Madeira um local de eleição. Aqui foi construído o Hospital Princesa D. Maria Amélia, “destinado a tratar doentes afetados de tísica e outras moléstias pulmonares crónicas, que ainda possam ter esperança de melhora”, tendo sido inaugurado em 1862.

Mas só quando, entre 1881 e 1883, a Sociedade de Geografia de Lisboa promoveu Expedições Científica à Serra da Estrela, animadas, entre outros, pelo médico Sousa Martins, se começaram a estudar as condições da região com o objetivo de “fundar nela sanatórios para tratamento da tuberculose pulmonar, à semelhança dos da Suíça”.

José Tomás de Sousa Martins estudara Farmácia e depois Medicina, e, em pouco tempo, ascendera à cátedra na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Era sócio da Academia das Ciências de Lisboa e médico da Real Câmara de Suas Majestades e Altezas. A cura da tuberculose, de que viria a ser vítima, foi a luta da sua vida.

Sousa Martins e o colega Lopo José de Figueiredo Carvalho tinham viajado até Davos e Saint Moritz, na Suíça, de onde voltaram maravilhados com os resultados benéficos que o ar puro da montanha trazia aos doentes tuberculosos.

O empenho de Sousa Martins na divulgação dos benefícios das condições climatéricas e da altitude para a cura da tuberculose teve um enorme impacto público. Assim, muito antes de ali surgirem os primeiros hospitais-sanatórios, começaram a afluir à Guarda e à Serra da Estrela inúmeros tuberculosos. Mas a grande concentração de tísicos, hospedados em casas particulares e nos poucos hotéis da zona, onde doentes e sãos se alojavam num mesmo espaço, gerou um cãos epidemiológico, obrigando as autoridades sanitárias a impor um registo de entradas de doentes nos hotéis e a prescrever a desinfeção das casas onde os tísicos pernoitassem. Foi mais uma razão para que Sousa Martins se batesse pela criação de um Sanatório. Entretanto, este veio a falecer e o Sanatório Sousa Martins, na Guarda, sonhado por ele e projetado por Raul Lino, só seria construído depois da sua morte, por ação do amigo Lopo de Carvalho. Com a ajuda do médico da rainha, D. António de Lancastre, o Dr. Lopo de Carvalho criou a Assistência Nacional aos Tuberculoso, a fim de reunir os fundos necessários à construção do Sanatório da Guarda, de que seria o primeiro diretor. Foi inaugurado em 18 de maio de 1907, com a presença do rei D. Carlos e da rainha D. Amélia.

E foi tal o afluxo de tísicos, que os três pavilhões do Sanatório se encheram rapidamente. E com lista de espera. E ainda o “parque da saúde” não abrira portas, e já restava um chalet por ocupar. Os ricos já todos tinham garantido lugar para poderem “ir a ares”.

No Sanatório Sousa Martins havia chalets para onde os ricos se podiam mudar, com família e criados, a 100 000 réis por mês; um pavilhão, para doentes de primeira, de 2000 a 4000 réis por mês, com direito a cozinha especialmente cuidada; um outro, para doentes de segunda, que custava aos remediados de 1000 a 1400 réis; e um terceiro pavilhão caritativo, aberto aos pobres.

Mais tarde, viria a surgir o Sanatório das Penhas da Saúde, no concelho da Covilhã, junto às Penhas da Saúde, na Serra da Estrela, igualmente também conhecido como Sanatório dos Ferroviários, inaugurado em 11 de novembro de 1944, sendo nessa altura considerado o melhor sanatório da Península Ibérica. Em 1952, devido a problemas financeiros da CP e da Sociedade Portuguesa de Sanatórios, procedeu-se à transferência do complexo para o Estado, de forma a integrá-lo no Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos. Devido aos avanços da medicina, o tratamento ambulatório passou a ser mais utilizado, levando ao encerramento dos sanatórios. O Sanatório das Penhas da Saúde foi desativado, tendo os últimos pacientes saído em finais da década de 1960, sendo o Sanatório encerrado pelo Ministério da Saúde e Assistência em 1970. Veio a ter várias ocupações, sendo atualmente a Pousada da Serra da Estrela desde 1 de abril de 2014.

(Parte da consulta e adaptação do livro “Contágios – 2500 anos de pestes”, de Jaime Nogueira Pinto)


(In "Notícias da Covilhã", de 19-11-2020)

11 de novembro de 2020

QUANDO O PORTO AFASTA RICARDO JORGE

 

Já lá vão oito meses de números avassaladores desta nova pandemia que nos assola diariamente.  

As pandemias e epidemias jamais largaram o Mundo, e também o nosso País, sendo que poucas se encontram totalmente erradicadas, caso da varíola.

A última pandemia, do século XIX, teve consequências que se prolongaram pelo século XX. É conhecida como a Terceira Pandemia.

À volta de 1855, uma variante pneumónica da peste ficou-se pela China, Mongólia e Manchúria. Na última década do século XIX, a peste, além de assolar a China, espalhou-se por via marítima e depois por terra, por Hong Kong, Taiwan e daí à Tailândia, à Birmânia, à Índia, em Bombaim e Calcutá. Atingiu as cidades árabes de Meca, Medina e Jidá e terá chegado bem longe, da Ásia à África do Sul, ao Paraguai, à Bolívia, ao Brasil, e depois, em 1899, à Europa. E daqui ao Porto.

Segundo Jaime Nogueira Pinto, no seu livro “Contágios – 2500 Anos de Pestes”, este insólito surto pandémico teve os primeiros mortos nos carregadores que viviam em zonas degradadas, perto do rio Douro. A polémica acerca da extensão das medidas cerceadoras dos movimentos das pessoas e das mercadorias a adotar; o choque de competências e autoridades, entre o Governo central, de Lisboa, e as instituições e interesses económicos locais, levou a um conflito entre os portuenses e o setor clínico. O Governo de Lisboa decretou um cordão sanitário, o isolamento da cidade, a segunda do país, que tinha luz elétrica desde 1886 mas onde, em 1905, o saneamento básico abrangia apenas 30% da área urbana.

