31 de dezembro de 2021
30 de dezembro de 2021
CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA HUMBERTO NUNES DA CRUZ
Trazemos desta vez a história de um Antigo Combatente, por
terras angolanas, covilhanense de coração, ainda que de raiz visse a luz do dia
em Oliveira do Hospital, no dia 31 de julho de 1944. Na Covilhã, onde se
radicou definitivamente, há 75 anos, conheceu os seus melhores dias. Fez a
Primária na velhinha Escola Central, passando depois a exercer a sua atividade
profissional na indústria local – os lanifícios – como tecelão mecânico, nas
empresas Jerónimo Sena, Lanofabril e Cristiano Cabral Nunes.
Pessoa dotada de um bom coração, simpático e amigo do seu
amigo, pronto a ajudar, foi conhecido no futebol local por ter representado o
Sporting Clube da Covilhã (SCC), tendo iniciado logo nos juniores, aos 16 anos.
Ainda foi sénior nos Leões da Serra em 1970, representando depois o Grupo
Desportivo da Guarda onde foi campeão da III Divisão, no ano 1971.
Depois de ter terminado a sua passagem pelos juniores do SCC,
surgiu-lhe o serviço militar obrigatório, que cumpriu com início em 02 de
fevereiro de 1965, tirando a recruta em Elvas e, depois, na mesma cidade, no
Caçadores 8, seguindo daqui para o Entroncamento para a especialidade CDMN, que
se destinava ao reabastecimento de material auto. Aqui foi promovido a 1º.
Cabo. Recebeu a notícia da sua mobilização para Angola, tendo-se apresentado no
Regimento de Infantaria 1, na Amadora, onde esteve apenas 2 dias, pois logo lhe
concederam 10 dias de mobilização, com guia de marcha para se apresentar no RI
11, em Setúbal. Aqui deram-lhe 750$00. Curiosidade: com este dinheiro comprou
um fio em ouro, com duas medalhas, a um camarada ourives, de Febres.
De Setúbal partiu com os seus camaradas, às 3 horas da manhã
do dia 17 de setembro de 1965 integrando o Batalhão de Caçadores 1855, tendo
embarcado em Alcântara, no Vera Cruz, era meio-dia, tendo aqui recebido um maço
de tabaco oferecido pela Cruz Vermelha Portuguesa. Chegaram a Luanda no dia 26
de setembro, em direção ao Grafanil, onde lhes foi distribuída a arma, após 8
dias.
É então que surge o tempo mais difícil, partindo em direção a
Nambuangongo onde permaneceram até perto do dia de Natal de 1965, e Novo Ano de
1966, em cujas datas confraternizaram tanto quanto lhes foi possível em
condições de guerra, com o Comandante e restante hierarquia militar local. Tinha
a seu cargo o material auto CCS – Companhia de Comando e Serviço do Batalhão de
Caçadores 1855, a sua especialidade. Seguiram depois para Luanda, cerca do dia
20 de dezembro de 1966, e no dia 23 deste mês, pertíssimo de mais um Natal em
Angola em guerra, seguiram de comboio para Malange, cuja viagem, num amontoado
de militares, durou 12 horas, já que era necessária uma máquina ir à frente
para a eventualidade do rebentamento de alguma mina. Chegaram a Malange na
véspera de Natal daquele dezembro de 1966. Pois bem, o dia de Natal foi passado
dentro do comboio, sem qualquer óbvia comemoração, pois “ia tudo ao monte”.
Igualmente se passou no Ano Novo. Em Malange tinha o serviço de PU (Polícia da
Unidade). Nesta cidade representou o Sporting Clube de Malange porque o viram
jogar em Nambuangongo, nos jogos particulares e necessitavam de um bom elemento
para o clube, pelo que foi convidado pelo Comandante da Companhia. No entanto,
também aqui encontrou um covilhanense – Matos Soares – estabelecido com uma
escola de condução, que gerou com o Humberto Cruz um contacto amistoso com o
seu conterrâneo, tendo-lhe pedido para lá ficar a viver, o que não foi da
vontade do Humberto.
Um momento terrível na memória do nosso entrevistado, foi o
dia 8 de agosto de 1966. Narra assim: “Quando andávamos entretidos a jogar a
bola, o capitão mandou formar porque precisava de dez homens para irem à lenha.
Apenas levariam 3 armas e sem a ajuda de rádio. Ia nesse grupo o covilhanense,
Furriel Malaca, já falecido, que fora debuxador no Mosa. Os 3 soldados que
levavam as G3 ficaram a fazer guarda aos que carregavam a lenha. Quando
acabaram de carregar as duas Berliets, com o Furriel Malaca foram ver dos 3
soldados que lhes estavam a fazer escolta. Foi com terrível espanto que
encontraram dois deles mortos, degolados, e já sem as armas. O outro conseguiu
escapar e nem deu conta da morte dos seus camaradas, face ao local estratégico
onde se encontraria. Ficaram assim com uma única arma para se poderem defender
em caso de ataque.
Quando depararam com este desfecho, surgiram dois Jeeps
militares que vinham buscar o correio a Nambuangongo, onde vinha também o
covilhanense Rui Velha”.
E, assim, os dois carros com a lenha, o Jeep onde vinha o
Humberto Cruz e as duas Berliets trouxeram os dois soldados mortos e recolheram
a Nambuangongo.
Esta é uma das muitas histórias de guerra por que passou o
camarada Humberto Cruz.
De menos mau, por vezes iam ver os paraquedas que traziam
peixe e carne às 3ªs e 6ªs feiras, onde
também vinha o correio, e que rebentavam, aproveitando o que pudessem apanhar.
E assim, depois de ter permanecido em Malange, desde dezembro
de 1966, no dia 7 de dezembro de 1967 tiveram uma passagem de 4 dias no
Grafanil, donde embarcaram no dia 11, no Niassa, chegando à Metrópole no dia 23
de dezembro de 1967. Foi então o Natal já em liberdade e fora de perigo, na
Covilhã.
(In "O Combatente da Estrela", nº. 125-DEZ/2021)
29 de dezembro de 2021
O FIM DO IMPÉRIO NOS SEUS 60 ANOS
Aproxima-se mais um Natal e um final de ano e, consequentemente, muitas
memórias ficaram entre nós. Delas sobejam reminiscências, se entre a angústia,
a ansiedade, o medo, a revolta, tiveram maior peso nas duas primeiras décadas
deste período, também a nostalgia, os momentos mais confortáveis, o lenitivo do
afastamento da perigosidade, e o regresso ao seio familiar foram aquele bálsamo
para muitos dos nossos Antigos Combatentes.
Mas como não há bela sem senão, muitos deles, que tiveram a dita de
regressarem incólumes, não se livraram de padecer do stress pós-traumático. É
vê-los a aguardarem pela sua vez para as consultas das psicólogas nos Núcleos
das Ligas dos Combatentes, como recentemente assisti no Núcleo da Covilhã.
Reporto-me evidentemente ao tempo por que passaram os Antigos
Combatentes, na referência à Guerra Colonial, já que os tempos da Primeira
Grande Guerra foram já objeto de comemorações dessa efeméride. E já nenhum
participante nesse conflito mundial está no mundo dos vivos.
A pandemia veio agravar a situação por que alguns ainda padecem e só
tardiamente surgiu o Estatuto do Antigo Combatente, entrado em vigor em 1 de
setembro de 2020, e agora com o acesso ao Passe do Antigo Combatente no âmbito
da Portaria n.º 198/2021, de 21 de setembro.
Das resmas de informação que fiz cair na minha secretária, torna-se
difícil extrair dela tantos rasgos sentimentais, gritos de revolta, pendores de
regeneração, pela dificuldade de uma seleção.
Aqui reporto algumas:
O 1º. Dia do Fim do Império – Texto de Felícia Cabrita, in Revista
Expresso de 14-03-1998
“A 15 de março de 1961, em Angola, bandos armados da UPA destruíram
fazendas e vilas e assassinaram dois mil colonos portugueses. Foi o início de
uma tragédia imensa, que abriu caminho para 14 anos de guerra. A Índia já havia
caído. E era preciso defender África”.
Pesadelos da guerra colonial – Crónica de Carlos Esperança
“Quem regressou da guerra colonial, desejou esquecê-la, e não pôde.
Saímos da guerra, e a guerra não saiu de nós, pelos mortos que lá deixámos e
estropiados que trouxemos, torturantes recordações de anos injustos e inúteis.
Por menos traumática que possa ter sido a guerra, nunca mais se esquecem
as rugas dos pais que nos aguardaram, a ansiedade que viveram e a angústia
pelos perigos, reais ou imaginários, a que nos julgaram expostos. (…) A
sobrevivência, mesmo sem mazelas aparentes, acarreta feridas que nunca
cicatrizam, memórias doridas, inquietações que regressam, angústias que
persistem. Ninguém faz a catarse de tão longo tempo e tão penetrante
sofrimento, ninguém conta tudo o que viu e grande parte do que soube (…)”.
Para além da noite – Crónica no Facebook de Francisco de Pina Queiroz
“…Mas… antes do seu efeito, aflora no doente o
pensamento interrogativo: e para além da noite, como será o dia de amanhã?