Quem denuncia as ocorrências epidémicas ao governador civil, depois de ter sido alertado e visitado doentes, é o Dr. Ricardo Jorge, formado pela Escola Médica do Porto e pioneiro da Saúde Pública em Portugal. À época, Ricardo Jorge é professor da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, diretor do Laboratório Municipal de Bacteriologia e responsável pelos Serviços de Saúde e Higiene da Cidade do Porto. Ainda segundo a publicação referida, assim que o Professor detetou nos enfermos e nos mortos os terríveis bubões da Peste Negra, gerou-se a incredulidade e o pânico. E Ricardo Jorge continua a insistir nas miseráveis condições de vida da população portuense, e na elevadíssima mortalidade infantil. Nas famosas “Ilhas”, casas das classes operárias dispostas numa espécie de corredor, onde se amontoavam famílias pobres, as condições de vida da cidade eram das piores da Europa.

Nesta época estão a dar-se grandes avanços na epidemiologia, graças ao Instituto Pasteur, que seguem Ricardo Jorge e outro precursor da Bacteriologia em Portugal, Câmara Pestana, diretor do Instituto de Bacteriologia de Lisboa. Mas o Governo de Lisboa receia também admitir que há peste em Portugal. Ricardo Jorge encontrava-se perante um muro de resistência, encimado pela imprensa portuense. No mês de agosto, no Porto, segundo Jaime Nogueira Pinto no seu livro, apesar de todos os esforços para desvalorizar o assunto, a peste crescia da periferia para o centro. Acusavam o Governo de querer denegrir a imprensa portuense para favorecer interesses lisboetas. Alarme a 17 de agosto quando sai o decreto governamental que, falando em “diagnóstico pestilencial”, decreta o isolamento da cidade. Reportagens variadas ajudavam a incutir na opinião popular que era o alarmismo de “um conhecido clínico” que estava por detrás da vaga de restrições, da imposição de quarentenas, de todas as medidas que prejudicavam a imagem e os interesses da capital do Norte. Inflamaram-se os populares e a casa do pai de Ricardo Jorge foi apedrejada. Depois rumaram a casa do médico, até que a Polícia os dispersou. A seguir, os defensores da quarentena rigorosa e os seus contraditores, geraram uma polémica no Porto que estalou em força, e teve algum contributo do exterior.  Temia-se que, a partir do Porto, a terrível peste bubónica se espalhasse pela Europa. As visitas dos médicos estrangeiros, e a intenção dos especialistas de experimentarem nos portuenses, nos sãos e nos doentes, vacinas e outros remédios, provocaram a fúria popular. Nas terapias propostas, que eram de várias espécies, havia alguma confusão, misturando-se por vezes o antigo e o moderno.

Segundo a obra referida, Yersin já tinha identificado o papel dos ratos e das pulgas dos ratos na propagação da peste. Um dos responsáveis da Junta Consultiva da Saúde Pública, Guilherme Enes, era bem claro ao repetir as teses mais recentes sobre o papel dos transportadores da Yersínia Pestis. Numa entrevista, Enes analisava o papel dos ratos e das pulgas na peste bubónica, sublinhando o que especialistas como Appleby viriam a afirmar década depois: que “as pulgas, ao reconhecerem que o cadáver do rato esfria, abandonam-no logo e passam para o homem”. E na sequência desta revelação sobre o papel dos ratos e das pulgas, o Jornal de Notícias vinha propor uma “grande caça aos ratos”. Guerra aos ratos e às ratazanas de toda a espécie. Ricardo Jorge apoiava. Algum tempo depois, a Junta de saúde oferecia um prémio pelo abate dos ratos: dez réis o rato, 120 réis a dúzia.

Entretanto, o cerco sanitário estava a causar fome. O comércio estava encerrado e as indústrias, em protesto. Por falta de matéria-prima, começavam também a fechar.

Para termos uma medida do grau de hostilidade a que levara este conflito Porto-Lisboa, David Pontes, em O Cerco da Peste no Porto-cidade, Imprensa e Saúde Pública na Crise Sanitária de 1899, cita uma coluna satírica do Jornal de Notícias, intitulada “Os miguéis da peste” em alusão ao cerco do Porto em 1832 pelas tropas de D. Miguel.

“Esta dicotomia Lisboa reacionária, Porto liberal, Lisboa ociosa, Porto trabalhador, vem à superfície de modo bastante brutal nos jornais portuenses e acaba por desencadear uma reação do Governo que os acusa de negacionistas da peste bubónica e ameaça impor-lhes sanções, ou até a suspensão, publicando o que ficará conhecido como o ‘decreto da mordaça’”.

Uma vítima colateral deste decreto, que viria a suspender algumas publicações, foi Ricardo Jorge que, nos finais de outubro, O Comércio do Porto acusava de ser o inspirador da repressão à imprensa. O médico indigna-se com o papel demagógico a que os jornais se tinham prestado ao tomar uma atitude de recusa perante a realidade dos factos; que a peste bubónica voltara à Europa e que o Porto fora ou era a sua porta de entrada. Os instigadores desta recusa em aceitar a realidade, misto de demagogia e de interesses económicos, acabariam por conseguir afastar Ricardo Jorge da cidade. Entretanto, o seu colega e confrade Câmara Pestana é contaminado pela Yersínia Pestis e vem a morrer em Lisboa a 15 de novembro.

O segundo “cerco do Porto” foi levantado antes do Natal de 1899. Ricardo Jorge, depois de toda a contestação e difamação de que foi alvo no Porto, decidiu mudar-se para Lisboa.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 11-11-2020)

14 de outubro de 2020

150 ANOS DA CIDADE DA COVILHÃ, 110 ANOS DA IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA

 

Como a Covilhã viu a chegada da República ao País

 

Todos nós, face ao longevo das datas, temos conhecimento dos acontecimentos por via da história, a nossa história, dos nossos avós, num contexto de fazermos parte da integração da própria História de Portugal.

Numa quinta-feira do dia 20 de outubro de mil oitocentos e setenta, D. Luís I, monarca português, reconhecia a Covilhã com a sua elevação à condição de Cidade, por ser “uma das villas mais importante do reino pela sua população e riqueza”.

Falar de figuras proeminentes da história covilhanense, da sua génese e da sua indústria e laboriosa luta das gentes covilhanenses, dos grandes empreendimentos e dos imensos anseios, da cidade universitária de hoje, já muito foi dito ao longo de muitos momentos nestes tempos que vão passando, e se encontram nos seus anais.

Tal como no centenário da elevação da Covilhã a Cidade, acontecido a uma terça-feira também o mesmo surgirá no mesmo dia de semana, nos seus 150 anos.

Mas porque muito pouco se ouve falar da Implantação da República, ocorrida há 110 anos, trago à curiosidade de quem gosta das efemérides, as reações que surgiram na Cidade da Covilhã por força dos acontecimentos surgidos, alongando-me na retrospetiva do assassinato de D. Carlos I, cujo Regicídio ocorreu naquele sábado do primeiro dia de fevereiro de 1908.

Na reunião da Comissão Administrativa Municipal, realizada em 12/02/1908, presidida pelo Dr. João das Neves, e com a presença dos vogais, Dr. Alfredo Leal dos Santos Gascão, Guilhermino de Melo e Castro, José da Fonseca Teixeira e António Bernardo da Fonseca e Cunha, além do Administrador do Concelho, José Maria de Campos Mello, o vogal, Guilhermino de Mello e Castro propôs que se celebrassem solenes exéquias em sufrágio das almas de Sua Majestade o Senhor D. Carlos I, e de Sua Alteza o Príncipe Real, D. Luís Filippe.

Por proposta do vogal, Sr. Teixeira, deliberou a Comissão adquirir um retrato de Sua Majestade El-Rei D. Manuel II, para a sala das sessões. Foram recebidos telegramas de Suas Majestades El-Rei e das Rainhas D. Amélia e D. Maria Pia, agradecendo as condolências da Comissão.

“Aos seis dias do mês de Maio de mil novecentos e oito, pelas duas horas da tarde, nos Paços do Concelho e de regresso de solene Tedeum celebrado na Igreja de Santa Maria Maior desta cidade, a que todos os abaixo assinados assistiram em acção de graças pela aclamação de Sua Majestade El-Rei D. Manuel II, tendo feito a guarda de honra o Regimento de Infantaria 21, constituiu-se em sessão extraordinária e solene a Câmara Municipal da Covilhã, sob a presidência do Exmº. Senhor Dr. Luís Neves Alves Batista (…)”.

Sobre a Implantação da República em 5 de outubro de 1910:

11 de outubro de 1910 – “Nos Paços do Concelho, pelas duas horas da tarde, onde se reuniu muito povo e oficialidade do Infantaria 21, compareceu o cidadão Senhor António Firmo, que, assumindo a presidência da Assembleia leu um alvará do Exmº Governador Civil do distrito de 10 do corrente que nomeia a seguinte COMISSÃO para administrar os negócios deste município, em substituição da antiga CÂMARA MUNICIPAL. Presidente – António Firmo. Vogais efectivos – Júlio Henriques Nunes da Cruz, José Maria Rodrigues Garcia, João Alves da Silva, João da Silva Matos, Carmeno Supardo Bárbara, José Ferreira Bicho, Manuel d’Almeida Ribeiro, Luís Rodrigues Marques. Vogais substitutos – José Miraldes Tavares Cardona, Carlos Palhina, Manuel Olegário das Neves, João Paulo Rato, José Ferreira de Campos Dourado, José Ferreira Mendes de Castro, João António Moreira Leitão, José d’Almeida Teixeira, Manuel Lino Roseta (…)”.

Entretanto, já na reunião do dia anterior, o Presidente em exercício, José da Fonseca Teixeira disse “que tendo sido proclamada a República Portuguesa no dia 5 do corrente, na Capital, e sabendo por comunicação de seus colegas o desejo que tinham de aderir a este regime, justamente também nesta cidade, a República, convocara para esse fim uma sessão extraordinária, levando ao conhecimento do Exmº. Comandante Militar, no dia 8 do corrente, o desejo desta Corporação.

A Câmara, aprovando a resolução do Senhor Presidente, deliberou por unanimidade, interpretando o sentir de todos os munícipes do concelho, proclamar desde já, com toda a solenidade, a República Portuguesa; e com manifestação de regozijo ainda pelo advento de um regime de que tanto necessitava o país, a fim de resolver todos os problemas económicos e progresso para o seu desenvolvimento e bem-estar – levantar a sessão – dar feriado a todos os seus empregados e enviar ao Exmº. Presidente do Governo Provisório da República o seguinte telegrama: A Câmara Municipal da Covilhã, reunida em sessão extraordinária, interpretando o sentir unânime dos munícipes de todo o concelho, aderiu à proclamação da República Portuguesa, saúda e felicita o Governo Provisório e faz votos pela prosperidade da sua querida Pátria.

Pelo Senhor Vereador Dr. Alfredo Gascão, foi proposto e aprovado pela Câmara, retirar da sala das sessões o retrato do rei deposto, ficando em seu lugar o estandarte do município para ser substituído oportunamente pelo busto simbólico da República. Em seguida, foi também deliberado iluminar hoje o edifício dos Paços do Concelho, e que desta acta se envie cópia ao Exmº. Comandante Militar”.