Frase de revolta para quem justa ou injustamente dorme em celas prisionais, por
decisão da justiça oficial. Revolta por ali estar. Revolta de arrependimento
pelo motivo afinal justo da sentença. Revolta por uma tirania castradora da
Liberdade, dos atos e dos pensamentos em sua defesa: poemas, romances,
manifestos, esculturas, pinturas ou até conversas num café. Frase de ansiedade,
de aperto na garganta, de suores frios apesar do calor da Mãe África, para
militares do exército regular, de guerrilheiros e para a população que está
para a guerra subversiva como a água está para os peixes – como Che Guevara nos
ensinou nos seus Textos Militares. Sim, nós os ex-combatentes, em noites
incontáveis de agora, ainda nos lembramos e/ou sonhamos e revisitamos psíquica
e fisicamente a ansiedade derivada do que virá para além da noite. O que nos
esperará nos primeiros raios de Sol: pisar uma mina, emboscada? (…)”
A vida que não se esquece –
Ainda os Combatentes da guerra do Ultramar – João Peres, in “O Olhanense”
“… Os sobreviventes da guerra do Ultramar
estão entre os sexagenários e octogenários da população portuguesa. Por ironia
do destino, o Estado Totalitário que governou Portugal, preferiu enviar carne
para canhão, como eram designados os militares da altura, para uma guerra
absurda, interminável, que obrigou centenas de milhares de moços ainda, a
aprenderem a manejar uma arma, no princípio a Mauser e depois a G-3 para a
utilizarem nas horas más, a deixarem para trás à medida que o navio se afastava
do cais de Alcântara, a terra natal, estudos, profissão, família e amigos, a
enveredar pela negociação pacífica. Já em território africano, a temperatura, a
malária, as minas nas picadas, os aquartelamentos e destacamentos em
instalações abandonadas nas fazendas ou feitas à custa do suor do soldado, eram
elementos de um inferno que viviam de dia em patrulhamentos, à noite sujeitos a
flagelação com granadas de morteiro e canhão-sem-recuo que não os deixavam
repousar. (…) Dois anos depois, torrados do sol, magros, depressivos, voltavam
às suas terras como estranhos, exceto a família que os ajudava a
reintegrarem-se na vida civil, que por imposição deixaram. (…) Houve casos em
que a bolsa abastada, como se dizia, comprou ao mais pobre a mobilização e
ficou cá a cumprir o serviço militar, enquanto o outro arriscava a vida para
deixar uns cobres à família necessitada. Outros conseguiram desertar,
refugiando-se em países onde tinham contactos de amigos e familiares. Quantos
viram o camarada de armas ser atingido ou projetado pelo sopro de uma mina,
ouviram das suas bocas chamar pela mãe ou pela mulher ausentes no outro lado do
Atlântico, seguravam-lhe na mão até ser evacuado ou fechar os olhos para
sempre. O desprezo a que foram votados não tem explicação. A crise de stress
pós-traumático foi vivida no seio das famílias, porque lhes negaram, durante
décadas, a ajuda médica que precisavam. (…) Na atualidade estão a morrer, cada
vez mais, e dentro de pouco mais de uma década, não haverá sobreviventes deste
conflito. Aprovaram, recentemente, o estatuto do antigo combatente elaborado
por políticos jovens que já nasceram em democracia e não viveram, nem sentiram
este drama nacional.”
Aproximamo-nos do Natal e de um Novo Ano, pelo
que convido a lerem atentamente, neste número, a história de um dos nossos
Antigos Combatentes deste Núcleo da Covilhã, na pessoa de Humberto Nunes da
Cruz, na forma como passou os Natais em Angola em tempo de guerra.
Por último, não podemos deixar de endereçar um
grande abraço de parabéns ao Diretor desta publicação e Presidente do Núcleo da
Covilhã da Liga dos Combatentes, João Cruz Azevedo, que a exerce desde 1986
(trinca e cinco anos! É obra!) e foi um dos fundadores de “O Combatente da
Estrela”, pela concessão da Medalha de Honra ao Mérito – Grau Ouro, pelos anos
dedicados à Liga dos Combatentes, condecoração atribuída pela Liga dos
Combatentes, ocorrida no dia 11 de novembro deste ano, no Dia do Armistício, no
Museu do Combatente, em Lisboa. Aqui a apresentamos.
Desejamos a TODOS os que integram o mundo do
nosso Núcleo, e seus Familiares, Gente da nossa Gente, os maiores votos de um
Feliz Natal e próspero ANO NOVO.
(In "O Combatente da Estrela", nº. 125-DEZ.2021)
18 de dezembro de 2021
15 de dezembro de 2021
GRANDE MÉRITO DA CASA DA COVILHÃ EM LISBOA
A Covilhã tem a felicidade de
ter uma instituição na capital bem representativa daquela que é a cidade dos
lanifícios e universitária, das faldas da Serra da Estrela.
Muitos dos Covilhanenses,
sejam de raiz ou de coração, radicados em Lisboa ou concelhos da proximidade, ali
confraternizam semanalmente, com orgulho da sua Terra. Do outro lado, quem viaja
da Covilhã e visita esta instituição, sente a alegria no encontro de velhas
amizades que os quilómetros de distância não permitem que se encurtem estes
tempos de vivência.
E isto porque, quando nos
encontramos fora da nossa Terra por nos termos radicado noutro lugar, por
circunstâncias várias, sendo que uma das principais razões são a atividade
profissional, e, outras, a vida familiar ou a conjugação de ambas, vamos sempre
de encontro à nostalgia.
No caso inverso, também é
salutar os que, não largando o seu torrão natal, sentem uma vontade indómita para
matar saudades de amigos de longa data, colegas ou familiares, quantos deles
com décadas de ausência.
Tem a cidade laneira e
universitária da Beira Interior, porta principal para a Serra da Estrela, a felicidade
de ter na capital uma casa com o nome da Covilhã, a pouco mais de três anos
para o seu centenário. De Grémio Covilhanense como se iniciou em 1924, passou a
designar-se Casa da Covilhã em 28 de outubro de 1939.
A sua sede na Rua do
Benformoso, 150-1º tem sido, de há muito, palco de encontro de muitos Covilhanenses,
para ao redor do degustar os almoços das terças-feiras e outras datas de
eventos assinalados, surgirem as conversas de memórias dos presentes e sobre
muitos dos ausentes. Reminiscências e questões opinativas, para além do que é a
vivência atual, com a Universidade da Beira Interior, o Centro Hospitalar
Universitário da Cova da Beira, o novo Teatro Municipal, Museus e novas obras, ainda
as memórias da Escola Industrial e do Liceu, da antiga Biblioteca Municipal,
das gentes covilhanenses de hoje e de outrora e das publicações que existem na
Cidade, recebidas com agrado na Casa da Covilhã, antídoto ao esquecimento quando
os patrícios pretendem que seja dado a conhecer o que se passa nesta
instituição covilhanense na Capital.
Algumas que defendem o
Interior e se revoltam do ostracismo a que o mesmo é votado, esquecem-se que
estão a fazer o mesmo à Casa da Covilhã.
Não há almoços que não sejam
com produtos oriundos da Covilhã, não há recordações importantes que não sejam
da Covilhã e ali são expostas.
A cultura é um vetor que
define também esta nossa Casa em Lisboa, com eventos como o fado, à realização
de réplicas de feiras ancestrais da Covilhã, como a de S. Miguel, ao amor aos
livros, com o convite de autores covilhanenses para apresentação das suas
obras, ao acarinhar do Sporting da Covilhã, e a tudo o que, de alguma forma,
tenha o sentir da Terra que é da Gente das nossas Gentes.
Neste cambiante de opiniões,
de atividades programadas e a programar, ainda que, de quando em vez, como em
qualquer ação dinâmica, possam surgir ventos e marés, há sempre a alma do
Covilhanense a gritar mais alto para que o barco prossiga por águas navegáveis.
Depois de há uns tempos atrás
a Casa da Covilhã ter passado por um período menos bom, por escassez de braços
para prosseguir com as árduas tarefas de manter uma Casa acolhedora, nas
últimas décadas covilhanenses da rija têmpera de Viriato pegaram na mesma e
ei-la aí, de vento em popa, a dar alegria a quem a visita, com a permanência de
casa repleta, ou muito perto disso, às terças-feiras para os almoços convívio.
Estivemos lá no dia 9 de
novembro. Éramos ao todo 47 elementos, que, por coincidência correspondiam, em
número, aos 47 fundadores da Casa da Covilhã em 1924. Para além do almoço,
sorteiro de um livro com o autor covilhanense presente, e também do jovem
covilhanense Manuel Ramos, de 19 anos, que esperamos possa vir a ser
selecionado para participar nos Jogos Olímpicos de Pequim, na modalidade de
esqui alpino. Do comboio para lá foram alguns produtos da Covilhã que no mesmo
dia puderem ser cozinhados e consumidos.
É de louvar a Direção atual,
liderado pelo Manuel Vaz Rodrigues, e também a médica fadista covilhanense,
Daniela Runa, como outros entusiastas covilhanenses, o António Chorão, o Zé
Ascensão Rodrigues, o Elói, o Pedro Freire, e a alma das gentes que se deslocam
da Covilhã – o delegado regional João Romano – que não deixam ficar por mãos
alheias um trabalho de excelência, independentemente da grave pandemia Covid 19
que nos tem assolado.
Não queremos terminar sem felicitar
a equipa do Jornal fórum Covilhã pelo
seu 10º aniversário, num trabalho conseguido em prol da liberdade de
informação, num pluralismo de ideias, direcionados para o bom jornalismo.
Sendo esta a última crónica
deste ano, desejamos aos prezados Leitores, Familiares e Amigos, sem esquecer
todos os Obreiros deste Jornal, um Santo Natal e um Feliz Ano Novo.
(In "Jornal Fórum Covilhã", de 15-12-2021)
9 de dezembro de 2021
MAIS UM NATAL
Felizmente para muitos de nós,
viventes, podemos expressar-nos na palavra em título. Outros, porém, que também
o desejariam, e sem que contassem com os novos males deste primeiro quarto do
século XXI, precocemente deixarem o mundo dos vivos. Viverão agora noutra vida,
além-túmulo, para os crentes, mas aqui com as suas memórias desta efémera
passagem planetária.
Os nossos familiares e amigos são
os que constam desta listagem de saudade.
Mas como a vida continua,
independentemente de prós e contras, teremos que, tanto quanto possível,
prosseguir no ambiente social, que tanta falta nos fez durante o primeiro
rigoroso confinamento.