José da Fonseca Teixeira foi sócio fundador dos Bombeiros Voluntários da Covilhã e nomeado Comandante da Corporação em 14/12/1886 e também Presidente da Direção. Foi ainda o primeiro Diretor da Escola Industrial Campos Melo e seu professor.

Nas Comemorações dos 150 anos da elevação da Covilhã a Cidade, votos do maior progresso em prol dos Covilhanenses de raiz e de coração. Parabéns à Covilhã!

(In "Notícias da Covilhã", de 15-10-2020)

 

QUANDO UM PRESIDENTE ENTRA COM A MONARQUIA E SAI COM A REPÚBLICA

 A data de 5 de outubro de 1910 foi há 110 anos. Os pontos nevrálgicos da passagem de testemunho forçado, da Monarquia para a República, passaram-se na Rotunda – a Praça Marquês de Pombal assim oficialmente denominada desde 1882, embora popularmente seja ainda hoje conhecida como Rotunda, tanto pela sua configuração pouco comum na época, como por esta denominação ter sido reforçada na memória dos lisboetas pelo nome de estação do Metropolitano de Lisboa, que durou desde a sua inauguração em 29 de dezembro de 1959 até 1998. Só a partir desta data, a estação, já com duas linhas diferentes, passou a denominar-se Marquês de Pombal.

O nome popular de Rotunda individualizou-se por então as Rotundas serem pouco frequentes. Passou também a fazer parte da história por ter sido o local de concentração dos Republicanos no 5 de outubro de 1910.

Efetivamente, o regime político que vigorou em Portugal entre 1143 e 1910 – a Monarquia – composto por quatro dinastias sucessivas (Borgonha ou Afonsina, Avis, Filipina e Bragança), teve os seus êxitos. Sobressaíram-se as grandes conquistas que alargaram o território do País, e os descobrimentos que contribuíram para a primeira globalização e de novos mundos. Mas também teve os seus fracassos. Estes trouxeram consequências desastrosas para Portugal. Salientaram-se assim a Batalha de Alcácer Quibir, as Invasões Francesas e o Ultimato Britânico de 1890. Desta feita os senhores britânicos desrespeitaram o “Mapa Cor-de-Rosa” como agora querem desrespeitar o Brexit. Também a subjugação do país aos interesses coloniais britânicos, os gastos da família real, o poder da Igreja, a instabilidade política e social; depois a ditadura do beirão João Franco (natural do Alcaide, Fundão), Presidente do Conselho de Ministros; e a aparente incapacidade de acompanhar a evolução dos tempos e de se adaptar à modernidade levou a um “inexorável processo de erosão da monarquia portuguesa” do qual os defensores da República souberam tirar o melhor proveito. Foi o Partido Republicano que se apresentava como o único que tinha um programa capaz de devolver ao país o prestígio perdido e colocar Portugal na senda do progresso.

Fazendo uma retrospetiva de períodos antecedentes, depois do regime absolutista até à segunda década do século XIX, grupos militares do Porto conseguem impor-se fortemente no Campo de Santo Ovídeo (atual Praça da República) no dia 24 de agosto de 1820 e, pacificamente, depois de uma missa campal, proclamaram solenemente o Manifesto aos portugueses, exigindo a convocação de Cortes para elaborar uma Constituição. Foi a base da ação e da vitória das forças liberais de D. Pedro, depois do desembarque dos bravos do Mindelo em julho de 1832. Esta Revolução de 1820 deu lugar à Constituição de 1822. Sobre este assunto já me havia referido num outro artigo.

Volvidos 70 anos da Revolução Liberal do Porto surge o Ultimato Britânico como atrás verificámos, e, no reinado de D. Carlos, a pronta cedência às exigências britânicas foi vista como uma humilhação nacional, iniciando-se um profundo movimento de descontentamento em relação ao monarca, à família real e à instituição da monarquia, vistos como responsáveis pelo alegado processo de decadência nacional. A situação agravou-se com a crise financeira ocorrida na última década do século XIX, quando as remessas dos emigrantes do Brasil caíram abruptamente. Os republicanos souberam aproveitar este descontentamento e iniciaram um crescimento e alargamento da sua base social de apoio que acabaria por culminar no derrube do regime.

Na cidade do Porto, no dia 31 de janeiro de 1891 registou-se um levantamento militar contra a monarquia constituído principalmente por sargentos e praças. Os revoltosos, que tinham como hino uma canção – A Portuguesa – tomaram os Paços do Concelho e proclamaram a implantação da República em Portugal. O movimento acabaria pouco depois por ser sufocado, resultando nalguns mortos e feridos e muitos deles condenados, sendo A Portuguesa proibida. Este símbolo nacional de Portugal nasceu como uma canção de cariz patriótico em resposta ao ultimato britânico que defendia o abandono das posições portuguesas em África no território compreendido estre as colónias de Moçambique e Angola. Daí que, ainda que sem autenticidade, se tenha considerado que a parte dos versos do hino “Pela pátria lutar! Contra os canhões marchar, marchar!” tivesse sido inicialmente “Contra os bretões, marchar, marchar!”. Foi a primeira grande ameaça sentida pelo regime monárquico. Apesar dos evidentes êxitos eleitorais alcançados pelo movimento republicano, o setor mais revolucionário do partido pedia a luta armada como melhor meio de tomar o poder a curto prazo. E assim, surge o regicídio de 1908, com o assassinato de D. Carlos e do príncipe herdeiro Luís Filipe, tendo também morrido os regicidas Manuel Buíça, professor primário, e Alfredo Costa, empregado do comércio e editor.

Já no ano 1910, com o D. Manuel II à frente dos destinos de Portugal, a 3 de outubro deste ano estalou a revolta republicana que já se avizinhava no contexto da instabilidade política. Esta acabou por suceder graças à incapacidade de resposta do governo de Teixeira de Sousa, que não conseguiu reunir tropas que dominassem os cerca de duzentos revolucionários que na Rotunda resistiam de armas na mão.