Dois dias antes de escrever estas
linhas, deleitei-me num desses encontros de amigos, que a pandemia fez recuar,
onde a D. Purificação, de 100 anos, beirã mas radicada em Lisboa, com uma vida
que também foi de emigrante, fazia-nos aquela inveja positiva, caminhando
sozinha, comendo todas as refeições, onde não faltava o cafezinho com o
“cheirinho…”. Filha e genro que a tratam carinhosamente, nos narram que
diariamente tem que ler o jornal. E gosta de acompanhar as conversas. Numa foto
que lhe tirei dum grupo onde estava inserida, referiu que vissem que ela era a
que estava mais fotogénica… Hilaridade óbvia entre o grupo.
Para as bandas do Tortosendo, em
ambiente de grande amizade, com aquela Figura que um dia me disse, após ter
terminado a minha vida profissional e ter rumado para outro ciclo de vida – “Enquanto
você quiser, manteremos este ‘nosso dia’” – vai a amizade entre vários amigos
com uma Couvada do Natal, com produtos regionais, como antigamente,
selecionados pelo Pedro, de São Jorge da Beira.
E, para que não sejam olvidados
os Covilhanenses radicados em Lisboa, e que brilhantemente honram a sua Terra,
na liderança da Casa da Covilhã, são os seus pontos de reunião, nos almoços das
3ªs feiras, que enchem o espaço, onde não falta a distração e a cultura, num
enlaçar de amizades. Produtos e objetos expostos, tudo se reporta à cidade
laneira. E tão pouco têm sido dados a conhecer os seus eventos, a não ser nas
redes sociais. São Covilhanenses com o corpo na Capital mas que têm o espírito
na Covilhã. Liderada pelo Manuel Vaz Rodrigues, tem na Daniela Runa, médica e
fadista, como vice-presidente e outros valorosos covilhanenses como o delegado
regional, João Romano, o António Chorão, o Elói, o José Assunção Rodrigues, o
Pedro Freire, e outros mais, um forte baluarte na representatividade desta
Instituição covilhanense na Capital, de elevado prestígio.
É desta forma que deixo a última
crónica deste ano, no prestigiado semanário Notícias
da Covilhã, memórias do tempo de Natal, procurando assim afastar os
nefastos tempos pandémicos por que ainda estamos passando em mais um Natal.
Votos de um Santo Natal e Feliz
Ano Novo, para todos os prezados Leitores, e para os que fazem com que o Notícias da Covilhã continue a chegar
semanalmente até nós, e seus Familiares.
(In "Notícias da Covilhã", de 09-12-2021)
17 de novembro de 2021
QUO VADIS, ESQUERDA! DIREITA! VOLVER!?
Ainda faltam quatro anos e quase
dois meses para completarmos o primeiro quarto do século XXI. Ele que começou
mal em todo o mundo. Memórias terríveis certamente em muitos habitantes deste
planeta.
No meio deste mar de problemas,
Portugal foi poupado a muitas desgraças, como o terrorismo. Tivemos também a
nossa quota-parte nas contrariedades. Para além de incêndios florestais como
nunca se tinham visto, foram duas décadas de fraco crescimento económico,
partilhando, com excesso, as crises financeiras e de austeridade. Conhecemos o
maior embuste financeiro da história deste país.
Mas viria a surgir o “milagre”
económico português com Mário Centeno, ministro das Finanças, a colocar o nosso
País a crescer acima da média europeia nos últimos anos, com o défice público
reduzido a mínimos, a superar 2014 com 7% do PIB e a fechar 2018 em apenas
0,4%. O reconhecimento internacional é indubitável, com as três principais
agências de classificação a retirarem o país do nível “lixo”. Foi o homem que
chegou a um partido que fora corrido do poder por causa de uma bancarrota, e
que enquanto estava na oposição atacava “a obsessão do défice” dos outros, mas
que, regressado ao Governo, chegou ao ponto de espalhar pelo país cartazes que
celebravam “o défice mais baixo da história da democracia” e de exultar com o
primeiro superavit do regime.
A pandemia, entretanto, veio
manchar este desanuviar económico do país que, tal como por quase toda a
Europa, viria a ver uma luz sorrir com a anunciada “bazuca” europeia, por via
do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Assim, a crónica de Vasco Pulido Valente, sob o título “A geringonça”,
datada de 31 de agosto de 2014, publicada no Público, aplicada com o
sentido depreciativo ao PS de António José Seguro, viria com este termo a ganhar,
nacional e internacionalmente, um sentido positivo e elogioso. Neste paradoxo, a
aliança parlamentar estabelecida entre o líder do PS, António Costa, e o BE, o
PCP e o PEV, permitir-lhe-ia governar até ao chumbo do orçamento no passado dia
27 de outubro.
Com a insólita, ou talvez não, não aprovação
do Orçamento de Estado para 2022, e consequente dissolução da Assembleia da
República e marcação de eleições antecipadas, surgem muitas análises, muitos
comentários, sendo certo que o Partido Comunista, acusado de ter alinhado ao
lado da direita, consequentemente ao lado do CHEGA, direita radical, “vai pagar
caríssimo”, na opinião do sociólogo António Barreto. “O voto contra, ao lado da
direita, é dizer que a direita tem razão quando quer cortar salários”. Já
António Costa antevê uma vitória de Pirro para a direita.
Com o Presidente da República no seu labirinto
a tentar encontrar uma solução e a esquerda a mostrar receios, com a evidente fisionomia
de Jerónimo de Sousa na sua expressão recordando que “nada obriga” à dissolução
do Parlamento, naquele provérbio de “burro morto, cevada ao rabo”, também com a
entrevista de Vasco Cardoso, membro da comissão política do PCP, dada a Rosália
Amorim, diretora do Diário de Notícias conjuntamente com
Pedro Cruz, da TSF, foi direcionada no mesmo sentido. Os receios
persistem.
Já a direita também não está melhor, com a
luta interna para a liderança das forças do CDS-PP e do PSD, com os
protagonistas Francisco Rodrigues dos Santos e Nuno Melo, pela banda do CDS; e
Rui Rio e Paulo Rangel, nas hostes do PSD.
Vamos ver se esta embrulhada em que os
partidos da esquerda se quiseram envolver contra o Governo, não lhes vai
resultar “num tiro a sair pela culatra”.
Jorge Almeida Fernandes, in Público, sobre a
inesperada rutura da “geringonça”, mas que também não pode ser considerada uma
surpresa, analisa o PCP na pessoa de Jerónimo de Sousa como “os restos do muro
de Berlim que voltaram a erguer-se” e que o PCP regressa ao estilo tribunício.
Nesta conduta algo inédita, a posicionarem-se
para a fotografia, orgulhosas, tanto a esquerda à esquerda do PS, como a direita,
com honrosas exceções para o PAN e as duas deputadas não inscritas, vamos ver
se não vai resultar numa hecatombe política sobre aquelas forças.
E, depois já não vale a pena chorar sobre o
leite derramado. Sim, Quo Vadis, Esquerda! Direita! Volver!?
(In "Jornal fórum Covilhã", de 17-11-2021)
3 de novembro de 2021
A EXEMPLO DE DRAGHI
Estamo-nos aproximando da porta
de entrada daquele período do ano próprio da gripe sazonal. Dos costumes, a
precaução. Corpo mais agasalhado. Evitar contágios. Os mais idosos, alguns,
aceitam vacinar-se. Não querem o estado mórbido desta gripe. Houve os anos
precedentes à atual pandemia. Muitos foram os que rejeitaram vacinar-se. Nas
suas mentes, o perigo iminente de uma situação muito grave não se faria sentir.
Chazinho quente com a medicação apropriada resolviam o problema. Podiam solucionar,
ou talvez não, no imediato. Mas veio a Covid-19. A caminho de dois anos com o
nome pomposo de Coronavírus SARS-COV-2. O resultado é sobejamente conhecido do
cosmopolitismo. A dita cuja não abranda. Parecia que sim. Vai-nos enganando.
Com outros cambiantes na sua rota devastadora. Os descrentes da gripe sazonal
convertem-se. Querem agora a ditosa picadela. Não vá o diabo tecê-las. É melhor
prevenir que remediar. Os provérbios continuam na sua sapiência ancestral.
Confinamentos obrigatórios por
toda essa Europa e Mundo fora. Cercas e cordões sanitários. Também por cá, na
Lusa Pátria tal se passou. Entretanto, se ia aliviando por alguns tempos, logo
surgiam aqui e acolá, alguns surtos. Muitos surtos pandémicos.
Procurava-se não haver desânimo.
O deserto era intenso e imenso. Começava a haver a nostalgia de outros tempos. Afinal,
até aqui éramos felizes sem o saber! Nem nos passava pela cabeça o que contaram
os nossos avós. Aqueles do início do século XX. As pandemias dos seus tempos.
Para já não se falar da história da humanidade. Vivíamos agora uma nova
pandemia, com várias vagas. Que saturação!
Só se resolve quando for criada
uma vacina! Mas ela surgiu. Foram, aliás, várias em tempo record. Continuava a contagem
de infetados pelo novo Coronavírus. Também de doentes internados nos cuidados
intensivos e das mortes. Leva-nos para uma situação assustadora.
Um pequeno lenitivo surge em
Portugal. Ao atingir-se a fase de
imunidade à Covid 19, com o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo a dar por
terminada a missão da Task Force do Plano de vacinação contra a Covid-19.
Era já 85% da população vacinada.
Mas há os resistentes que não
pretendem o desiderato da generalidade dos portugueses. São os negacionistas. Nem
a verem a morte à frente dos olhos acreditam! Nem com o impacto dantesco que
houve noutros países, como a Itália.
A vacinação contra a Covid-19 é voluntária. Apenas
é vacinado quem o deseja.