Entretanto, encontrava-se de visita de Estado a Portugal o presidente brasileiro Hermes da Fonseca. Na véspera do 5 de outubro, com as tropas da guarnição da cidade de prevenção, o presidente brasileiro ofereceu a D. Manuel II um jantar em sua honra, tendo depois o monarca português recolhido ao Paço das Necessidades. As gentes em prol da República encontravam-se agitadas e não dormiam. Havia tiroteio aqui e ali. Até o almirante Cândido dos Reis se suicidou pensando que tudo falhara e a implantação da República não ia por diante. Entretanto, lá estava novamente a Rotunda, num aparente sossego que desalentava de tal maneira os revoltosos que os oficiais acharam melhor desistir. Mas a persistência de Machado dos Santos, ao assumir o comando, toma uma decisão que viria a ser fundamental para o sucesso da revolução. Entretanto, D. Manuel II recusou-se a partir mas viu-se obrigado a refugiar-se numa pequena casa no parque do palácio de onde conseguiu telefonar a Teixeira de Sousa. Foi aconselhado a chamar a Mafra as rainhas D. Amélia e D. Maria Pia que estavam nos Palácios da Pena e da Vila, em Sintra, preparando-se para seguir para o Porto para aí organizar a resistência. À noite do dia 4 a moral encontrava-se baixa entre as tropas monárquicas.

Às 9 horas da manhã, no edifício da Câmara Municipal de Lisboa, era proclamada a República por José Relvas, após o que foi nomeado um Governo Provisório.

D. Manuel II, com a família, via-se forçado a seguir para o exílio em Londres.

Em 1910, a grande maioria dos Estados europeus eram monarquias. Apenas a França, Suíça e San Marino eram repúblicas.

Como o presidente do Brasil, marechal Hermes da Fonseca, presenciou pessoalmente todo o processo de transição do regime, tendo chegado a Portugal em visita oficial quando o país ainda era uma monarquia e saída já na república, não foi de estranhar que tenha sido o Brasil o primeiro país a reconhecer de jure o novo regime político português.

(In "Jornal fórum Covilhã, de 14-10-2020)

2 de outubro de 2020

Jornal "O OLHANENSE" - Falando com o nosso colaborador João Nunes

 

Natural da Covilhã, João de Jesus Nunes é colaborador do nosso jornal vai para mais de vinte anos e, por esse facto, muitos nos questionam quem é este Homem que nos escreve da Região mais alta de Portugal, com a pontualidade de um relógio suíço. Aqui mantém uma rubrica de elevado interesse, muito apreciada pelos nossos leitores.

Para sabermos tudo isso e muito mais, já que a tecnologia assim nos permite, “conversámos” com este homem de letras que foi funcionário de uma Companhia de Seguros e depois empresário na atividade seguradora, e hoje, como passatempo, vai escrevendo para diversos periódicos de entre os quais o jornal “O Olhanense”.

Feita esta breve apresentação, “disparámos” a primeira pergunta:

 


Jornal “O Olhanense” (JO): - Apesar da nossa apresentação, diga-nos quem é verdadeiramente João de Jesus Nunes e como surgiu o gosto pela escrita.

João de Jesus Nunes (JN): - Em primeiro lugar quero agradecer o amável convite deste quinzenário, na pessoa do seu diretor adjunto e amigo Mário Proença. Nasci num lugar paradisíaco, a Pousadinha, pertencente à freguesia de Aldeia do Carvalho, hoje vila, do concelho da Covilhã, e que atualmente integra a União das Freguesias de Cantar-Galo e Vila do Carvalho. A minha génese provém de uma família simples e que foi repleta de dificuldades, como a maioria das pessoas da época, pós-II Guerra Mundial. Sou o segundo de seis irmãos, tendo já falecido duas irmãs. Paradoxalmente, o lugar, apesar de paradisíaco, não possuía na altura as infraestruturas necessárias para uma habitação condigna, entre as quais, eletricidade, água canalizada e saneamento. Um dos pecados do Estado Novo e dos seus séquitos autárquicos, por mais vontade que tivessem para alterar um estado mórbido desses tempos.

Depois, os iletrados eram de uma enorme percentagem, o que dificultava a convivência cultural, onde o ponto de reunião eram as tabernas, e, durante a semana, após o regresso das fábricas de lanifícios onde se empregava a maioria da população (mesmo ainda menores), aproveitavam as horas que sobravam dos tempos livres para tratar dos seus pequenos terrenos agrícolas.

JO: - Tendo nascido na Pousadinha, lugar paradisíaco mas de muitos iletrados à altura, como refere, quanto tempo lá viveu e como se sentiu nesse ambiente?

JN: - Ali vivi com os meus pais e irmãos, todos vindos ao mundo em casa, excetuando-se o mais novo que já viria a nascer na maternidade do hospital da Covilhã; os avós e tios até aos sete anos de idade, sendo que nós éramos os mais velhos de todos os primos que viriam a nascer. Fica-me na memória toda a paisagem envolvente em zona de pinhal, e, no horizonte, os casarios que identificávamos serem a Covilhã, a quatro quilómetros, e as freguesias rurais e de outros concelhos limítrofes, mais distantes. Não havendo ali energia elétrica, as noites de luar ajudavam um pouco as deslocações no escuro dos caminhos, onde surgiam muitos pirilampos; e as miríades de estrelas davam mais a nitidez da grandiosidade do Universo na pequenez do Planeta e, acima de tudo, de nós como humanos. Havia o sossego que contrastava, a poucos quilómetros, com o barulho ensurdecedor dos teares das fábricas de lanifícios.