Os casos provocados por este
Coronavírus persistem. A pandemia por COVID-19 ainda não está dominada. A
vacina continua a ser a principal solução para tentar limitar o número de
mortos e internamentos. Nos EUA os
hospitais estão sobrecarregados por surtos graves da variante delta. Os seguros
americanos têm vindo a adaptar-se ao estado da pandemia. Sustentam o tratamento
das doenças, incluindo as hospitalizações. Ser hospitalizado por causa da
COVID-19 nos EUA fica caro. Nesse sentido, alguns hospitais estão a apresentar
contas diferentes aos infetados. Os que têm ou não seguro. Há seguros que
excluem simplesmente estados de pandemia. Evitam-se aumentos do seguro ou
pagamentos diretos ao hospital. As pessoas são incentivadas a vacinarem-se.
A Itália passa a exigir
passaporte sanitário a todos os trabalhadores. Medida aplica-se ao público e ao
privado. Quem não exibir o passaporte sanitário fica impedido de aceder ao seu
local de trabalho. Ou arrisca-se a pesadas multas. Determinação do
primeiro-ministro, Mario Draghi. Acontece a partir de 15 de outubro. São consideradas
ausências injustificadas, incluindo-se nelas os feriados ou de descanso semanal. E isto
apesar de estar excluída a hipótese de despedimento pelo facto de não possuírem
passaporte sanitário.
Por que não adotar esta conduta
também em Portugal?
Estamos na semana em que se sabe
que uma nova subvariante da Delta, a AY.4.2, está a ter grande impacto
epidemiológico. Leva alguns países de novo ao confinamento. A diretora-geral da
Saúde, Graça Freitas tem uma entrevista ao Diário de Notícias. Do ponto de
vista do vírus, “ainda há para saber e em aberto”. As medidas de proteção
individual continuam a ser fundamentais. No Plano Referencial Outono-Inverno
2021-2022 estão previstos três cenários. “O primeiro é o que vivemos,
perfeitamente estável. O segundo é aquele em que a efetividade da vacina começa
a cair. Haverá necessidade de fazer reforços para aumentar a proteção da
população. É o que estamos a fazer agora com os maiores de 65 anos. O terceiro, o pior, é aquele em que
apareceria uma nova variante. Mais agressiva. Com capacidade para escapar ao
nosso sistema imunitário. Estas três realidades têm que estar sempre presentes
até que o vírus termine o seu percurso entre nós.”
Vamos todos ser responsáveis. Não
só para nosso bem como também para os que nos rodeiam.
(In "Notícias da Covilhã", de 04-11-2021)
A HISTÓRIA DO CASAL DE VELHINHOS SEQUESTRADOS PELA NEVE
Devagar, devagarinho, vamos caminhando
por este outono fora, até que chegará o tal tempo de invernia, que poderá já
não ser como noutros tempos, mas agora com as cautelas julgadas mais que
necessárias neste tempo pandémico. Que não dá azos de abrandar.
Corria o mês de fevereiro do
ano da graça de 1900, último ano do século XIX. Estávamos no alvor do
surgimento das Conferências de São Vicente de Paulo também na Covilhã. Para dar voz àqueles que mais necessitavam. Na
Diocese da Guarda havia na cidade a única Conferência com o nome de S. Luís
Gonzaga, fundada nove anos antes (01/12/1891) que lutava com grande dificuldade
apesar da esmola superior a 400$00 com que o Prelado a contemplava. Tinha esta
Conferência vários sacerdotes como seus membros, entre os quais o anterior
bispo, D. Tomaz Gomes de Almeida. De qualquer modo, o bispo D. Manuel Vieira de
Matos, também considerando indispensável a ação da Sociedade de S. Vicente de
Paulo, ajudou a levantar a Conferência da Guarda que entrara em grande
declínio.
Volvidos oito anos, é na
Covilhã que começa a força impulsionadora vicentina – um pouco tardia é
verdade, mas que com a sua vontade indómita viria a superar todas as da
Diocese.
A primeira Conferência
Vicentina na cidade dos lanifícios foi fundada na Igreja de Santa Maria Maior,
sob a invocação de Nossa Senhora de Lourdes, em 12 de novembro de 1899. Foi
eleito presidente o Dr. José Thomaz Mendes Megre Restier e entre os seus sócios
ativos contavam-se o Dr. José Mendes Alçada de Paiva, Alfredo Baptista,
Sebastião António da Costa Ratto, João da Costa Ratto, Manuel d’Almeida
Cipriano, Camilo Ribeiro, Alexandre Espiga, José A. Thomaz Freire, Padre José
da Costa Tavares, então prior da freguesia de Santa Maria, José Marques Braz
Povo, a cujo zelo se devem a fundação de outras Conferências na Cidade, e
Claudino Dias A. e Rosa, Francisco Petrucci e Francisco Fiadeiro.
A todos os seus títulos de
benemerência sobreleva a fundação do Albergue dos Pobres em 1900 (hoje Lar de
São José), sendo presidente o Dr. José Mendes Alçada de Paiva.
O Relatório das Conferências
de S. Vicente de Paulo, da diocese do Porto, relativo a 1902, refere-se a essa
Obra: “Contando pouco mais de dois anos de existência, esta bela obra atingiu
um grau de prosperidade que decerto os seus beneméritos fundadores estavam
longe de esperar e que raras instituições daquela natureza conseguem atingir
nos mais dilatados prazos.
A ideia da instituição do
Albergue para os pobres partiu de um dos nossos mais dignos confrades que em
fevereiro de 1900 foi encontrar, num pobre casebre, sequestrados pela neve e
morrendo de fome, dois desgraçados velhinhos octogenários, marido e mulher, a
quem o formidável nevão do dia 1 prendera em casa, obstando a que pudessem ir
mendigar o pão quotidiano.
Comunicada a ideia à
Conferência, desde logo começaram a trabalhar os confrades com tanto zelo e
tanta inteligência, angariando esmolas e donativos e fazendo propaganda aturada
e eficaz, que, poucos dias volvidos, havia os meios necessários para a
instalação.
Nessa cruzada foram auxiliados
os confrades por uma comissão de senhoras composta por D. Maria da Anunciação
Tavares, D. Ana Augusta Fonseca Ferreira e D. Clotilde Terenas, que,
percorrendo a cidade e as povoações do Concelho, trouxeram abundante colheita
para os pobrezinhos. Mais tarde, estas e outras senhoras, fundavam a Sociedade
feminina de S. Vicente de Paulo, ereta em Santa Maria Maior da Covilhã em 16 de
novembro de 1905, sendo a sua primitiva direção: D. Leopoldina Rato,
presidente; D. Ana Ferreira, tesoureira; e D. Maria da Glória M. Ferreira,
secretária; e assistente eclesiástico, presidente honorário, o Padre José da
Costa Tavares. Esta Sociedade mereceu sempre as bênçãos dos desvalidos e o
respeito e a admiração de todos os covilhanenses. No seu último relatório,
referente ao ano findo, consigna que além de muitos socorros e subsídios que
espalhou, promoveu a realização de 23 casamentos e de 14 batizados,
distribuindo 349 peças de vestuário executadas na sua “Casa de Trabalho” de que
continuou a dirigir e a proteger o “Patronato feminino”.
Estava fundado o Albergue, recebendo desde logo 14 pobres. Em dezembro do
mesmo ano recolhia já 27.
Continuando a afluir os
donativos, a Conferência foi alargando o quadro dos seus pobres, sendo já 32, em
dezembro de 1902, os sustentados por esta instituição. Desde logo começou a
Conferência a empenhar-se por entregar o Albergue às Irmãzinhas dos Pobres
porque só elas poderiam dirigi-lo e desenvolvê-lo vantajosamente. Removidas
todas as dificuldades, viu a Conferência coroados os seus esforços do melhor
êxito, porque em 10 de junho de 1902 chegava à Covilhã um grupo de irmãzinhas
que foram recebidas festivamente pela população covilhanense.
No dia aprazado para a sua
chegada, sem convite especial da Conferência, eram as boas Irmãzinhas esperadas
na estação por numerosas damas e cavalheiros, que lhes oferecendo uma
carruagem, as acompanharam até ao edifício do Albergue. O Albergue esteve no
princípio instalado numa casa em frente da Igreja de S. Martinho e em seguida
na casa chamada dos doutores Grainhas, que então pertencia a esse sobrinho
Padre Francisco de Sales B. Grainha, S.J. Foi par aqui que vieram as Irmãzinhas
dos Pobres e permaneceram durante mais de dois anos até que puderam comprar aos
herdeiros Marques de Paiva o belo edifício, donde as expulsaram em 1910 e onde
atualmente se encontra ainda o Albergue. Ali foram aguardadas pelo povo que as
aclamou. E entrando na capela, foram surpreendidas pela chuva de flores que
caia dos coros.
Cantou-se uma missa solene e o
Te-Deum. E em seguida apresentaram-lhes os velhinhos albergados, a quem
encheram de carinhos e mimos.
Poucos dias depois da sua
instalação, admitiam mais velhinhos, que em breves dias chegavam a 45 e depois
quase duplicaram”.
No dia da sua chegada,
foi-lhes entregue a quantia de 400$000 – todo o saldo que a Conferência então
possuía – pelo seu tesoureiro, Alexandre P. Espiga.
Quando em 1908 se celebraram
as Bodas de Diamante das Conferências de S. Vicente de Paulo, havia na Covilhã
um Conselho Particular, que já abrangia na sua circunscrição três Conferências:
a de Nª Sª de Lourdes, a da Imaculada Conceição, fundada em 19 de março de 1903
e a de S. Pedro inaugurada em 29 de junho de 1905. Em S. Martinho só em 1911 se
fundou uma Conferência agregada em 22 de maio desse ano.
Estas Conferências, onde sempre
viveu o espírito de S. Vicente de Paulo e a boa doutrina de Ozanam, ressentiram-se,
contudo, nas perturbações religiosas e sociais que acarretou o movimento
revolucionário de 1910, e em 4 de janeiro de 1920 foi resolvido reunir numa só
as 4 Conferências da cidade. Organizou-se nessa ocasião a “Agremiação de
Recreio e Beneficência” que no artº. 2.º dos seus estatutos preceitua: “que
auxiliará obras de beneficência e caridade na medida da sua capacidade moral e
intelectual, tendo sempre um especial carinho para as Conferências de S.
Vicente de Paulo.” Nomeou-se então uma Comissão provisória; mas a vida da
Conferência continuou débil e precária até maio de 1922, em que se elegeu uma
nova Comissão, que procurou dar-lhe alento e desenvolvê-la, e principalmente
angariar novos sócios – conseguindo esse desiderato a ponto de em fevereiro de
1924 se poder desdobrar de novo em quatro, correspondentes às freguesias da
Cidade.
Foi durante esta gerência que
se pensou em fundar um Pavilhão para tratamento da tuberculose anexo ao
Hospital.
Se é verdade que cada Conferência tem a sua vida própria, é igualmente
certo que se encontram ligadas pelo mesmo laço, o Conselho Particular,
atualmente designado Conselho de Zona, que orienta e conjuga os seus esforços,
e não podem ser indiferentes, como ramos do mesmo tronco, indicadas na mesma
salutar aspiração.
(In "O Olhanense", de 01 de novembro 2021)
13 de outubro de 2021
O MISTÉRIO DOS SONHOS
Sempre que me desloco ao Centro
Cirúrgico de Coimbra tenho o hábito de folhear a revista Olhares que
aquela instituição edita trimestralmente, tendo-me chamado à atenção um
excelente artigo da Psicóloga Clínica, Vanda Clemente, especialista em Medicina
Comportamental do Sono.
Muito do conteúdo deste artigo dá
resposta ao que se passa connosco ao longo dos dias das nossas vidas, entre
sonhos como mensagens de inspiração divina, à realização de desejos ou
fantasias. Podem ser curtos, longos, a cores ou a preto e branco, estranhos,
angustiantes ou engraçados. É, por assim dizer, aquele mistério de sonhar.
Eu que não consigo dormir as
horas normais há anos, não deixo de ter sonhos durante o tempo que durmo,
recordando-me de vários sonhos repetidos ao longo do tempo, alguns que bem
parecem a realidade e que só quando acordo sinto o lenitivo de que se tratava
dum sonho. Também já aconteceram aqueles sonhos de pesadelo que ao levantar
parece que tinha a Serra da Estrela às costas. Mas isto penso acontecer com
todos nós, uns mais que outros.
Segundo aquela Psicóloga Clínica,
os sonhos correspondem à atividade mental involuntária que ocorre durante o
sono: são imagens, pensamentos ou emoções. As imagens visuais são as mais
comuns, coloridas ou a preto e branco, mas também podem envolver sons, odores,
sabores e sensações tácteis. Os sonhos podem constituir uma coleção de imagens
e eventos ilógicos, incoerentes ou fantásticos, podem organizar-se em histórias
reais entre personagens e, por vezes, são mais impressionistas, carregados de
emoções.
Ainda me recordo do primeiro
sonho que tive ainda no meu primeiro ou segundo ano de vida. Lembro-me de dizer
â minha Mãe que me tinham acontecido coisas estranhas durante a noite quando
dormia. Foi quando a minha Mãe me disse que isso era um sonho.
“Há um período em que os sonhos
são mais organizados (sonhos REM) com sequências progressivas e são
emocionalmente mais intensos, com conteúdos fantásticos em que conseguimos
proezas fisicamente impossíveis e temos experiências perturbadoras e
intrigantes. Mas também há outro período (sonhos NREM) em que os sonhos são
geralmente mais curtos, menos nítidos e têm um conteúdo mais coerente e menos
emotivo, relacionados com pensamentos ou memórias sobre um tempo e um lugar
específicos. Os sonhos tendem a predominar nas horas antes de acordar.”
Porque sonhamos, ao certo ainda
não sabemos. Segundo a Olhares, “os sonhos parecem ter um papel
importante na consolidação da memória, no processamento das emoções, na
reprodução instantânea de acontecimentos recentes, para que sejam analisados, e
na limpeza mental, libertando informações desnecessárias.”
Sonhar faz parte de um sono
saudável e melhora o funcionamento cognitivo e emocional. No entanto, os pesadelos podem ter um impacto
negativo no sono, pois provocam despertares noturnos.
Já dizia Fernando Pessoa: “Mudem-me
os deuses os sonhos, mas não o dom de sonhar”.
Os sonhos permanecem um objeto de
mistério e de fascínio e nem sempre foram considerados um produto da mente. Da
Antiguidade até hoje, algo mudou na forma de vermos e interpretarmos os sonhos.
O sonho foi abordado como objeto de psicologia, pela primeira vez, pelo
filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.).
Foi muito mais tarde,
principalmente no final do século XVIII e durante o século XIX, que se assistiu
ao desenvolvimento de diversas teorias psicológicas sobre os sonhos. Sigmund
Freud (1856-1939), médico austríaco, neurologista e psiquiatra, criador da
psicanálise, considerava que o sonho é a realidade de um desejo inconsciente, a
expressão de fantasias proibidas e reprimidas durante a vigília.
Já Alfred Adler (1870-1937),
psicólogo austríaco, defendeu que o indivíduo ensaia, durante o sonho, futuras
situações que o ajudam a resolver problemas.
Muito haveria que falar sobre o
sonho, e é ainda Fernando Pessoa que, das suas cinco frases universais no livro
Mensagem, sobressai que “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, sem
esquecer a Pedra Filosofal, de António Gedeão/Rómulo de Carvalho: “Eles
não sabem, nem sonham/que o sonho comanda a vida/Que sempre que um homem
sonha/o mundo pula e avança/ como bola colorida/entre as mãos de uma criança”.
(In "Jornal fórum Covilhã", de 13-10-2021)
4 de outubro de 2021
NAQUELAS MONTANHAS DA ESTRELA
Uma interessante quão importante descrição da Serra da Estrela na revista
Olhares, nº 24, de 2019, leva-nos a transcrever parte deste texto para
conhecimento dos prezados Leitores:
“Um cristal de gelo é o símbolo escolhido pelo Parque Natural da Serra da
Estrela, tão só porque nos remete para a sua origem glaciar. As suas 25 lagoas
ilustram bem essa história que começou a ser contada há centenas de milhões de
anos. Ainda não tínhamos nascido, mas o granito que cobre a serra já lá estava.
É preciso entrar no maior vale glaciar da Europa para avistar o único
local português onde ainda vive a lagartixa da montanha. Segundo o mosaico que
recheia o Parque Natural da Serra da Estrela, hoje classificado de Geoparque
Mundial, tem esta caraterística de mosaico diversificado. Para além da neve de
inverno, há muitas outras paisagens ali plantadas e para conhecer durante o
ano. São assim 325 outras razões para seguir as rotas do turismo da natureza.
A história começou a ser contada há milhões de anos com a formação de uma
cadeia montanhosa, hoje transformada na maior área protegida em solo português.
A heterogeneidade mora ali, a par com inúmeros ecossistemas ainda naturais.
Mas, falar da Serra da Estrela, remete o nosso imaginário para a neve, frio e
grande altitude, nem sempre nem nunca, porque o património que aquele Parque
Natural acolhe é muito mais vasto.
Como percorrer todo este território é uma escolha individual, a pé, de
carro, de mota, a cavalo, de burro ou de bicicleta. Mas, não podemos deixar de
sugerir que vá, seja pelos trilhos, seja pela estrada.
Foi por um acidente orográfico que ‘nasceu’ e é esse mesmo acaso que lhe
deu toda a multiplicidade de caraterísticas onde se incluem vales percorridos
por linhas de água, encostas, planaltos de menor e maior altitude e muitos
picos, sendo a Torre o local mais conhecido. Mas, antes de se chegar ao ponto
mais alto de Portugal continental (o Pico, na ilha do Pico, é o mais alto), é
possível apreciar os vários habitats que sobreviveram e onde ainda se encontram
diversas espécies, mas também inúmeras nascentes e cascatas. O Poço do Inferno
é apenas um exemplo de uma cascata de visita obrigatória pela queda de água a
10 metros de altura.
Naquelas montanhas da Estrela nascem os rios Mondego, Zêzere e Alva, que
ajudam a proporcionar vários habitats típicos de água doce, mas também algumas
praias fluviais, porque nem só de neve vive a Estrela. A praia do Vale do
Rossim e a Loriga são duas praias fluviais afamadas onde só mergulha gente sem
temor ao frio.
A paisagem é alpina, misturada com vestígios de depressões de origem
glaciar, que agora acolhem vales, como o Covão d’Ametade. É este mesmo vale
glaciar, o maior de toda a Europa, que hoje acolhe o rio Zêzere, povoado nas
margens por cabras e ovelhas.
De entre as 25 lagoas naturais, a Lagoa Comprida será a mais famosa e a
que atrai mais olhares. Encontra-se no maciço superior da Serra da Estrela e é
essa localização que acaba por causar alguma surpresa, ninguém está à espera de
encontrar ali, bem no cimo, um lago tão grande, lado a lado com blocos gigantes
de granito.
As caminhadas acabam por proporcionar visões impossíveis de detetar ao
volante de um automóvel e por isso mesmo a Estrela recomenda os trilhos, como a
Rota das Faias, a Rota Glaciar ou a rota das 25 lagoas, entre outras.
Mas, a história da Estrela nem sempre está escrita na pedra. Há outras
histórias e vivências para conhecer e essas só se encontram nas aldeias que
ainda povoam as encostas. A aldeia do Sabugueiro é a mais conhecida e também a
mais alta. Os concelhos de Seia, Covilhã, Manteigas, Oliveira do Hospital e
Fundão criaram a Rede de Aldeias de Montanha. Ao longo de 100 quilómetros há
muito para descobrir, conhecer e provar.”