25 de setembro de 2020

HÁ QUE CONTINUAR A DAR FORÇA À VIDA

 A maioria dos Combatentes do Ultramar já ultrapassou os 65 anos. Na generalidade quase podemos dizer que se situam acima das sete décadas de vida. Como se costuma dizer, a idade não perdoa. Por isso, as nossas vontades indómitas vão forçosamente perdendo alguma vitalidade. Nos tempos que correm, em tempo de pandemia, muitos de nós temos de nos preservar da envolvência em ações de risco, porque somos pessoas de risco. Esta última palavra diz muito à nossa juventude de então; ou seja, dos já longos tempos do segundo ano da década de sessenta a meados da de 70, do século transato, que por todos nós já passou; de onde o perigo era iminente. Foram muitas vicissitudes na perigosidade constante duma guerra não desejada. Longe da família. Longe de um fim de semana. Longe de tudo. Queríamos imaginar um sorriso aos entes queridos deixados na Metrópole. Quantas folhinhas desdobráveis chamadas aerogramas não terão sido utilizadas! Para chegarem ao destino passado não sei quanto tempo…  Surgiriam as primeiras tatuagens, algumas exuberantes, no braço direito de alguns soldados: “amor de mãe”. E quando algum ferido grave soltava desesperado aquele espontâneo grito pela mãe, sentiam algum bálsamo quando alguma jovem enfermeira paraquedista, ou nos hospitais, tentava atenuar as suas dores. Esta, uma de várias e muitas situações do risco concretizado que então se corria todos os dias.

Noutro contexto, mas similar, são os tempos que correm com o COVID 19. Quantos Combatentes, ainda dominados pelas patologias resultantes da exposição a fatores traumáticos de stress durante a sua permanência no Ultramar, urgem da necessária prestação de serviços de apoio médico, psicológico e social, e se refugiam nos Corpos Médico e de Enfermagem, e nos Psicólogos, a que estão afetos, variadíssimas vezes por via dos Núcleos da Liga dos Combatentes da sua área. Tal como nos tempos da guerra subversiva, são agora esses Homens e Mulheres dos Serviços de Saúde em Portugal que se encontram na linha da frente tentando vencer um inimigo invisível, que tem conseguido dominar exércitos, tratando democraticamente grandes e pequenas potências. O vírus, esse inimigo desconhecido, mas potente e invisível, omnipresente e mortal do homem, com prevalência para os mais idosos e fragilizados, tem sido ocasião de muitos tormentos para muita gente da nossa gente, onde se englobam os Combatentes do Ultramar e suas famílias.

Depois de muita tinta, e muitos esforços da Liga dos Combatentes, com destaque para o seu Presidente da Direção Central, Tenente-general, Joaquim Chito Rodrigues, conseguiu ser aprovado o Estatuto do Antigo Combatente. Assim, a comissão parlamentar da Defesa Nacional aprovou no dia 15 de julho, na especialidade, por unanimidade, a maioria dos artigos do novo Estatuto do Antigo Combatente. E, em 20 de agosto, no Diário da República, por força da Lei n.º 46/2020, foi definitivamente aprovado o Estatuto do Antigo Combatente.

Procedeu assim à sétima alteração ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro; à primeira alteração à Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro; e à primeira alteração à Lei nº. 3/2009, de 13 de janeiro.

Salientamos alguns artigos:

Artigo 2.º - Âmbito da aplicação –  1 – São considerados antigos combatentes para efeitos do presente Estatuto:

a)       Os ex-militares mobilizados, entre 1961 e 1975, para os territórios de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique;

b)      Os ex-militares que se encontravam em Goa, Damão e Diu, bem como em Dadra e Nagar-Aveli, aquando da integração destes territórios na União Indiana;

c)       Os ex-militares que se encontravam no território de Timor-Leste entre o dia 25 de abril de 1974 e a saída das Forças Armadas desse território;

d)      Os ex-militares oriundos do recrutamento local que se encontrem abrangidos pelo exposto nas alíneas anteriores;

e)      Os militares dos quadros permanentes abrangidos por qualquer uma das situações previstas nas alíneas a) a c).

2 – São ainda considerados antigos combatentes os militares e ex-militares que tenham participado em missões humanitárias de apoio à paz ou à manutenção da ordem pública em teatros de operação classificados nos termos da Portaria n. 87/99, de 28 de janeiro, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 23, de 28 de janeiro de 1999.

3 – O Estatuto aplica-se apenas aos deficientes das Forças Armadas que estejam incluídos no âmbito dos números anteriores.

4 – O Estatuto não prejudica a natureza e as necessidades específicas dos deficientes das Forças Armadas, nem exclui a possibilidade de adotarem um estatuto próprio, tendo em conta o regime legal específico que lhes é aplicável.

5 – As disposições previstas no presente Estatuto aplicam-se ainda às viúvas dos antigos combatentes identificados no n.º 1 do presente artigo naquilo que, estritamente, lhes for aplicável.

Artigo 3º. – Dia do antigo combatente

             1 – Como forma de reconhecimento aos antigos combatentes identificados nos termos do artigo anterior pelos serviços prestados à Nação, é estabelecido o dia do antigo combatente, para que sejam relembrados, homenageados e agraciados pelo esforço prestado no cumprimento do serviço militar.

             2 – O dia do antigo combatente é celebrado anualmente no dia 9 de abril, data em que se comemoram os feitos históricos dos antigos combatentes por Portugal.

            3 – Não obstante o disposto no número anterior, o Estado, através do Ministério da Defesa Nacional, pode evocar a memória e feitos dos antigos combatentes no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades e no dia 11 de novembro, data em que se comemora o fim da Primeira Grande Guerra, em colaboração com a Liga dos Combatentes e as associações de antigos combatentes.