O Município de Seia comemora 140 anos da Expedição Científica à Serra da
Estrela, conjuntamente com a Sociedade de Geografia de Lisboa, nos meses de
setembro e outubro, evocando assim aquela Expedição Científica que se realizou
em agosto de 1881. A iniciativa lembra “o pioneirismo e o arrojo de mais de uma
centena de homens, que há 140 anos se aventuraram por um território até então
pouco conhecido. Um momento ímpar da História da Ciência em Portugal, que
permitiu revelar alguns dos segredos da mais alta montanha do território
continental, dando a conhecer a Serra nas suas dimensões geográficas,
climatérica, orográficas, antropológicas, etnográficas, arqueológicas e
médicas”, segundo informação do Jornal terras da beira, de 17-08-2021.
(In "O Olhanense", de 01-10-2021)
1 de outubro de 2021
NO APROXIMAR DO OUTONO
Com a chegada do mês de setembro temos o fim do período de férias para a
generalidade dos Portugueses. O seu início está relacionado com a reabertura ou
reentrada. O mesmo que dizer: o regresso às atividades consideradas normais do
dia a dia.
As fortes trovoadas e chuvas que se têm feito sentir nestes últimos
dias assinalam que estamos mesmo muito
perto do outono, altura em que este número d’O Combatente da Estrela
chegará às mãos dos nossos estimados Associados e Leitores. Certamente já no
amarelar e início da queda das folhas das árvores. Todavia esperemos que a
lamentável conduta dos CTT, na parte que diz respeito à distribuição do correio,
não leve à situação que criaram com o número anterior que chegou atrasadíssimo
aos Leitores. Uma morosidade de que este Núcleo da Liga dos Combatentes não
teve a mínima responsabilidade.
Setembro é também o mês, este ano, de eleições autárquicas, a acontecerem
no dia 26 de setembro. Os dias que antecedem o ato eleitoral serão, certamente,
muito agitados, uma vez que há que contar espingardas para o maior
número possível de votos.
O orçamento do Estado para 2022 já está na mira dos políticos de todos os
quadrantes preocupados com o destino que vai ser dado aos dinheiros da “bazuca”
A propósito de eleições, também o Núcleo da Covilhã da Liga dos
Combatentes viu, finalmente, solucionada a formação do seu elenco diretivo,
ocorrido no dia 11 e com tomada de posse para o dia 21, a saber: Presidente da
Direção – João Cruz Azevedo; Secretário – António José Barbosa Gouveia Franco;
Tesoureiro – José Manuel Vicente Matias; 1º. Vogal – José Santos Cassiano; 2.º
Vogal – Carlos Alberto Fiadeiro; 1º. Suplente – José Santos Varandas; 2º
Suplente – José João Sutre. Na Assembleia Geral e Conselho Fiscal, continuam,
respetivamente, o Dr. Afonso Conceição de Mesquita e o Dr. João José Barata
Gomes.
Setembro foi ainda o mês em que se comemoraram 20 anos do famigerado
ataque às Torres Gémeas – aquela história trágica do World Trade Center. Eram
dois enormes arranha-céus idênticos que ganharam o título de edifícios mais
altos do mundo quando foram construídos, em Nova Iorque. A 11 de setembro de
2001 um devastador ataque terrorista roubou milhares de vidas e destruiu estes
edifícios emblemáticos.
Também neste mesmo mês assistimos à retirada definitiva dos americanos e
de outras forças estrangeiras do Afeganistão passando a ficar um país
mergulhado num caos com os talibãs. O retrocesso civilizacional está em marcha
neste país, apesar dos protestos de mulheres nas ruas, enquanto os Estados
Unidos continuam a medir as palavras e a China a encorajar o novo poder. Não há
lugar para as mulheres, exceto em casa.
“Vinte anos depois, é possível aceitar que o estado do mundo se agravou
nestas décadas inaugurais do século XXI. O ataque a Nova Iorque, a invasão e
retirada desastrosa do Afeganistão, a destruição da Síria e a afirmação do
Estado Islâmico no Médio Oriente ou sua presença no interior da Europa são
sintomas de uma ameaça difusa, sem rosto, traiçoeira e imprevisível, bem
diferente do ameaçador mas apesar de tudo entendível ‘equilíbrio de terror’ da
Guerra Fria. A dificuldade e o fracasso do ocidente na resposta a esta ameaça agravaram
a situação não apenas pela pressão que as migrações estão a causar nas
sociedades europeias, mas também pelo sentimento de impotência que perturba a
relação entre os cidadãos e os seus representantes políticos”, nas palavras de
Manuel Carvalho, in Público.
Ainda este setembro fica marcado fortemente pela morte do antigo
Presidente da República, Jorge Sampaio. Foi ele o autor do slogan “25 de
Abril, sempre”. Um Homem sem medo e corajoso. Como secretário-geral do PS
candidatou-se à Câmara Municipal de Lisboa à revelia do partido, conquistando a
mesma em 1989. Como principal adversário, Jorge Sampaio teve Marcelo Rebelo de
Sousa. Da campanha ficaram as imagens de Marcelo a tomar banho no Tejo, a guiar
um táxi e a limpar a estátua de Eça de Queirós. Sampaio viria então a
desagradar à esquerda por ter admitido a solução proposta por Durão Barroso de
ir para presidente da Comissão Europeia. Mas por fim dissolve o Parlamento em
30 de novembro de 2004, demitindo Santana Lopes de primeiro-ministro, pondo fim
ao XVI Governo Constitucional.
Algumas frases marcaram a vida de Jorge Sampaio: “Não há economia, nem
mercado, nem política, nem democracia sem esse cimento de base, a confiança.
Não há paz duradoura se a desconfiança minar as relações entre comunidades, povos
e nações, se o pacto social for rompido” – Público – 14-11-2016. “Não
deixa de ser – e peço desculpa pela expressão – anedótico, não fora o terrível
drama humano subjacente, constatar a cacofonia europeia gerada em torno do
acolhimento de escassíssimos 40 mil refugiados, agora acrescidos de 120 mil, no
universo populacional de 500 milhões de habitantes.” – 09-09-2015. “A crise
atual que as sociedades europeias enfrentam não é só financeira, nem económica,
nem política, mas é também uma crise de valores, de cultura e de civilização.”
– Lusa, 01-06-2012. “Há mais vida para além do orçamento. A economia é mais do
que finanças públicas”, discurso na cerimónia comemorativa do 25 de Abril de
2003. “Não há maiorias presidenciais. Serei o Presidente de todos os
portugueses. De todos, sem exceção”, discurso da posse, 09 março 1996.
Depois do amanhecer daquela sexta-feira, 10 de setembro, com a notícias
da morte de Jorge Sampaio, a comunicação social encheu-se de notícias sobre
esta grande Figura, desde “o construtor de pontes em política, um homem feliz
com lágrimas”, na pena da jornalista Leonete Botelho, do Público; assim
como “Tinha a ousadia de dar respostas inesperadas a perguntas incómodas. As
suas palavras eram assertivas, mesmo quando já estava muito debilitado”,
segundo Rosália Amorim, do Diário de Notícias.
O que é certo é que Jorge Sampaio nunca se reformou: depois dos holofotes
se apagarem sobre si, dedicou-se a causas humanitárias internacionais, primeiro
a luta contra a tuberculose, depois combatendo o extremismo na Aliança das
Civilizações e desde 2013 presidindo à Plataforma Global para os Estudantes
Sírios, de que foi fundador. Na véspera de ser internado com debilidades de
saúde que ditaram o seu fim lançava o apelo à solidariedade, desta vez para
promover a vida académica das jovens afegãs.
(In "O Combatente da Estrela", nº. 124, OUT/2021)
29 de setembro de 2021
OS COVILHANENSES ESCOLHERAM QUEM QUEREM QUE OS REPRESENTE
As eleições autárquicas constituem sempre um importante momento de clarificação das vontades das populações. Nestas eleições, escolher um candidato não estava tão dependente das simpatias partidárias, como na generalidade acontece nas eleições legislativas. Outros fatores surgiram como as propostas, ideias e o trabalho já efetuado, para resolver problemas concretos que afetam os territórios onde se inserem, neste caso, o concelho da Covilhã.
Todos os quatro candidatos (eram cinco, mas o do CHEGA nada adiantou, e
foi desaparecendo) se confrontaram entre si com nobreza de caráter ainda que em
determinados momentos houvesse situações naturalmente um pouco acirradas. O que
é certo e verdade, numa noite eleitoral renhida, mas ordeira, aguardaram-se
sempre com enorme expetativa os resultados finais. Havia que contar o número de
vereadores que poderiam tombar para um lado ou outro, daí se inferindo na
possibilidade de poder resultar numa maioria absoluta para a Câmara da Covilhã,
na pessoa do presidente reeleito, Vitor Pereira – o que veio a verificar-se,
com 46,18% na votação –, ou então com a entrada dum vereador para a CDU, o qual
foi pena não ter sido eleito, dada a forte tenacidade de Jorge Fael.
Também Pedro Farromba que efetuou uma forte campanha e se muniu de hábeis
pessoas para a sua equipa, conseguiu ser eleito forçando o Partido Socialista a
sofrer até quase ao último minuto, já passava da meia-noite. Pode ser, mais uma
vez, uma boa contribuição para os destinos que a cidade laneira e universitária
bem necessitam. Daí a sua grande influência que teve nos resultados para a
Câmara Municipal e nas Juntas de Freguesia.
Quanto ao candidato do movimento independente “Covilhã tem força”, João
Morgado, os seus resultados eleitorais ficaram aquém das suas expetativas.
Resta-nos a reeleição de Vitor Pereira, pela segunda vez com maioria
absoluta, sinal de que os Covilhanenses também estão atentos ao trabalho
efetuado, e não se deixam ludibriar pelos momentos que fazem agitar as águas.
De notar a quantidade de independentes que ganharam para as Juntas de
Freguesia, grande sinal de cidadania.