Com surpresa verificamos que os militares que foram mobilizados para os territórios de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste até 24 de abril de 1974, em missão de soberania e com obrigações idênticas aos visados nos números do artigo 2.º, que até aqui eram notoriamente considerados antigos Combatentes, constam deste novo Estatuto duma forma pouco abonatória para os mesmos, na minha maneira de ver, integrados no âmbito da Portaria nº. 87/99, de 28 de janeiro, na forma ambígua de interpretação, no que concerne à designação de “militares envolvidos em missões de paz e humanitárias ou que cumpram ações de cooperação técnico-militar, fora do território nacional”, em países de classe A, B ou C. 

(In "O Combatente da Estrela", n.º 120, setembro 2020)

 

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA - Rui Manuel da Conceição Martinho Marques

 

Neste número trazemos a este espaço um antigo combatente cujo cariz peculiar é a alegria com que se depara perante os amigos. Naquele adjetivo, ou locução francesa que se designa por um bon vivant.

Duma família de quatro irmãos, todos conhecidos da Cidade onde nasceram – os Martinho Marques –, é do Rui que esta pequena estória da história dos antigos combatentes, cuja rubrica foi criada para memória individual de factos das suas passagens pelas antigas colónias, vamos tratar.

Nasceu na Covilhã, na freguesia de Santa Maria (bastou para isso vir ao mundo no antigo Hospital da Santa Casa da Misericórdia da Covilhã), no primeiro dia do mês de dezembro do ano da graça de 1950.

Tendo frequentado o curso geral do comércio na então Escola Industrial e Comercial Campos Melo, dispersaria, no entanto, o seu tempo de estudante e não o acabaria por concluir. Mas, como ocupações profissionais, teve uma mão cheia delas. Na Covilhã teve o seu primeiro emprego na Casa Ilídio, seguindo-se no escritório da fábrica de pastéis, a S. Silvestre, de Artur Almeida Campos. Os ventos voltam-no para trabalhar na Companhia de Seguros Tranquilidade, mas logo a seguir, num estabelecimento comercial de fazendas, de José Garrido dos Santos. Não fica por aqui, e é o estabelecimento comercial de Camolino & Cª que lhe dá seguimento à sua vida profissional, sempre naquela de jovem folgazão, seguindo-se um novo estabelecimento comercial de fazendas – Gomes & Cª., até que vem experimentar nova vida noutro estabelecimento comercial da Cidade – os Lanifícios Montestrela.

Chega a altura do serviço militar obrigatório, pelo que é incorporado no Exército. Assentou praça no Regimento de Infantaria 7 (RI 7), em Leiria. Destinava-se ao curso especial de Sargentos Milicianos. No entanto, como bon vivant em ambiente de tropa (não sendo lá muito aconselhável), viria a ter alguns sobressaltos que para o Rui pouco significado tinham, face à sua peculiaridade de vida.

Do RI 7 desenfiou-se para casa, na Covilhã, com um camarada que o ficou de ajudar… mas, como ficou mais de três dias ilegalmente, a pena de 15 dias de prisão disciplinar agravada que o Rui não se importa de aqui relatar, aconteceu. Estava ainda no período de recruta, sendo então enviado para Coimbra para aí cumprir a pena. Só que daqui transferiram-no para Faro. Regressaria ao RI 7, em Leiria, onde aqui fez o Juramento de Bandeira.

Entretanto, em Coimbra, onde começara a cumprir o castigo imposto, no Regimento de Serviço de Saúde, tirou a especialidade de Enfermeiro. Depois da passagem por Faro, ainda esteve nas unidades militares de Elvas, Évora e Santa Margarida.

Em Santa Margarida foi mobilizado para Angola, onde esteve de 1971 a 1974, integrando a Companhia CART 3516. Foi de avião com a Companhia até Luanda, ficando em Grafanil durante 8 dias. Seguiu para Bessa Monteiro. Aqui esteve durante 18 meses. É então que segue para Quimaria norte, onde completou o tempo de serviço militar.

Durante toda a comissão de serviço em Angola tiveram dois ataques, na Pedra Verde, tendo morrido um soldado e dois feridos.

E em 30 de maio de 1974, já depois do 25 de Abril, regressou à Metrópole, também de avião.

Retomando a sua atividade profissional, em Portugal, foi funcionário do Banco Borges & Irmão, em Coimbra e depois na Covilhã, onde se aposentou.

Tem uma filha e um filho, e é divorciado. Vive atualmente nas Penhas da Saúde – Serra da Estrela.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 120, de setembro 2020)



E. M. DE MELO E CASTRO, O AUTOR COVILHANENSE QUE FEZ EMERGIR A POESIA EXPERIMENTAL PORTUGUESA


 Residia no Brasil e tinha 88 anos. O poeta covilhanense, escritor, ensaísta, precursor da Poesia Concreta Experimental e Visual em Portugal faleceu em São Paulo na noite de 29 de agosto.

E. M. de Melo e Castro, como assinava, era uma figura multifacetada, autor de uma obra caraterizada pela construção de experiências com vários materiais e vários média, tendo a sua ação sido particularmente marcante na emergência da poesia experimental em Portugal.

Filho de Ernesto de Campos Melo e Castro, antigo diretor da Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã, onde ambos foram professores, sua mãe era Maria Gonzaga de Campos e Melo Geraldes, tinha duas filhas, Eugénia de Melo e Castro e Alberta Melo e Castro. Foi casado com a conhecida escritora e poetisa Maria Alberta Menéres, com grande obra infantojuvenil, que, com ele organizou a “Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa”.

Licenciou-se em Engenharia Têxtil pela Universidade de Bradford (1956); terminou o doutoramento em Letras pela Universidade de São Paulo (1998). Foi professor no Instituto Superior de Arte, Design e Marketing (IADE) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil.

A sua prolífera atividade artística foi apresentada em numerosas exposições coletivas, em Portugal e no estrangeiro.