Concluído o ato eleitoral donde emergiram as pessoas que a maioria quis
nos representassem nestes próximos quatro anos, para o concelho da Covilhã, haverá
tão só o forte desejo de que, religiosamente, se venham a cumprir as promessas
feitas, e não se dissipe aquela qualidade de quem não tem nada a esconder – a transparência.
Aceitar os que democraticamente foram a maioria da escolha dos
Covilhanenses é uma atitude nobre se também na sublimidade de esquecer as
intrigas do passado, na permuta do dar as mãos em prol das muitas tarefas que
há a fazer.
"A REAL ASSOCIAÇÃO PROTECTORA DA INFÂNCIA DESVALIDA"
Esta extinta instituição que
depois adotou o nome de Associação Protectora da Infância da Covilhã, mais
conhecida por “Asilo”, encontra ainda o seu edifício aparentemente em bom
estado, mas desocupado, há anos, onde funcionou um asilo (de duração efémera),
fundado em 25 de julho de 1871, e depois uma escola e a primeira biblioteca
covilhanense, já lá vão 150 anos. Situa-se na Rua Combatentes da Grande Guerra.
Este edifício que ainda
ostenta uma placa no exterior do edifício com a designação da instituição e até
uma haste onde se hasteava a bandeira nacional, bem se pode lamentar, e envergonhar,
do ostracismo a que tem sido votado por quem de direito.
Foi a minha escola primária,
onde entrei, pela primeira vez, em 7 de outubro de 1955, e o meu último
professor foi o inspetor Tendeiro que ainda hoje é um grande amigo e ambos
colaboramos culturalmente.
Esta instituição, antes da
criação da biblioteca municipal que abriu ao público em 1917, tinha numa das
suas dependências uma importante biblioteca com a designação de “Biblioteca Heitor
Pinto”, tendo sido inaugurada em 1882. Chegou a ser, na altura, uma das mais
importantes bibliotecas do País, a seguir a Lisboa, Porto e Coimbra.
Destinava-se a servir o público, e por isso se encontrava aberta às
quintas-feiras e aos sábados durante todo o dia. Possuía então, nas suas
estantes, cerca de três mil volumes, na sua maioria, encadernados. Encontram-se
atualmente na Biblioteca Municipal.
O principal fundador desta
Associação foi Francisco Joaquim da Silva Campos Mello, Visconde da Coriscada,
mas também teve em José Maria Veiga da Silva Campos Melo outro dinâmico
fundador não só da Associação Protetora da Infância Desvalida como da
Biblioteca Heitor Pinto.
Por razões que desconheço, o
valioso recheio para além dos livros que se encontram na Biblioteca Municipal,
e que era constituído por documentação, fotografias, e grandes quadros
retratando as figuras dos seus fundadores, além de outro material, como o
mobiliário da escola, foi atribuído judicialmente à Paróquia de Nossa Senhora
da Conceição. Encontrava-se então naquele espaço do conhecido “Asilo” até abril
de 2014, após o que, com base num evento cultural ali efetuado, a(s)
proprietária(s) do imóvel deu(deram) imediatas ordens à paróquia para que até
final do mês fosse retirado todo o material do recheio que não lhes pertencia.
Recordando esse evento, o
último na vida daquele imóvel que chora de abandono, foi o facto de no dia 19
de abril de 2014 a paróquia nos ter emprestado a chave para ali podermos tão só
fazer uma visita para memorizarmos os tempos da nossa escola primária, com uma
minha pequena palestra, onde se encontrava o antigo aluno, fadista, Nuno da
Câmara Pereira, a cujo convívio dei destaque nas páginas da comunicação social.
Alguns dos antigos alunos
presentes nesse convívio de saudade já não se encontram no mundo dos vivos.
Entretanto, por desejo de quem
é proprietário do imóvel, esta atitude nobre ali realizada foi transformada num
ato vociferante de despejo do recheio que, felizmente, o acolheu a Santa Casa
da Misericórdia da Covilhã.
8 de setembro de 2021
O GRANDE INCÊNDIO DE LONDRES
Estamos na época de incêndios,
o que já é habitual todos os anos. Na Covilhã ficou na memória o incêndio
urbano, por fogo-posto, ocorrido na madrugada de 14 de junho de 1907, que foi
conhecido pelo Incêndio da Mineira.
A data de 2 de setembro de
1666 ficaria na história dos ingleses, e do mundo, pelos piores motivos – o
Grande Incêndio de Londres.
Em Portugal, governava nessa
época D. Afonso VI, que casaria nesse mesmo ano de 1666 com D. Maria Francisca
Isabel de Saboia. Também nesse mesmo ano falecia sua mãe, a rainha D. Luísa de
Gusmão.
Um ano após sofrer a Peste
Negra, Londres foi tomada pelas chamas e perdeu 80% da sua área central. A
reconstrução que se seguiu transformou a cidade na capital do mundo.
Era de manhã e a um domingo.
Ninguém se deu ao trabalho de dar a notícia ao rei Carlos II, que estava
descansando nos seus aposentos do palácio de Whitehall. Não parecia haver motivos
para preocupação, uma vez que, como qualquer grande cidade europeia da época, a
capital britânica estava acostumada a lidar com pequenos focos, rapidamente
apagados com a ajuda da própria população e seus baldes cheios de água. Desta
vez, porém, seria diferente. Ao fim de quatro dias, 1800 Km2 da cidade ficaram
em cinzas. A destruição de 13200 casas, 87 igrejas, incluindo a primitiva
Catedral de São Paulo, e mais de 50 sedes de instituições ou corporações
profissionais, portas da cidade e quatro pontes sobre o rio Tamisa, deixou 100
mil desabrigados e 9 mortos. Este episódio ficaria conhecido como acima
referido.
Tudo começou na noite anterior,
no forno da padaria Pudding Lane, fornecedor de pães à família real. Thomas
Farriner fechou o seu estabelecimento que ficava no primeiro andar da sua casa.
Eram 22 hora do dia 1 de setembro. Quatro horas depois, foi acordado por um
funcionário (que dormia no piso de baixo). Os fornos não haviam sido totalmente
apagados, e uma brasa alcançou uma pilha de feno que ficava ao lado. Farriner e
a sua família escaparam com vida porque saltaram da janela do andar de cima
para a casa ao lado – uma empregada ficou com medo de cair, tentou sair pela
porta e acabou por se tornar a primeira vítima deste incêndio. Os vizinhos
correram para ajudar a conter o fogo. Tornava-se importante agir com rapidez
porque a cidade de Londres ainda tinha ruas estreitas e casas muito próximas
umas das outras. Enquanto isso, o oficial da Marinha Samuel Pepys, que morava
distanciado um Km dali, foi acordado de madrugada pelo barulho da madeira
queimando, mas voltou a dormir tranquilamente. Ao acordar, de manhãzinha, ficou
assustado ao verificar que 300 casas estavam destruídas e o fogo já atingia a
Ponte de Londres.
Foi Pepys quem se apresentou
ao rei com o primeiro relato detalhado dos acontecimentos. Carlos II pediu-lhe
que que levasse ao prefeito da cidade, sir Thomas Bloodworth, a ordem para não
poupar casa alguma, desde que as chamas fossem contidas. Este demorou a agir. A
cidade só teria um Corpo de Bombeiros organizado no século seguinte. Grupos de
soldados faziam esse papel em caso de emergência.
As chamas chegaram aos
arredores do rio Tamisa, onde havia depósitos de madeira, carvão e azeite. As
explosões que se seguiram pioraram um quadro que já era preocupante. O fogo
ainda acabaria por barrar o acesso aos dutos de abastecimento de água do rio. Na
noite de 4 de setembro chegou a vez da Catedral de São Paulo, construída em
madeira e inaugurada no ano 604, tinha ganho três ampliações e uma reforma,
iniciada em 1633.
Chocada, a população perdeu a
paciência. O relacionamento do povo com o rei de 33 anos não era dos melhores.
Foi só quando a situação ficou grave demais que ele mandou seu irmão, o duque
de York, com uma tropa para ajudar no combate ao incêndio.
A classe social atingida
explica a quantidade de desabrigados, assim como a baixa contagem de vítimas
fatais, apenas 9, sem nenhum registo de feridos. É que os ingleses da época não
tinham o hábito de fazer atestados de óbito para pessoas mais pobres, o que
inviabilizou qualquer levantamento realista do número de vítimas. Por outro
lado, o estado em que os restos de muitas casas ficaram indica que famílias
inteiras podem ter morrido carbonizadas, sem possibilidade de identificação. O
rei fez uma opção conservadora na reconstrução do centro no mesmo formato.
Apenas deixou as ruas mais largas, o que reduziu o número de residências
reconstruídas. As obras demoraram 50 anos, A reconstrução do centro deu origem
à atual City londrina. O fantasma da Peste Negra que assombrava a Inglaterra
deste o século XIV, ainda estava presente no momento do incêndio, mas agora as
ruas mais largas e as casas mais afastadas entre si proporcionaram uma melhoria
nas condições de higiene. Foi o começo de uma era de ouro para a cidade.
(In Jornal fórum Covilhã, de 08-09-2021)
25 de agosto de 2021
AGOSTO - DUAS EFEMÉRIDES PARADOXAIS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL
Foi no mês quente de verão, em pleno agosto, que se deram dois
acontecimentos históricos em Portugal: um de glória, outro de leviandade
barbárie.
Entre estas duas vertentes da história em Portugal, muitas ilações se
podem extrair para os tempos que vão decorrendo. Dum país, fundado em 1139, com
quase nove séculos.
Outros países menos longevos estão na vanguarda. É indubitável que também
tivemos sempre momentos e figuras repletas de boas intenções e na têmpera de
colocar o país no mapeamento do progresso. Muitos portugueses têm honrado
Portugal, em vários domínios, no planeta.
Portugal é o mais antigo Estado-nação da Europa com fronteiras definidas.