Sobre esta figura ímpar covilhanense, de grande projeção no País e Brasil foi, como atrás referimos, professor na Escola Industrial e Comercial da nossa geração, nos anos sessenta. Daí que alguns dos seus antigos alunos promoveram com ele um convívio na Senhora do Carmo – Teixoso, de feliz memória para  todos, pelo que insiro o texto que publiquei sobre este evento nalguns periódicos, evento este realizado em junho de 2015 e do qual recordou aquando da homenagem que lhe foi efetuada pela  edilidade covilhanense em maio de 2016, informando-me que duma recolha de memórias que estava a preparar contava inserir o texto abaixo.

 “SAUDADE E AMIZADE DE MÃOS DADAS (1)

Pois é, também lá estive!... Neste matar de saudades de outros tempos – os da então Escola Industrial e Comercial Campos Melo – fábrica do ensino para muitos obreiros da indústria rainha de então – os lanifícios, nesta Terra – a minha Covilhã – daquela têmpera forte de Viriato, dos Montes Hermínios!

Havia lido algures que antigos alunos da Escola Campos Melo, onde o Engº. Ernesto Manuel Melo e Castro lecionou iam confraternizar com ele, vindo do Brasil, num almoço-convívio, ali para as bandas do Teixoso.

Inscritos eram só os alunos dos Cursos Técnico de Tecelagem e Debuxo… mas, qual “intruso”, cabia-me fazer o papel tipo “Crónica dos Bons Malandros”, de Mário Zambujal, já que eu era do Curso Geral do Comércio, e, desta vertente, fui o único presente na confraternização, participando também da felicidade dos outros antigos colegas.

- “Trouxeste a máquina fotográfica?” Logo na minha receção, a voz do Gregório Menina, que isto de ajudar na entrada lá estava o João Lázaro, o pequeno grande jogador dos tempos dos Leões da Serra… que outro, também tendo envergado a camisola verde-branca, briosamente, estava lá dentro – Jorge Cipriano, vindo do norte.

Os cumprimentos na mistura de alguma curiosidade lá prosseguiam: à entrada, sentado já estava o poeta, escritor, mas antes o antigo professor de debuxo, junto de sua filha Maria Alberta; e, com orgulho do seu professor, o Américo Maceiras Caetano, promotor da iniciativa, que veio de Vila Nova de Famalicão, lhe mostrava o seu 1º. Livro de Debuxo.

- “Olha o Aníbal Gonçalves, do Retaxo!” “E tu, quês és?” “O Neto”. “Eh! Pá, desculpa que não te conhecia, és o Olívio Costa Neto!”

As entradas, o bom vinho da região… e, não faltou o belíssimo pão-de-ló.

José Esteves Patrocínio veio de Torres Vedras; e, enquanto o Ferreira Andrade me mostrava umas fotos antigas, de antigos colegas do 2.º ano do Curso Técnico de Tecelagem, em conversa com o Jorge Almeida, entrava o também antigo professor, Engº. César Oliveira, que fôra colega do homenageado.

João José Milhano recordava os tempos de meu vizinho, junto à Escola Industrial, e, sequenciando, chegavam outros, ou já entre si cavaqueavam, entre eles, o Cravino, Carlos Gouveia, Jerónimo Serra, António Nave, João António Coelho.

Já havia chegado o Rui Pereira, com o filho, quando se avista o Jorge Trindade e o Castro Martins; da Figueira da Foz não quis deixar de estar presente o Jorge Correia, acompanhado da esposa. Eram mais de três dezenas, onde estava também o Mangana e o Prof. Dr. Santos Silva.

Na altura do café, eis que o José Rosa Dias, da organização, dita de sua justiça: vão falar, em nome dos antigos alunos, o Américo Maceiras Caetano; em nome dos antigos professores, o Engº. César Oliveira; e encerra o Engº Ernesto Melo e Castro.

Neste feliz encontro de antigos alunos do curso de Debuxo da Escola Industrial da Covilhã, como abreviadamente era conhecida, com os seus antigos professores de Debuxo, atrás referidos, num almoço muito bem servido, a festa foi permanente, na recordação de tempos idos, no matar de saudades.

Maceiras Caetano agradeceu a presença de todos; o Engº. César Oliveira recordou a sua passagem por Bradford na mesma altura do Engº. Ernesto Melo e Castro, em 1956, altura em que conheceu Ernesto Melo e Castro, tendo este o ajudado a adaptar-se à nova realidade, uma vez que havia vários alunos da Covilhã e ele era o único de Lisboa.

No encerramento das breves palavras dos oradores, falou o Engº. Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro (que vai a Itália participar num encontro de poetas), informando que, estando no Brasil, ficou muito sensibilizado por ter sido convidado para este almoço de confraternização, recordando que no período que exerceu a sua missão docente na Escola Campos Melo formou 143 debuxadores, também ele tendo aprendido ao longo desse tempo a ser cada vez melhor, tanto na área do debuxo como na área das letras: “Estava deprimido face a um grave problema de saúde, e dizia: o que é que eu agora faço? Vou ao Teixoso estar com os meus amigos. Vocês não foram os meus únicos alunos, foram os primeiros!” E falando sobre os tecidos, que têm vida, concluiu: “O tecido é uma metáfora da vida”.

Recordou ainda, nestes ambientes de repasto, o que dizia o professor de Religião e Moral, Padre Joaquim Santos Morgadinho, do seu tempo: “Tudo estava muito bom, mas o melhor prato foi o da confraternização”.

Por fim terminou: “Orgulho-me de ter sido vosso professor! Estou muito feliz!”

E, de facto, também todos saíram deste convívio, muito alegres, muito felizes.”

 

 (1) 



Deste convívio, para além do Eng.º Ernesto Manuel de Melo e Castro, também já faleceram os antigos Colegas Castro Martins, Gregório Menina, Jorge Correia, José Cravino e Aníbal Gonçalves.


(In "O Combatente da Estrela", nº 120, de setembro 2020)