No dia 14 de agosto comemoraram-se 636 anos que Portugal venceu os
castelhanos na Batalha de Aljubarrota. A peleja decorreu no final da tarde
daquele ano de 1385. As tropas portuguesas com aliados ingleses, comandadas
pelo rei D. João I e pelo condestável D. Nuno Álvares Pereira, defrontaram o
exército castelhano e seus aliados franceses, lideradas por Juan I de Castela.
As crises, peste negra e instabilidade política dominavam. Portugal não era
alheio à mesma.
Ganhar uma batalha com 6 500 homens do Reino de Portugal contra
31 000 por parte de Castela é deveras notável. Só ao alcance de cérebros
como o de D. Nuno Álvares Pereira que soube utilizar as táticas e as
estratégias rumo à vitória.
Aquele interregno que se seguiu à morte de D. Fernando – a crise de
1383-1385, terminava e seguia-se um período áureo para a História de Portugal,
com a conquista de Ceuta e prosperidade com base nos descobrimentos que se
iniciavam.
De Aljubarrota, “… o próprio D. Juan I chega a Santarém, a sua praça
fiel, mais morto do que vivo e com as sezões agravadas por uma fuga
desesperada. Vai depois num barco que desce o Tejo de urgência e, ao largo de
Lisboa, sobe para o navio que o transportou até Sevilha. Com a fina-flor da sua
nobreza perdida, com a dimensão do desastre já conhecida por toda a parte,
anuncia então o luto profundo em que o reino de Castela mergulhará até ao Natal
de 1387”.
Rosália Amorim, no seu editorial do DN,
refere que “A 14 de agosto de 1385, Aljubarrota foi palco de uma batalha
decisiva para a independência e a construção de um novo Portugal. A 14 de
agosto de 2021, é muito oportuno refletir sobre o que nos ensina este confronto
militar que opôs portugueses e ingleses a castelhanos e franceses (e vários
nobres lusitanos que defenderam o lado de Castela), numa disputa pelo trono
português, após a morte de D. Fernando. Hoje, podemos discutir remodelações
governamentais (…). Podemos discutir a tática do jogo de xadrez político e como
se movem as peças da oposição à direita e à esquerda. Podemos ainda fingir que
está tudo bem, neste verão de descompressão social em longo período de
pandemia. Mas a história militar, bem como das empresas e organizações,
demonstra que, mais do que jogadas táticas, é fundamental definir e aplicar uma
estratégia para vencer batalhas a curto e médio prazo. (…) Perante um
adversário muito mais poderoso e fortemente armado, venceu o exército de D.
Nuno Álvares Pereira graças a visão estratégica, liderança genuína e corajosa,
inteligente e eficaz gestão de recursos no terreno, inovação nas técnicas (…).
Devemos aprender com lições de história de ilustres portugueses do final do século
XIV que inovaram, souberam dar a volta a uma crise sem precedentes (invasão
militar, peste negra e fome) e iniciar um novo ciclo que foi o das Descobertas.
(…) Com a memória deste grande feito militar na região centro de Portugal
continental, devemos olhar para os próximos anos como uma época de novas
descobertas (talvez de nós próprios), sem fantasmas ou temores do passado e
sempre com olhos postos num futuro mais promissor para o povo português”.
O outro acontecimento paradoxal do texto, é a triste memória da Batalha
de Alcácer-Quibir, também surgida no mês quente de verão, do dia 4 de agosto do
famigerado ano 1578. O exército português, comandando pelo jovem rei D.
Sebastião, que aqui viria a perder a vida, estava esgotado pela fome, pelo
cansaço e pelo calor, quando se deu a batalha. O exército marroquino era
composto por dez mil cavaleiros e avançou cercando as alas de D. Sebastião
pelos flancos. Apesar da sua doença o Sultão Abdal Malique deixou a sua liteira
e liderou as suas forças a cavalo. (Também na Batalha de Aljubarrota, o rei
castelhano, D. Juan I, fugiu transportado numa liteira, tão debilitado estava.
Viria a morrer de peste negra.). O rei de Portugal, D. Sebastião, aos 24 anos, morre
na batalha e o seu corpo jamais foi encontrado.
A batalha terminou após quatro horas de combate intenso com a completa
derrota dos exércitos de D. Sebastião e Abu Abdallah Mohammed II Saadi, com
quase 9 mil mortos e 16 mil prisioneiros, nos quais se incluíam grande parte da
nobreza portuguesa. Talvez 100 sobreviventes tenham escapado, com custo, do
local da batalha. O exército português foi completamente dizimado.
Entre os prisioneiros portugueses estava D. António, Prior do Crato,
assim como o covilhanense Aires Teles de Meneses, Alcaide-mor da Covilhã, que
havia servido na Índia e acompanhou D. Sebastião nesta batalha, onde ficou
prisioneiro. Foi resgatado e regressou à Covilhã. Encontra-se sepultado na
Igreja de Nossa Senhora da Conceição (São Francisco), da Covilhã.
(In "Notícias da Covilhã", de 26-08-2021)
11 de agosto de 2021
A MULHER - QUANDO O SONHO SE TORNA UMA REALIDADE
Vivemos momentos do aproximar
das eleições para as autarquias em Portugal. O que hoje se fala de paridade no
ambiente parlamentar ou autárquico, outrora era uma quimera.
O voto da mulher quase que não
existia.
Mas seria duma mulher das
Beiras a surgir o pontapé de saída para o sonho. A médica egitaniense, Carolina
Beatriz Ângelo, viúva do médico covilhanense (natural de Aldeia do Souto),
Januário Barreto, furava as redes pensantes dos homens da altura. Como retrógrados
dos tempos bíblicos.
As próximas eleições estão à
porta, marcadas para o dia 26 de setembro. Um bom momento para recordar a
história de como é que as mulheres conquistaram o direito ao voto em Portugal.
Carolina Beatriz Ângelo foi a
primeira mulher a votar em Portugal. Foi em 1911, ano após ter sido
implementada a I República que surgiu o primeiro ato eleitoral. Estavam aptos a
votar “todos os cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e
fossem chefes de família”. Não sendo referido o género, a beirã Carolina
Ângelo, médica, viúva, com mais de 21 anos e uma filha menor a seu cargo,
dirigiu ao presidente da comissão recenseadora do 2.º Bairro de Lisboa um
requerimento para que o seu nome fosse incluído. A 28 de abril de 1911, o juiz
João Baptista de Castro proferiu uma sentença histórica ao incluir o nome de
Carolina Beatriz Ângelo no recenseamento eleitoral, dizendo: “Excluir a mulher
(…) só por ser mulher (…) é simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as
próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo Partido Republicano
(…). Onde a lei não distingue, não pode o julgador distinguir (…) e mando que a
reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral.”
A 28 de maio, Carolina Ângelo
dirigiu-se às urnas e votou, sagrando-se a primeira mulher a fazê-lo em
Portugal. Uma notícia que se difundiu pelo estrangeiro. No entanto, durou pouco
tempo, porquanto três anos depois seria aprovada uma legislação que
especificava que somente os homens poderiam votar.
A conduta da médica
ginecologista Carolina foi o ponto de partida para uma luta que durou duas
décadas. Somente em 1931 as mulheres conseguiram o direito a voto com
limitações. Eram elegíveis só as mulheres que tivessem frequentado o ensino
superior ou as chamadas “chefes de família”, um termo que englobava “mulheres
portuguesas, viúvas, divorciadas ou judicialmente separadas de pessoas e bens
com família própria e as casas cujos maridos estejam ausentes nas colónias ou
no estrangeiro”. Em 1933 a lei incluía o direito de voto à “mulher solteira,
maior ou emancipada, quando de reconhecida idoneidade moral, que viva
inteiramente sobre si e tenha a seu cargo ascendentes, descendentes ou
colaterais”. Nesse mesmo ano foi dada a oportunidade às mulheres de se
candidatarem. Em 1934, três mulheres foram eleitas para a Assembleia Nacional.
Em dezembro de 1968, com
Marcelo Caetano na chefia do Governo, o número de votantes foi alargado a todos
os que soubessem ler e escrever. Contudo, foi só depois do 25 de abril de 1974
que o direito ao voto se tornou universal em Portugal.
Hoje já se veem mulheres na liderança de empresas,
organizações nacionais e internacionais.
Sempre trabalhei com colegas
do feminino, e foi na maior parte do tempo, em duas multinacionais, que muitas
das mulheres souberam ocupar cargos de chefia.
Portugal tem mais mulheres no
Governo e parlamento que a média da União Europeia (UE), segundo dados,
relativos a 2020, publicados pela Eurostat (Serviço de Estatística da UE).
O número de mulheres
Presidentes e primeiras-ministras na UE também aumentou desde 2004.
Na Madeira, socialistas têm
mais mulheres candidatas (seis) a presidente de Câmara do que homens (cinco). O
PSD vai a votos com 11 homens. É caso único nos 20 distritos eleitorais.
No meu tempo nostálgico de
estudante na Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã, na
disciplina de Geografia, a Drª Maria Adelaide Maia ditava-nos apontamentos que
passávamos a escrito, sobre os Continentes, os quais ainda preservo como
relíquia. Estávamos no ano letivo de 1960/61. A certa altura falou de Ceilão
(atual Sri Lanka) e fez uma pequena observação. Este país é agora governado,
pela primeira vez no mundo, por uma mulher – Sirima Bandaranaike. E tinha
razão. Foi no dia 21 de julho de 1960 que se tornou a primeira mulher
democraticamente eleita chefe de governo. Só depois, em 1966, surgiria Indira
Gandhi, na Índia.
Nesta altura, aproveitamos para
homenagear a Mulher Portuguesa no desporto, na pessoa de Patrícia Mamona que
honrou o “país pequeno” ao voar acima dos 15 metros, no triplo salto dos Jogos
Olímpicos do Japão, conquistando a medalha de prata.
(In "Jornal fórum Covilhã", de 11 de agosto de 2021)